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1 A EXPRESSÃO DO MODO IMPERATIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA

1.4 CONCLUSÕES DO CAPÍTULO

Este capítulo traçou uma revisão teórica do modo imperativo fundamentando sua definição e caracterização bem como seu processo de constituição e difusão no português, conforme organização disposta na Figura 7:

Figura 7 – Organização do Capítulo 1

Fonte: Elaborado pela autora

Na seção 1.1, o imperativo, especializado na expressão da modalidade deôntica, foi definido como o modo pelo qual o falante expressa uma atitude diretiva em relação a um interlocutor, intentando impelir-lhe um comportamento verbal ou não verbal (OLIVEIRA, 2003). A busca pela compreensão do fenômeno revelou a caracterização por meio da atuação dos diferentes níveis de análise da língua:

a) morfológico: constituído com uma morfologia não exclusiva, derivada dos

modos indicativo e subjuntivo;

b) semântico: tem seu valor semântico associado a um ato diretivo de fala que

varia quanto ao teor impositivo e ao controle exercido pelo locutor (ordens, exortação, pedidos, súplicas...);

c) sintático: acontece em sentenças absolutas, principais ou coordenadas;

apresenta, em geral, sujeito superficial nulo37; permite, ao contrário das sentenças indicativas, a presença do vocativo;

37 A presença do sujeito é passível de ambiguidade na leitura imperativa.

CAPITULO 1:

O imperativo no português brasileiro

1.1 O que é o modo imperativo? definição e caracterização do fenômeno 1.1.2 O tratamento do modo imperativo nas gramáticas normativas 1.2 O modo imperativo no português falado 1.2.1 Usos do imperativo no latim 1.2.2 Usos do imperativo no português europeu 1.2.3 A variação nos usos do imperativo em português brasileiro 1.2.3. 1 O uso do imperativo no português da Bahia 1.2.4 Usos do imperativo nas línguas crioulas 1.3 Os condicionamentos exercidos sobre os usos imperativos no português brasileiro 1.3.1 Os condicio- namentos sociais 1.3.2 Os condiciona -mentos línguísticos

d) pragmático: intenta exercer um comportamento sobre o ouvinte, de maneira que

a condição da interação entre os locutores, reais ou virtuais, e a relação com o contexto são imprescindíveis;

e) fonológico: possui padrão entoacional descendente.

A fim de compor um quadro amplo da compreensão do fenômeno, observamos de que modo essas descrições alcançaram os níveis mais formais da língua. Assim, procedemos, na subseção 1.1.1, ao confronto da realidade descrita pelo arcabouço dos estudos linguísticos com as considerações do aporte prescritivista. Da análise de gramáticas normativas (CUNHA; CINTRA, 2002; BECHARA, 2002; ROCHA LIMA, 2003; CASTILHO, 2010), emergiu uma conceituação do imperativo ancorada superficialmente no critério semântico/pragmático. Ademais, o padrão apresentado não corresponde aos usos reais da língua portuguesa do Brasil, para o qual se evidencia a ausência da forma negativa de segunda pessoa do singular (não cantes) e a inexistência das formas da segunda pessoa do plural (cantai e não canteis).

Na seção 1.2, foram discutidos os usos do imperativo no português falado, partindo de sua origem na língua latina até o desdobramento no quadro dialetal presente no português contemporâneo. Da revisão, destacamos as seguintes conclusões:

a) usos no latim: existência dos tempos presente e futuro do imperativo no latim clássico, com progressiva simplificação no latim vulgar e perda das formas de futuro na passagem ao português (FARIA, 1958);

b) usos no português europeu: usos das formas imperativas em distribuição complementar. Formas usadas conforme o tipo de interação entre falante e interlocutor, imperativo de 2ª pessoa (derivado do indicativo canta/não cantes) usado com o pronome tu em situações de [- distanciamento] [+ intimidade] e imperativo de 3ª pessoa (cante/não cante) com pronome você em situações [+ distanciamento] [- intimidade] (OLIVEIRA, 2003);

c) usos no português do Brasil: variação entre as formas derivadas do indicativo diretamente negadas (canta/não canta) e as formas derivadas do subjuntivo (cante/não cante). Variação de caráter diatópico que opõe as regiões Nordeste e Sul, Sudeste e Centro-Oeste (SCHERRE, 2007), com indícios de uma oposição entre as realizações rurais e urbanas do estado da Bahia;

d) usos nas línguas crioulas: ausência de variação e emprego de forma base não flexionada, única para todas as pessoas, tanto na forma afirmativa quanto

negativa. O panorama de expressão do imperativo pode ter relação com o efeito do contato interlinguístico ao qual, comumente, associa-se a redução da morfologia flexional verbal.

