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1 A EXPRESSÃO DO MODO IMPERATIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA

1.2 O USO DO MODO IMPERATIVO NO PORTUGUÊS FALADO

1.2.2 Usos do imperativo no português europeu

O percurso dessas formas imperativas até o português atual conduziu a um padrão variável de uso do imperativo, seja entre as variantes nacionais (europeia e brasileira), seja na dialetação do português do Brasil.

No tocante à variedade europeia, Oliveira (2003) afirma que existem apenas duas únicas formas verbais exclusivas do imperativo e estas ocorrem em frases afirmativas. A autora aponta o uso suplementar das formas do subjuntivo para expressar o imperativo nos casos em que se emprega o pronome você(s) e destaca que o pronome você(s) não coocorre com as formas imperativas, como em cantai vocês. Essas formas pronominais, embora se

dirijam à segunda pessoa, são empregadas exclusivamente com flexões verbais de terceira pessoa do subjuntivo: cante(m) você(s). Do mesmo modo, as formas de segunda pessoa sempre ocorrem em concordância com sua forma pronominal (tu). Há, portanto, ao contrário do que acontece no português brasileiro, uma correlação estrita entre as formas pronominais e as formas verbais empregadas.

Para o imperativo negativo no português europeu, Oliveira (2003) afirma que são empregadas apenas as formas do subjuntivo, de modo que o emprego das formas próprias do imperativo implica um contraste de gramaticalidade. Assim, são usadas as formas negativas com o subjuntivo para todas as pessoas (Não cantes! Não te vás embora!), enquanto os empregos das formas imperativas diretamente negadas constituem sentenças agramaticais (*Não canta! *Não te vai embora!).

Outros modos e formas verbais empregados com valor imperativo são apontados, tais como:

a) Uso do indicativo: nas formas do presente ou pretérito perfeito como forma de certificar-se de que a ordem proferida pelo locutor será cumprida pelo seu interlocutor: Tu calas-te já! ou Calou!; em frases cujo conteúdo semântico é fronteiriço entre declarativo e imperativo (Tu levas esse livro para a reunião e então acertamos os pormenores, Leva esse livro para reunião e acertaremos os pormenores); no pretérito imperfeito, com valor semântico condicional em atos diretivos ao interlocutor: Dizia-me as horas? Passavas-me o sal, por favor? b) Uso do infinitivo: é empregado exclusivamente na forma não flexionada,

indicando um ato diretivo e, em geral, com sujeito não específico: Virar à direita! Apertar os cintos de segurança! Pode ainda ser empregado em alguns contextos particulares com referência de sujeito específica, como no exemplo a seguir: Meninos, lavar as mãos, imediatamente!

c) Uso do gerúndio: é empregado com valor imperativo como no exemplo: Andando!

O uso do imperativo no português europeu pode ser sintetizado no Quadro 3, a seguir:

Quadro 3 – Usos do imperativo no português europeu

IMPERATIVO AFIRMATIVO IMPERATIVO NEGATIVO

Formas próprias do imperativo (2ª pessoa singular e plural), contexto de menos distanciamento, maior intimidade.

Formas do subjuntivo para todas as pessoas.

Referências à 2ª pessoa do discurso: - Uso das formas do pronome você(s) (contexto de + distanciamento)

- Uso das formas do pronome tu/vós (contexto de - distanciamento)

Formas do subjuntivo com pronome você(s) (3ª pessoa singular e plural), tratamento formal, + distanciamento.

Outras formas e modos verbais empregados com valor imperativo (indicativo, infinitivo e gerúndio).

Fonte: Elaborado pela autora com base nos dados apresentados por Oliveira (2003)

Scherre et al. (2007), com base nas considerações de Rivero (1994) e Rivero e Terzi (1995) e nas descrições de Cunha e Cintra (2002) e Brito, Duarte e Matos (2003, p. 449-460), caracterizam o português europeu como uma língua de imperativo verdadeiro de classe 111. Ou seja, o português europeu possui formas morfológicas próprias do imperativo com um paradigma e sintaxe próprias, pois não permite a negação direta das formas do imperativo verdadeiro. Quanto à posição dos clíticos, a autora destaca:

No que diz respeito à ordem do clítico em relação ao verbo, este sempre aparece em segunda posição (Deixa-me descansar!), embora esta não seja uma sintaxe específica do modo imperativo. No português europeu, o clítico não pode ocupar a posição inicial absoluta, independentemente de estar ou não em uma estrutura imperativa [...]. (SCHERRE et al., 2007, p. 203).

