• Nenhum resultado encontrado

1 A EXPRESSÃO DO MODO IMPERATIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA

1.3 OS CONDICIONAMENTOS EXERCIDOS SOBRE OS USOS DO IMPERATIVO

1.3.1 Os condicionamentos sociais da variação do imperativo

1.3.1.2 O sexo dos informantes

Os estudos variacionistas têm destacado a pertinência da variável sexo na configuração das variações e mudanças linguísticas. Embora haja divergências quanto à tendência de cada sexo em uma situação de variação, um comportamento sensivelmente diferenciado entre homens e mulheres tem sido registrado nos estudos sociolinguísticos.

Fernández (1998), apontando os argumentos de Chambers e Trudgil (1980), sugere que as mulheres teriam uma tendência ao uso de formas de prestígio, que coincidem com as formas da norma padrão, nas comunidades com uma normatização linguística mais explícita. Isso, no geral, é o resultado de uma situação de opressão a que as mulheres estariam submetidas na grande maioria dos agrupamentos humanos e de uma consequente busca por status e aceitação social. O autor ainda destaca o fato de as mulheres receberem uma educação mais coercitiva, voltada ao cumprimento e adequação às normas sociais. Essas razões seriam as principais justificativas para um comportamento conservador das mulheres em relação aos usos linguísticos.

Labov (2001) relativiza a questão, equacionando a suposta tendência conservadora feminina em termos da natureza da variação e da mudança em processo. O autor sugere a existência do princípio do conformismo linguístico das mulheres, segundo o qual estas tenderiam a utilizar mais as variantes de prestígio e evitar as formas estigmatizadas nas situações de variação estável. Para as situações que envolvem mudança, haveria duas

tendências: nas mudanças de cima para baixo, orientadas em função do padrão linguístico das classes mais altas, as mulheres tenderiam a utilizar as variantes de prestígio; nas mudanças de baixo para cima, cuja orientação da mudança parte dos grupos centrais ou baixos, tenderiam a usar a forma inovadora, que, nesse caso, geralmente corresponde à forma não padrão.

O relativismo da variável sexo não é desprezado por Fernández (1998), mas é associado aos aspectos sociais e não ao fenômeno linguístico ou tendência em relação à variação e a mudança. Para o autor, “o sexo pode mostrar-se, portanto, mais como um fator de segunda ordem, como algo que costuma subordinar-se a dimensões sociais diferentes e com maior poder de determinação”29

(FERNÁNDEZ, 1998, p. 35 [tradução nossa]). Corrobora esse raciocínio a afirmação de Lucchesi (2004, p. 192):

Generalizações do tipo ‘as mulheres são mais inovadoras do que os homens’ (...) tem a meu ver, um valor heurístico bastante questionável, pois a ação de um determinado fator social sobre um processo particular de mudança é determinada pela maneira específica através da qual esse fator se integra no conjunto complexo de interações que constitui o processo social em que a mudança acontece.

Isto fica claro quando identificamos um sensível contraste no comportamento linguístico de homens e mulheres em zonas urbanas e rurais do Brasil. De um modo geral, os estudos sociolinguísticos de centros urbanos apontam as mulheres como líderes das mudanças em direção às formas de prestígio da norma-padrão (CHAMBERS, 1995, p. 102-103). Por outro lado, quando observamos os estudos em áreas rurais, como, por exemplo, nas comunidades afro-brasileiras do Estado da Bahia as quais se dedica o Projeto Vertentes, percebemos que os homens têm se mostrado mais inovadores, liderando os processos de mudança em direção ao uso urbano culto (LUCCHESI, 2009). Nessas comunidades, as mulheres apresentam um comportamento mais conservador, utilizando mais as variantes locais, as quais, em geral, são não-padrão e estigmatizadas ou neutras.

Nos estudos sobre o imperativo não são apresentadas evidências conclusivas em relação ao comportamento da variável sexo. Os dados de João Pessoa (ALVES, 2001) e de Salvador (SAMPAIO, 2001), por exemplo, apontam a neutralidade da variável.

29 “El sexo puede mostrar-se, por tanto, mas como um factor de segundo orden como algo que suele subordinar-

No entanto, um estudo em particular chama a nossa atenção no que diz respeito ao efeito do sexo dos falantes. Cardoso (2009) atesta a “atuação vigorosa” da variável gênero30 na fala de indivíduos nascidos em Fortaleza e residentes no Distrito Federal. Isso pode ser constatado pelo enfoque conferido à variável no título do trabalho: Variação e mudança do imperativo no português: gênero e identidade. Na amostra investigada, as mulheres lideraram o emprego das formas indicativas. Considerando que as formas indicativas (canta) seriam tendências de mudança em função do contato com a fala brasiliense, já que predominam na fala de Fortaleza as formas subjuntivas (cante), a autora conclui:

O falante do sexo masculino tende a conservar mais sua variante de origem quando se muda para outra região; e que as mulheres, em geral, tendem a apresentar uma mudança bem mais rápida, motivada por questões externas, com maior adaptabilidade, pressão do mercado de trabalho [...]. (CARDOSO, 2009, p. 84).

Com base no comportamento dos fenômenos variáveis alternância tu e você, concordância verbal e dados de Cardoso (2009) sobre o imperativo, Scherre e Yacovenco (2011) tentam estabelecer uma generalização acerca do comportamento dos gêneros.

Traços linguísticos menos marcados, no sentido de serem menos dependentes das relações interacionais ou mais frequentes ou mais aceitos socialmente, tendem a ser favorecidos pelas mulheres: o tu como índice de identidade geográfica, o imperativo associado ao indicativo em contatos dialetais, a presença da concordância verbal. (SCHERRE; YACOVENCO, 2011, p. 138-139)

A generalização proposta versa sobre a relação entre o gênero e sua atuação em variáveis abaixo do nível de consciência dos falantes. As autoras propõem que o comportamento favorável ao indicativo apresentado pelas mulheres em Cardoso (2009) é associado ao fato de o imperativo ser um traço abaixo do nível de consciência social.

A exceção dos dados de Cardoso (2009), vinculados a uma amostra muito particular, não têm sido apontadas evidências muito elucidativas entre os estudos observados, em relação ao encaixamento do imperativo e ao sexo dos falantes. Seu efeito parece apresentar-se aqui,

30 A autora elege o termo gênero em função da abrangência do termo, dos aspectos socioculturais implicados em

sua definição, e da vinculação de seu trabalho a aspectos da identidade dos sujeitos. Em nosso trabalho, optamos pela designação fisiológica sexo, por acreditarmos que não há, em nosso escopo de trabalho, condição suficiente para contemplar, na coleta e na análise dos dados, as dimensões identitárias e subjetivas que as definições de gênero implicam.

conforme a proposta de Fernández, como um “fator de segunda ordem”. As contingências socioculturais em que se inserem os sexos é que parecem figurar em primeiro plano.