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2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2.4 VARIÁVEIS EXPLANATÓRIAS CONSIDERADAS NO ESTUDO

2.4.2 Variáveis explanatórias linguísticas

2.4.2.1 Abordagem do item verbal

Sem desconsiderar a complexidade do item verbal no que tange à variação do imperativo, para o tratamento dessa variável, optou-se por adotar uma chave de codificação que cumprisse, tanto quanto possível, os critérios de ortogonalidade e exclusividade (GUY; ZILLES, 2007). Dessa forma, foram definidos grupos que abordassem particularmente cada um dos aspectos que caracterizam as formas verbais, tais como morfologia verbal (forma simples ou locução), paradigma flexional do verbo (regular ou irregular), paralelismo fônico e saliência morfofonológica.

A definição do fator morfologia verbal teve como objetivo atestar o efeito do emprego de uma forma verbal simples ou de uma construção perifrástica na realização do imperativo, fatores controlados e significativos na amostra de fala observada por Sampaio (2001), conforme já apresentado na subseção 1.3.2. Para esta variável dependente, definiram-se os seguintes valores exemplificados em (46) e (47):

68 “Networks constituted chiefly of strong (dense and multiplex) ties support localized linguistic norms, resisting

a) Forma simples:

(46) a. Não vai lá! (ITA-10) b. Ó, não vá pr'ali, (ITA-10)

b) Forma locucional:

(47) a. Minha filha, vai descansá! (ITA-06)

b. Vá estudá, vá costurá, (...) num tá no tempo de namorá não! (ITA-06)

Para o tratamento do paradigma flexional do verbo, consideramos os padrões de regularidade e irregularidade, definidos nos seguintes termos:

a) Verbos regulares: verbos em que não há variação no radical quando flexionado,

seguindo o modelo de flexão proposto para sua conjugação: Ex.: cantar, comprar.

b) Verbos irregulares: verbos que apresentam mudança no radical ou na flexão69. Ex.: Saber, dizer, ser, ir.

No cômputo das variáveis ligadas aos verbos, incluímos para a codificação das ocorrências verbais a variável paralelismo fônico, considerando a relevância já apontada pelos estudos (SCHERRE et al., 1998; SCHERRE et al. 2000a; JESUS, 2006). Os valores definidos para esta variável levam em consideração o modelo proposto no trabalho de Scherre et al. (1998) e são descritos a seguir.

a) Forma de primeira conjugação, vogal precedente [-aberta]: cantar, vender,

costurar;

b) Forma de primeira conjugação, vogal precedente [+aberta]: levar, falar,

botar;

c) Forma de segunda conjugação: vender, fazer;

d) Forma de terceira conjugação: sair, cair.

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Considerou-se nesse grupo os verbos irregulares com alteração no radical (dizer – diga) em relação à forma subjuntiva ou mudança no modelo da flexão proposta para sua conjugação (estou – canto). Incluem-se ainda nesse grupo os verbos anômalos tais como ser, ir, cujos radicais apresentam, quando conjugados, radicais primários diferentes.

Com base nos aspectos revisados na subseção 1.3.2 e nas hipóteses propostas em estudos sobre o tema, investigaremos nas amostras em análise como a conjugação verbal interfere na realização das formas imperativas. Nossa hipótese recai principalmente no efeito esperado para os verbos da primeira conjugação, os verbos com vogal precedente [–aberta] favoreceriam a realização do morfema derivado do subjuntivo, também [-aberto] nos verbos desse paradigma (e.g. cante). No mesmo sentido, quando a vogal precedente é [+aberta] a forma favorecida seria a indicativa (e.g. leva). Haveria, portanto, uma espécie de harmonização vocálica entre a vogal precedente e a vogal do morfema.

Nosso olhar sobre a morfologia verbal observou ainda o efeito do nível de saliência no condicionamento do imperativo. Seguindo as tendências morfofonológicas exercidas pela variável saliência fônica para outros fenômenos linguísticos e as considerações apontadas por Scherre (2004) para o imperativo, postulamos uma escala de saliência aplicável ao modo imperativo, apresentada no Quadro 11, a seguir.