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De acordo com Rivero (1994) e Rivero e Terzi (1995), levando em consideração os aspectos sintáticos, as línguas se distinguem em dois grupos quanto ao uso do imperativo: línguas, como o francês, que não possuem formas próprias para uso do imperativo e por isso usam exclusivamente formas supletivas de outros modos verbais – imperativo não verdadeiro; e línguas que possuem formas próprias para o uso do imperativo – imperativo verdadeiro –, tais como o castelhano e o espanhol. Neste grupo, diferenciam-se duas classes:

i) Classe 1: línguas, como castelhano e o grego moderno, que apresentam, além da morfologia, uma sintaxe própria do imperativo, a saber, impossibilidade de negação e posição diferenciada do clítico em contraste com outros modos verbais.

ii) Classe 2: línguas como o servo-croata, búlgaro e grego antigo, nas quais, embora tenha-se uma morfologia específica, não há uma sintaxe distinta dos demais modos verbais.

Considerando os usos reais da Língua, Sampaio (2001) produz uma breve análise do português europeu a partir de dados do corpus Português fundamental12. Em sua análise, foram encontradas 71 ocorrências de imperativo em 31 inquéritos analisados. Estas ocorrências encontram-se distribuídas segundo a Figura 1:

Figura 1 – Distribuição das ocorrências do imperativo na amostra de fala do Português fundamental (PF)

Fonte: Adaptado de Sampaio (2001)

As ocorrências tipificadas na Figura 1 seguem exemplificadas com dados coletados pela pesquisa de Sampaio (2001).

a) “Com frequência encontramos, digamos, na conversação normal, determinados elementos que não, não são muito...” (PF 0457) – (SAMPAIO, 2001, p. 210)13

; b) “Então andai, já que não quereis lanchar, ide. não vos empato mais” (PF 1016) –

(SAMPAIO, 2001, p. 208);

c) “Eles não sabem o que nos hão-de-chamar. depois é por tu: ó, ó pá, anda cá, limpa-me aqui o, os sapatos” (PF 0328) – (SAMPAIO, 2001, p. 208);

d) “E eu digo assim: ‘olhe, o senhor então quanto mais fala, leva farinheira” (PF 0328) – (SAMPAIO, 2001, p. 208).

Para a autora, a aparente diversidade no emprego das formas não é relevante, tendo em vista o rigor do emprego das formas verbais de 2ª pessoa com pronomes de 2ª pessoa e de 3ª

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O corpus do Português fundamental/Portugal foi constituído entre 1970 e 1974 e é formado por amostras de fala de indivíduos adultos das localidades de Coimbra, Lisboa, Porto e outros distritos portugueses. Os falantes são naturais das localidades ou moram há mais de dez anos no local e estão classificados em seis níveis de escolaridade. Os dados, registrados em fitas magnéticas e em registro escrito (transcrições), são apresentados em dois volumes: “Português fundamental: Vocabulário e Gramática” e “Português fundamental: métodos e documentos”.

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Cabe destacar que o exemplo destacado por Sampaio (2001) em a), digamos, não é equivalente às demais ocorrências imperativas apresentadas.

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ocorrências de imperativo a) 1ª pessoa do plural nós 5 ocorrências b) 2ª pessoa do plural vós 4 ocorrências c) 2ª pessoa do singular tu 24 ocorrências

d) 3ª pessoa singular você

com seus respectivos pronomes canônicos, em função do emprego criterioso dos pronomes conforme o nível de intimidade com o falante e o nível de distanciamento da situação comunicativa. Esse último aspecto é designado por Scherre et al. (2007) como traço de [±distanciamento].

Os dados empíricos apresentados por Sampaio reforçam as assunções teóricas apresentadas e evidenciam o fato de não haver, no português europeu, a variação no tocante ao uso do imperativo, aspecto, por sua vez, marcante na realidade brasileira.