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1 A EXPRESSÃO DO MODO IMPERATIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA

1.2 O USO DO MODO IMPERATIVO NO PORTUGUÊS FALADO

1.2.3 A variação nos usos do imperativo no português brasileiro

1.2.3.1 O uso do imperativo no português da Bahia

1.2.3.1.1 Contexto de emprego do imperativo na Bahia

Objetivando promover uma análise mais completa dos usos imperativos no português popular da Bahia, nos dedicamos neste ponto às realizações de tu e você nesse cenário no intuito de que possamos reunir elementos que mais tarde auxiliem nossa interpretação do fenômeno.

Embora a Bahia seja referida na literatura como uma região em que há predomínio do emprego do pronome você, o escrutínio dos estudos levantados revela a vitalidade do emprego da forma tu, com registros inclusive de localidades em que seu uso suplanta o pronome você.

Para a caracterização dos usos das formas pronominais de referência à segunda pessoa singular no português da Bahia, recorremos a alguns trabalhos, entre eles o estudo de Nogueira (2013) sobre o português de Salvador e Feira de Santana, os dados coletados por Divino (2008) sobre o município de Santo Antônio de Jesus e os dados de Oliveira (2005, 2007) sobre as variedades interioranas do português popular da Bahia. Destaca-se que o objetivo, longe de promover um estudo ou revisão do tema, é fornecer subsídios que permitam caracterizar o cenário em que se inserem os usos imperativos em relação à referência à segunda pessoa no universo de fala analisado por esse estudo, o português popular da Bahia.

O estudo de Nogueira (2013) debruçou-se sobre o uso dos pronomes tu e você na capital baiana, Salvador, e em uma cidade do semiárido baiano, Feira de Santana, marcada

pelo desenvolvimento urbano e considerada a segunda maior cidade do Estado da Bahia. Os dados foram coletados a partir de entrevistas sociolinguísticas do tipo diálogo entre entrevistador e informante (DID) e amostras de conversação espontânea entre informantes (dados complementares de Feira de Santana), com falantes do português culto e popular.

A pesquisa revelou o predomínio do emprego de você (88,03% dos dados levantados) nas amostras de fala estudadas. A autora salienta que as poucas realizações do pronome tu ocorrem quase categoricamente em concordância com a forma verbal da terceira pessoa do singular (tu comprou)18

, padrão predominante no português brasileiro. Nas normas populares investigadas, as formas de tu sugerem uma frequência maior entre o sexo feminino, tanto em Salvador, capital do estado, quanto em Feira de Santana, Semiárido Baiano (cf. Tabela 4).

Tabela 4 – Frequência de uso de você/tu no português popular com relação ao sexo do informante em Feira de Santana e em Salvador

LOCALIDADE SEXO VOCÊ TU

Feira de Santana Homem 152/161 = 94,4% 09/161 = 5,6 % Mulher 125/144 = 86,8% 19/144 = 13,2% Salvador Homem 150/153 = 98% 03/153 = 2% Mulher 171/177 = 96,6% 06/177 = 3,4%

Fonte: Adaptado de Nogueira (2013, p. 103)

Embora o uso do pronome você seja predominante nas duas cidades analisadas, o tu é ligeiramente mais frequente na cidade do interior, Feira de Santana, com percentual de 9,2% contra apenas 2,7% para os dados de Salvador,

Sobre os percentuais encontrados, vale destacar que os estudos sociolinguísticos sobre esse fenômeno devem ser lidos com cautela, haja vista o forte efeito que o monitoramento exerce sobre os usos vernáculos dos falantes. Isso fica evidente nos baixos percentuais de tu encontrados nas gravações sociolinguísticas consentidas em contraste com os percentuais levantados em gravações secretas e menos monitoradas (PAREDES SILVA, 2003; MODESTO, 2006; DIVINO, 2008). Tal fato e a percepção linguística da comunidade de fala conduziram Nogueira (2013) a realizar uma análise complementar da fala feirense, a fim de coletar os usos do tu em situações menos formais. Segundo Nogueira (2013),

18

Segundo a autora, as únicas ocorrências do pronome tu, com concordância verbal, foram registradas em um contexto muito específico do discurso religioso em que o informante profere uma oração, dirigindo-se a Deus “... só tu és o Senhor...”; “Tu disseste na tua palavra...”.

