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Alemanha – o modelo de prioridade condicionada do árbitro, com possibilidade

3. A QUESTÃO DA COMPETÊNCIA NA ARBITRAGEM

3.6. Alguma comparação sobre o tratamento da competência dos árbitros

3.6.3. Alemanha – o modelo de prioridade condicionada do árbitro, com possibilidade

Ao falar sobre a regra da competência-competência na Alemanha, convém fazer primeiramente uma observação de cunho terminológico importante. A regra da competência-competência é, por vezes, tratado como se fosse sinônimo da expressão de origem germânica kompetenz-kompetenz. Tal identificação, entretanto, é inexata e pode gerar confusão desnecessária.

Na doutrina alemã tradicional, esclarecem Fouchard, Gaillard e Goldman, kompetenz-kompetenz significaria um poder de decidir sobre a competência sem qualquer revisão posterior. Aceitar tal regra para arbitragem significaria que o árbitro decidiria sobre a sua competência e tal decisão não poderia ser revista pelo Poder Judiciário. Não é essa, contudo, a posição aceita, nem mesmo na Alemanha. Assim, o termo deve ser evitado331.

329 POUDRET, Jean-François. L'originalité́ du droit français de l'arbitrage au regard du droit comparé. In: Revue Internationale de Droit Comparé. Paris: Société de Législation Comparé, 2004, v. 56, n. 1, p.

142.

330 ROZAS, José Carlos Fernández. Anti-sui Injunctions issued by National Courts measures addressed to

the parties or to the arbitrators. In: GAILLARD, Emmanuel. (Ed.) IAI Series on International

Arbitration nº 2 - Anti-suit Injunctions in International Arbitration. Huntington: Juris Publishing,

2005, p. 81-82.

331 GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. (ed.) Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999, p. 395.

A Alemanha nunca aceitou o efeito negativo da competência-competência em sua plenitude, tal posição já estava assente antes das reformas que entraram em vigor em 1998332. A regra clássica na Alemanha sempre foi de permitir ao árbitro decidir sobre a questão, mas não de maneira definitiva333. A posição alemã é substancialmente diferente do modelo francês.

Em 1998, entrou em vigor a reforma do livro 10 da ZPO (o Código de Processo Civil Alemão), que adotou uma redação quase idêntica ao proposto na Lei Modelo da UNCITRAL. O objetivo da reforma foi modernizar a legislação alemã de acordo com padrões internacionais sobre a matéria e consolidar o país como uma sede atrativa para arbitragens internacionais334.

Assim como faz o artigo 5º da Lei Modelo da UNCITRAL, o artigo 1026 da ZPO procura limitar a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na arbitragem335. Esse dispositivo estabelece que apenas nas hipóteses previstas na própria ZPO é que poderá o Poder Judiciário intervir na arbitragem. Trata-se de uma regra de contenção da intervenção do Poder Judiciário.

Na Alemanha, é possível uma ação direita para controlar a existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem, se esta ação for proposta até o momento de constituição do tribunal arbitral336. Isso é possível em virtude do disposto na Seção 1.032 (2) da ZPO337. Nesse caso, assim como na hipótese de ser suscitada uma exceção de arbitragem em processo judicial em curso, o Poder Judiciário só pode decidir sobre a higidez da convenção de arbitragem, sobre a arbitrabilidade do caso e sobre a

332 GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. (ed.) Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Haia: Kluwer Law International, 1999, p. 396.

333 SCHLOSSER, Peter. La nouvelle législation allemande sur l'arbitrage. In: Revue de l’arbitrage.

Paris: Comité Français de l’arbitrage, 1998, v. 1998, nº 2, p. 296.

334 BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. Germany a place for

International and Domestic Arbitrations – General Overview. In: BÖCKSTIEGEL, Karl-Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. (eds.). Arbitration in Germany: The Model Law in Practice. Haia: Kluwer Law International, 2007, p. 4-9.

335 “The Model Law seeks to exclude the involvement of the courts as far as possible. It states: ‘In matters

governed by this Law, no court shall intervene except where so provided in this Law.’At first sight, this is a striking declaration of independence. Yet the Model Law cannot exclude, and does not seek to exclude, the participation of what it calls the ‘competent court’ in carrying out ‘certain functions of arbitration assistance and supervision’.” BLACKABY, Nigel; CONSTANTINE, Partasides; REDFERN, Alan; HUNTER, J. Martin H.. Redfern and Hunter on International Arbitration. Oxford: Oxford University Press, 2009, p. 440.

336 POUDRET, Jean-François. L'originalité́ du droit français de l'arbitrage au regard du droit comparé. In: Revue Internationale de Droit Comparé. Paris: Société de Législation Comparé, 2004, v. 56, n. 1, p.

142.

