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2 FUNDAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

2.4 VARIÁVEIS EXPLANATÓRIAS CONSIDERADAS NO ESTUDO

2.4.1 Variáveis explanatórias sociais

As variáveis sociais definidas para o estudo consideram os fatores sociais já discutidos na subseção 1.3.1, bem como aspectos característicos das comunidades estudadas (cf. seção 2.2). Assim, são consideradas seis variáveis sociais na codificação das ocorrências do imperativo encontradas nos nossos corpora. Os fatores definidos para cada grupo seguem descritos a seguir:

64 Em função do caráter comparativo dos nossos dados, optamos por apresentar as hipóteses junto aos dados

quantitativos para algumas variáveis sociais. Acreditamos que assim será mais fácil explicitar as diferentes tendências esperadas para cada amostra.

1. faixa etária: faixa I (20 a 40 anos), faixa II (40 a 60 anos), faixa III65 (mais de 60 anos)66;

2. sexo dos informantes: masculino e feminino;

3. nível de escolaridade: analfabeto (sem contato com a escolarização) e semialfabetizado (baixo contato com a escolarização);

4. estada fora da comunidade: falantes que estiverem fora da comunidade por um período superior a seis meses;

5. nível de exposição à mídia (exposição à televisão e rádio): alta (mais de 4 horas diárias), baixa (até duas horas diárias) e religiosa (exposição prioritária a programas religiosos – evangélicos);

6. rede de relações sociais: rede concentrada na comunidade de fala, rede dispersa por outras comunidades.

Conforme apontado na revisão dos trabalhos sociolinguísticos sobre o imperativo (seção 1.3.1), a faixa etária tem indicado resultados importantes. Particularmente para os dados da Bahia, entre os dados de fala da norma culta de Salvador, a faixa 1 apresentou um possível quadro de mudança em favor do indicativo, variante inovadora da comunidade (SAMPAIO, 2001). Esperamos, a partir da análise dessa variável em nossos corpora, reunir elementos que nos permitam identificar quadros de variação estável ou mudança para as variedades do português popular do estado, colaborando para a composição da variação do imperativo na Bahia. Acreditamos que o comportamento desse grupo de fatores apresentará dados que nos permitirão confrontar as variedades rurais e urbanas do estado e suas tendências de mudança, contribuindo para a compreensão do processo de dialetação do português.

Para a variável sexo do falante, levamos em consideração a complexidade de se estabelecer uma leitura absoluta sobre o comportamento linguístico de homens e mulheres nos diferentes cenários sociais por nós observados. As hipóteses aqui propostas, reconhecemos, partem de uma leitura superficial e correlata à percepção dos comportamentos desses mesmos falantes em outros fenômenos linguísticos já estudados no âmbito do Projeto Vertentes.

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Entre os falantes das comunidades afro-brasileiras, considerou-se ainda uma quarta faixa etária, falantes com mais de 80 anos (cf. seção 2.4).

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Para os falantes do português popular do interior (Santo Antonio de Jesus e Poções), reiteramos que foi considerado um lapso temporal entre as faixas, assim, tem-se: faixa I (25 a 35 anos), faixa II (45 a 55 anos); faixa III (mais de 65 anos).

Recorremos ainda ao perfil dos informantes masculinos e femininos exposto nas fichas de identificação, bem como nos relatos pessoais apresentados durante as entrevistas e pressupostos teóricos delimitados na subseção 1.3.1.

Com base nessas considerações, partimos da hipótese de que, para o contexto rural, a permanência das mulheres nas comunidades e a dedicação destas às tarefas ligadas à rotina domiciliar favoreceriam a manutenção das formas locais. Dessa forma, nesse contexto, os homens favoreceriam as formas exógenas à comunidade. Vale destacar que, nos contextos rurais observados, os homens tendem a manter um intercâmbio linguístico maior que as mulheres, pois saem mais da comunidade em busca de trabalho. A importância desse comportamento é recuperada pela variável estada fora da comunidade, considerada nos dados do português rural, com a qual esperamos aferir se as migrações dos indivíduos para outras cidades, motivadas, sobretudo, por interesses profissionais, afetam o desempenho linguístico dos informantes.

No que diz respeito ao tratamento da variável sexo nas comunidades urbanas, relembramos que os dados já existentes sobre o imperativo em Salvador apontam as mulheres como favorecedoras das formas indicativas. Este comportamento seria, segundo Sampaio (2001), resultado da influência exercida pelo padrão mais frequente nos centros de prestígio, difusores de cultura de massa do país – Rio de Janeiro e São Paulo. Para nós, as formas indicativas, se presentes no português popular urbano da Bahia, devem estar associadas a marcas precedentes advindas do interior do estado e não seriam, portanto, formas de prestígio.

Ainda no intuito de recobrir a influência dos fatores sociais, observamos em que medida o contato com a escolarização afeta os usos do imperativo. Vale salientar que o nosso estudo tem na escolarização, variável controlada na composição dos corpora (cf. seção 2.2), um importante caracterizador da condição sociolinguística dos informantes, tendo em vista o pouco acesso a este direito pelas classes mais desprestigiadas, falantes das normas populares. Nesse sentido, nossos fatores não são definidos em função dos níveis de escolaridade, mas sim numa variável binária:

i) Falantes analfabetos: indivíduos com nenhum contato com a escolarização;

ii) Falantes semiafalbetizados: indivíduos com pouquíssimo contato com a escolarização.