No recorte da variação no português brasileiro, a Bahia revelou-se, conforme os estudos sobre o tema (SAMPAIO, 2001; SANTOS, 2006, 2007; ALVES, 2008), um cenário de tensões em relação às formas imperativas, com indícios de uma oposição rural–urbano .

A análise já empreendida sobre o português de Salvador, embora trate do português popular (corpus do PEPP), o faz de maneira conjunta com dados de fala culta, o que não nos permite uma compreensão específica dos usos imperativos em normas populares. Isso poderá ser feito a partir da análise detida dos dados de fala popular da cidade. Assim, há necessidade de um aprofundamento da compreensão do português popular de Salvador. Ademais, os dados resenhados também indicaram inadequação de associação do subjuntivo ao estado da Bahia, haja vista a forte presença das formas do indicativo no interior de estado, o que foi reforçado pelas análises das histórias em quadrinhos baianas (ALVES, 2001).

Na busca de uma compreensão da variação, delimitamos ainda o contexto de emprego do imperativo no português da Bahia. Assim, traçamos um panorama do sistema pronominal de referenciação de segunda pessoa, os usos de tu e você. Embora a Bahia seja categorizada na literatura como um estado de emprego do pronome você, o pronome tu mostrou-se ainda presente no território, sobretudo nas gravações secretas, sendo empregado em situações de interação mais íntima.

Na última seção do capítulo recobriram-se os principais condicionamentos do imperativo, conforme os estudos sociolinguísticos. Fatores de natureza social e linguística têm demonstrado relevância no uso das formas variantes do imperativo. Dentre os fatores sociais, destacam-se a faixa etária e a escolarização dos falantes. Indivíduos mais jovens favorecem o emprego das formas do indicativo em regiões de predomínio de subjuntivo (SAMPAIO, 2001; CARDOSO, 2009). Da mesma forma, a maior escolarização mostrou-se favorável ao emprego das formas do indicativo em dados da região Nordeste (SAMPAIO, 2001; JESUS, 2006).

Alguns fatores sociais mostraram-se neutros, ou não apresentaram dados suficientes para a identificação de um padrão de comportamento, tais como a exposição à mídia e o sexo. A exposição à mídia, embora não averiguada diretamente, evidenciou o predomínio das formas do subjuntivo na mídia escrita (SCHERRE, 2005) e na estereotipia de personagens nordestinos em telenovelas brasileiras (JESUS, 2006). O sexo dos falantes por sua vez,

mostrou-se neutro no condicionamento do imperativo (SAMPAIO, 2001; ALVES, 2001). Apenas Cardoso (2009) apresentou indícios da influência das mulheres em um contexto muito particular, sujeitos nativos de Fortaleza que migraram para o Distrito Federal há mais de 10 anos.

Os condicionamentos linguísticos depreendidos dos estudos revelam a influência de fatores ligados ao verbo, morfologia verbal (forma simples ou locução), paradigma flexional de verbo (regular ou irregular); paralelismo fônico e saliência morfofonológica. A importância dos aspectos ligados ao verbo e a heterogeneidade das abordagens empreendidas (complexas ou exclusivas), bem como o conhecimento ainda difuso de algumas variáveis, número de sílabas e verbos específicos, demonstram a necessidade de um tratamento detido sobre o comportamento do item verbal.

Da mesma forma, outros fatores ligados à estruturação da sentença revelaram-se importantes, tais como a polaridade da estrutura (afirmativa ou negativa) (SCHERRE, 2000a; SAMPAIO, 2001; JESUS, 2006; CARDOSO, 2009), o tipo e a posição do pronome, do vocativo e de âncoras discursivas, como o advérbio à direita do verbo. (SCHERRE et al. 2000a).

Outros condicionamentos linguísticos remetem a aspectos do discurso, tais como o paralelismo discursivo (SAMPAIO, 2001; JESUS, 2006; CARDOSO, 2009), o tipo de interação entre os falantes (CARDOSO, 2009), bem como o emprego da forma verbal como marcador discursivo (SAMPAIO, 2001; JESUS, 2006). Para os últimos, de delineamento ainda pouco claro, esperamos contribuir com a proposição de fatores e análise dos dados coletados a partir da nossa amostra.

Considerando o cenário de realização do imperativo, observaremos, com base na análise de dados do interior e da capital do estado da Bahia, como o fenômeno pode ser descrito e sistematizado. Além disso, a partir da comparação de dados de fala mais ou menos marcados etnicamente, discutiremos como esses padrões foram afetados pelas contingências históricas e em que medida eventuais contatos do português com as línguas africanas teriam marcado as realizações imperativas, bem como a oposição rural e urbano.