Um dos fatos linguísticos que sempre marcou a comunidade de fala da cidade de Feira de Santana – BA, em uma situação natural de interação, foi a utilização do pronome tu, coocorrendo com os pronomes você, senhor e senhora, concordando com a terceira pessoa do singular. Em cidades circunvizinhas, as pessoas chegam a reconhecer os falantes feirenses pelo uso da forma tu. (NOGUEIRA, 2013, p. 15)

Os dados extraídos de diálogos espontâneos gravados secretamente apresentaram um percentual consideravelmente maior de emprego do tu em Feira de Santana (cf. Tabela 5).

Tabela 5 – Usos de você/ tu em contextos espontâneos em Feira de Santana

VOCÊ TU TOTAL

85/147 = 57,8% 62/147 = 42,2% 147 = 100%

Fonte: Nogueira (2013, p. 106)

Os dados indicam que, ao contrário dos resultados extraídos por meio das entrevistas sociolinguísticas do tipo DID, a recorrência do pronome tu em amostras mais espontâneas tem um percentual significativo em relação às amostras do português da capital do estado, conforme hipótese esboçada por Nogueira (2013, p. 15). Tal traço nos conduz à relevância do efeito do monitoramento linguístico sobre as realizações pronominais dos falantes, haja vista a diferença entre os índices de tu nos dois gêneros discursivos observados para a cidade de Feira de Santana.

A esse respeito, resultado similar foi encontrado por Divino (2008) para análise do português de outra cidade do interior do estado, Santo Antônio de Jesus. Mais uma vez, o contraste foi encontrado entre usos mais e menos monitorados. Os resultados coletados das amostras do tipo diálogo entre documentador e informante revelaram a predominância do pronome você, com 58% dos resultados. No entanto, ao observar resultados coletados por meio de gravações secretas, a autora encontrou um padrão oposto, 77% de uso do tu.

Uma análise preliminar desses dados pode levar à conclusão de que, nos usos vernáculos do interior do estado, a forma tu ainda apresenta uma considerável vitalidade, se comparado à capital e a outras regiões do Estado da Bahia.

Para endossar a hipótese, recorremos ainda aos dados trabalhados por Oliveira (2005, 2007) sobre o uso de tu e você em comunidades do interior da Bahia. Os dados da autora revelam-se reforçadores dessa hipótese. Em comunidades remanescentes de quilombo do interior do estado (Helvécia, Cinzento, Rio de Contas e Sapé), a autora encontrou um

percentual de 12% de ocorrências do pronome tu. Embora com índice menor que as ocorrências do pronome você, a vitalidade do emprego do tu revela-se, quando consideramos o fato de que as entrevistas utilizadas foram conduzidas por um documentador, fator que, conforme já demonstrado, inibe as realizações de tu. Ademais, dentre os fatores que motivaram o emprego o pronome tu, destacam-se o interlocutor membro da comunidade, revelando o caráter mais íntimo e vernacular dessa forma, e fatores sociais como estada fora da comunidade, com falantes que nunca se ausentaram da comunidade por mais de seis meses utilizando mais o pronome.

Dados semelhantes foram encontrados nas variedades do interior do estado, Santo Antônio de Jesus e Poções, para os quais o mesmo percentual de tu foi registrado (12%), como também se atestou a importância de contextos de maior intimidade (com membros da comunidade) para o emprego dessa forma.

Em linhas gerais, os dados apresentados para a Bahia revelam-nos uma diferença entre os usos de tu e você na capital e nas áreas rurais do estado. Esse resultado deve ser levado em consideração na interpretação dos resultados analíticos do imperativo. Ademais, cumpre pôr em relevo a pertinência do monitoramento no emprego das formas pronominais de referência à segunda pessoa e o fato de que a forma pronominal tu acontece, em alternância com o você, com as formas verbais de 3ª pessoa.