Quadro 11 – Níveis de saliência morfofonológica entre as variantes do imperativo

Fonte: elaborado pela autora

MACRONÍVEL SUBNÍVEL DEFINIÇÃO EXEMPLO

NÍV

E

L

I Nível 1 Mudanças apenas no morfema

modo temporal, sem alterações no radical. olha/olhe cumpre/cumpra espera/espere NÍV E L II

Nível 2 Alteração no radical em função

de mudanças nos sons

consonantais

ouve/ouça pede/peça Nível 3 Alteração no radical em função

das mudanças vocálicas , timbre e altura de vogal presente no radical. investe/invista sobe/suba serve/sirva dá/dê NÍV E L III Nível 4 Acréscimo ou supressão de segmento vocálico. sai/saia cai/caia ri/ria vai/vá NÍV E L IV

Nível 5 Acréscimo de segmento silábico

com presença de vogal

nasalisada

vem/venha tem/tenha põe/ponha Nível 6 Acréscimo de segmento silábico

(com inclusão/alteração de som consonantal existente)

diz/diga traz/ traga

Nível 7 Acréscimo de segmento

consonatal.

Defendemos como hipótese de trabalho o condicionamento das formas mais salientes em favor das variantes mais marcadas (menos frequentes) nas comunidades estudadas.

Ao lado dos condicionamentos já previstos em análises preliminares, controlamos, por meio da variável verbo empregado, cada um dos lexemas da amostra. Com esta variável esperamos: observar a produtividade dos itens verbais utilizados no modo imperativo e seu efeito na escolha das variantes; identificar comportamentos idiossincráticos dos verbos; atestar a relevância da teoria da difusão lexical como caminho percorrido pela variação do imperativo; e observar, a partir das características morfofonológicas e pragmáticas de cada item, as categorizações presumíveis. Estamos cientes de que a análise do mesmo item a partir de diferentes abordagens em uma mesma rodada de dados pode acarretar a sobreposição de um grupo de fatores sobre outro. Para evitar tal desvio analítico, realizaremos rodadas alternativas, com a exclusão de eventuais fatores convergentes. O Quadro 12 sintetiza os fatores considerados na análise do item verbal, com exemplos extraídos das amostras de fala.

Quadro 12 – Quadro síntese das variáveis linguísticas independentes relacionadas ao item verbal

VARIÁVEL DEPENDENTE

FATORES

Morfologia verbal

Forma simples: Não vai lá! (ITA-10) Locução verbal: Ó, não vá pr'ali, (ITA-10)

Paradigma flexional

Verbos regulares: Ai, Daiana, me dêxe, me esquece! (CAJ- 01) Verbos irregulares: vai lá pra fora! (CAJ- 12)

Conjugação verbal

1ª conjugação, vogal precedente [-aberta]: Fique calado...(ITA-02)

1ª conjugação, vogal precedente [+aberta]: Bote minha comida, mãe. (CAJ-07) 1ª conjugação, monossilábico: Minha mãe, me dê um tênis? (ITA-07)

2ª conjugação: Mãe, traz meu registo que Dona Ana qué. (LAU-11) 3ª conjugação: Vá pra casa! (ITA-09)

Verbo Delimitação dos diferentes verbos empregados

Saliência

morfofonológica

Nível 1: Seus filho, não bata! (ITA-09) Nível 2: peça o carro a seu Manolo (CAJ-06) Nível 3: óia, num bula (CAJ-11)

Nível 4: Sai já, meu filho (CAJ-11)

Nível 5: Ô, Jô, venha tomano banho aqui! (CAJ-11) Nível 6: Nalvinha, [...] traz seu pai aqui (LAU-11) Nível 7: Veja minha conta aí (SUB-10)

Reiteramos que a definição desses grupos de fatores visa à apreensão pormenorizada dos diferentes aspectos que caracterizam o item verbal no modo imperativo. Além disso, o controle da variável verbo empregado, além de permitir verificar o efeito da difusão lexical no fenômeno, teve por objetivo controlar comportamentos particulares, levando em consideração, ainda, o fato de que há lexemas mais produtivos que outros no tocante à expressão do imperativo. Não foi considerado para a análise dos dados o grupo de fatores número de sílabas do verbo, tendo em vista a ausência de dados significativos em nossas análises preliminares, bem como a carência de uma hipótese explicativa que justificasse essa investigação.