Considerando as evidências apresentadas na subseção 1.3.1, assumimos que a escolarização é um traço importante do encaixamento social da variação em estudo. Nossa

análise prevê identificar em que medida o efeito da escolarização aproxima-se do já encontrado por Sampaio (2001) e Jesus (2006), com falantes escolarizados favorecendo as formas indicativas. Nossa hipótese é de que, ao contrário das normas cultas, a escolarização favoreça a aquisição de formas subjuntivas, no português popular da Bahia.

As especificidades do contexto urbano, bem como a maturidade das pesquisas desenvolvidas no Projeto Vertentes conduziram à inserção de suas novas variáveis na composição das amostras de Salvador: exposição à mídia e rede de relações sociais dos falantes.

Para o controle da exposição à mídia, foram especificados inicialmente dois níveis: exposição baixa e exposição alta. A definição desses valores levou em consideração o tempo de exposição diária e a natureza dos programas assistidos. No entanto, durante a realização das entrevistas, percebeu-se um tipo específico de exposição, o que determinou a inclusão de um terceiro valor para a variável: exposição à mídia religiosa. Um grupo de falantes, devido à vinculação com as religiões evangélicas, apresentou predileção, quando não exclusividade, pelos programas de rádio e televisão de cunho religioso67. Considerando que nesse tipo de programa, principalmente pela influência da leitura do texto bíblico, predomina o emprego de textos orais mais formais e próximos da norma-padrão, optamos por isolar esse tipo de influência midiática. Em síntese, partimos da hipótese de que a análise dessa variável revelará a influência da exposição alta à mídia como um importante encaixamento para a realização das formas indicativas. Tem-se em vista a circulação da variante indicativa (canta) na mídia televisiva proveniente da região Sudeste, polo difusor dos meios de massa. A exposição às produções midiáticas dessas regiões, além de favorecer o convívio com diferentes realizações linguísticas, confrontam os falantes com delimitações importantes sobre a avaliação desses usos.

O tratamento da variável rede de relações sociais pautou-se nas considerações de Milroy (2004) e Bortoni-Ricardo (2011). Parte-se do pressuposto de que os usos linguísticos podem ser afetados pela densidade e natureza dos vínculos sociais exercidos pelos falantes de uma comunidade em suas interações sociais. De acordo com Bortoni-Ricardo (2011, p. 95), a utilidade do conceito de redes para os estudos sociolinguísticos reside no fato de que “ele se apresenta em um nível mais baixo de abstração em relação à comunidade de fala”. Para

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Vale destacar que, dentre a população de Salvador com idade de 25 ou mais com nível de escolaridade sem instrução ou fundamental incompleto (perfil característico dos nossos informantes), 111.539 declaram-se como de religião evangélica, esta superada apenas pelo índice de declarantes da religião católica: 275.669. (IBGE, 2010).

Milroy (2004), as redes são categorias sociais capazes de recuperar a dinâmica subjacente à interação social entre os indivíduos. Com base em características como densidade e redundância dos vínculos, Bortoni-Ricardo (2011) diferencia redes abertas e fechadas. A densidade das redes diz respeito à quantidade de vínculos desempenhados pelo indivíduo na comunidade. Em redes menos densas (tessitura larga), os indivíduos tendem a estabelecer poucos vínculos com os membros da comunidade. Nas redes mais densas (tessitura miúda), o número de vínculos estabelecidos entre os membros da comunidade tende a ser maior. A redundância dos vínculos diz respeito à natureza dos vínculos estabelecidos. Nas palavras da autora,

Um vínculo entre duas pessoas será unilinear ou uniplex se elas estiverem relacionadas somente em uma capacidade, por exemplo, como empregador/empregado. Ele será multilinear ou multiplex se elas estiverem ligadas de muitas maneiras, por exemplo, como parentes, amigos, colegas de trabalho, vizinhos etc. (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 92).

Redes fechadas, com alta densidade e multiplexidade, costumam ser características de comunidades rurais ou tradicionais. As redes mais modernas, como as comunidades urbanas metropolitanas, tendem a ser caracterizadas como redes fechadas, com baixa densidade e uniplexidade.

Em nosso trabalho, a investigação desses aspectos iniciou-se, conforme já sinalizado, ainda na fase da coleta das amostras de fala. A princípio, buscou-se a descrição do perfil dos indivíduos selecionados, partindo-se da identificação do tipo de relações sociais estabelecidas pelos informantes nas comunidades, mais locais, concentradas no bairro, ou mais dispersas. Da análise inicial, alcançamos a compreensão de que os bairros de Salvador apresentam perfis diferenciados quanto às redes sociais. Bairros como Itapuã apresentam uma rede predominantemente local, ou seja, as principais relações são estabelecidas dentro do próprio bairro; em bairros como Plataforma, o perfil característico dos informantes é de rede dispersa, de modo que os informantes desempenham atividades ou papéis sociais em diferentes regiões da cidade. Dessa forma, os fatores rede local e rede dispersa passaram a constituir um aspecto caracterizador do perfil dos bairros, orientando a recolha das amostras. O contraste entre os usos nos permitirá identificar a hipótese apresentada por Milroy (2004), para quem: “Redes sociais constituídas principalmente de vínculos fortes (densos e multiplex) mantêm normas

linguísticas locais, resistindo a pressões para adotar normas externas concorrentes.68” (MILROY, 2004, p. 550, tradução nossa). Investigamos, portanto, a hipótese de que as comunidades cujos falantes apresentam redes sociais mais dispersas tenderiam a favorecer o incremento das formas variantes externas ao padrão local.