337 HUBER, Peter. Arbitration Agreement and Substantive claim before Court. In: BÖCKSTIEGEL, Karl-

Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. (eds.). Arbitration in Germany: The Model

abrangência da convenção de arbitragem, não sendo possível para esse fim qualquer análise sobre o mérito da disputa338-339.

Se for proposta uma ação judicial, é possível que seja levantada pelo réu como matéria de defesa uma preliminar de convenção de arbitragem (Seção 1.032 (1) da ZPO). Bem na linha do que dispõem o artigo II, 3., da Convenção de Nova Iorque e o artigo 8 (1) da Lei Modelo da UNCITRAL, a lei alemã determina que o juiz deverá extinguir a ação judicial, remetendo as partes à arbitragem, exceto se verificado que a convenção de arbitragem é nula e sem efeitos, inoperante ou inexequível.

A pendência de exceção de arbitragem ou mesmo de uma ação direta para decidir sobre a competência dos árbitro não impede o início do processo arbitral.

É possível o início e desenvolvimento de um processo arbitral, mesmo que estas questões estejam pendentes de decisão judicial. O objetivo desta regra é prevenir que as partes utilizem um processo judicial como uma tática para atrasar o processo arbitral. A consequência é a inexistência de litispendência entre um processo arbitral e um processo judicial. Entretanto, esta regra cria o risco da coexistência de processos paralelos, o que pode levar a decisões conflitantes. Segundo Peter Huber, o legislador alemão pretendeu que os árbitros suspendessem o processo arbitral para aguardar a decisão judicial, exceto se identificarem que o processos judicial é uma manobra dilatória ilícita340.

O autor entende que a decisão judicial final sobre a admissibilidade de jurisdição arbitral deve ser considerada vinculante para os árbitros. Ou seja, existindo uma decisão judicial entendendo ser incompetente o árbitro, o processo arbitral deveria ser extinto e o árbitro não deveria julgar o mérito do caso. Caso seja proferida uma sentença arbitral nessa hipótese, a consequência seria a nulidade ipso jure desta, sendo desnecessário posteriormente propor uma ação anulatória341.

A Alemanha reconhece plenamente o efeito positivo da competência- competência. O árbitro pode decidir sobre sua própria competência tanto na sentença

338 ALEMANHA. Bavarian Highest Regional Court - ObLG. Caso nº 4 Z SchH 03/99 (BayObLGZ 1999,

Nr. 58; BB, Beilage 8 zu Heft 37/2000 (RPS), S. 16). j. 08 Set. 1999.

339 HUBER, Peter. Arbitration Agreement and Substantive claim before Court. In: BÖCKSTIEGEL, Karl-

Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. (eds.). Arbitration in Germany: The Model

Law in Practice. Haia: Kluwer Law International, 2007, p. 152.

340 HUBER, Peter. Arbitration Agreement and Substantive claim before Court. In: BÖCKSTIEGEL, Karl-

Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. (eds.). Arbitration in Germany: The Model

Law in Practice. Haia: Kluwer Law International, 2007, p. 155.

341 HUBER, Peter. Arbitration Agreement and Substantive claim before Court. In: BÖCKSTIEGEL, Karl-

Heinz; KRÖLL, Stefan Michael; NACIMIENTO, Patricia. (eds.). Arbitration in Germany: The Model

final quanto, a requerimento de qualquer uma das partes, em uma sentença parcial. A regra da separabilidade da convenção de arbitragem também é reconhecido.

A parte deve formular sua alegação de incompetência dos árbitros até a apresentação de sua defesa ao pedido de formação do tribunal arbitral. A indicação de um árbitro para participar do processo não impede que seja formulada uma alegação de incompetência do tribunal arbitral. O motivo da regra é estimular as partes a cooperarem com o processo arbitral. O simples fato de uma parte ter facilitado a formação do tribunal arbitral, indicando um árbitro, não implica a aceitação da jurisdição deste.

Caso os árbitros rejeitem a alegação de incompetência ou de falta de jurisdição em uma sentença parcial, é possível a propositura de uma ação judicial paralela com o objetivo de rever essa decisão. Essa ação deve ser proposta no prazo decadencial de um mês contado da data em que a parte interessada recebeu ciência por escrito da decisão dos árbitros (Seção 1.040 (3) da ZPO).

A legislação alemã de arbitragem, a partir de 1998, expressamente reservou ao Poder Judiciário o julgamento final sobre a competência dos árbitros. Embora os árbitros possam decidir sobre sua própria competência – seja através de uma sentença parcial seja na final – as partes podem propor uma ação judicial para discutir essa questão342. O direito de propor uma ação no Poder Judiciário pra rever a competência dos árbitro não pode ser derrogado pela vontade das partes343 (Seção 1040 (3) da ZPO).

3.6.4. Estados Unidos – o modelo de competências paralelas (judicial e arbitral)