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1 A EXPRESSÃO DO MODO IMPERATIVO NA LÍNGUA PORTUGUESA

1.3 OS CONDICIONAMENTOS EXERCIDOS SOBRE OS USOS DO IMPERATIVO

1.3.2 Os condicionamentos linguísticos da variação do imperativo

1.3.2.1 Condicionamentos ligados ao verbo

Diversos aspectos ligados ao verbo têm sido destacados em estudos variacionistas sobre o imperativo. Em geral, as análises costumam apresentar dois tipos de tratamento do item verbal, uma abordagem complexa, que contempla diversos traços de caracterização verbal numa mesma variável explanatória, e uma abordagem exclusivista, detendo-se sobre determinado traço particular do verbo por variável explanatória. Em algumas circunstâncias, essas duas abordagens aparecem na mesma análise.

Da abordagem complexa, emergem algumas considerações importantes. De acordo com Scherre et al. (2000a), nos verbos regulares de primeira conjugação, parece haver uma relação estreita com o paralelismo fônico, pois, enquanto os verbos cuja vogal precedente ao morfema modo-temporal [+aberta] (fala/fale; espera/espere) favorecem o uso do indicativo, os verbos com vogal [-aberta] (canta/cante; tenta/tente) desfavorecem-no. Os verbos irregulares, por sua vez, também apresentam comportamento heterogêneo que aponta relação com os níveis de saliência morfofonológica entre as formas indicativa e subjuntiva (oposição mais ou menos marcada). O mesmo comportamento difuso ocorre para as formas de 2ª e 3ª conjugação.

Jesus (2006), com base na análise combinada de traços verbais apresentados em Scherre et al. (2000a) e Scherre et al. (2007), assevera a complexidade da análise do paradigma verbal.

Como mostram as pesquisas, vários aspectos estão imbricados nesta variável de forma que, na análise, é preciso levar em conta o paradigma regular/irregular, a natureza da vogal precedente, as relações internas entre as formas associadas ao indicativo e ao subjuntivo, maior ou menor saliência fônica, paradigma mais ou menos marcado, o número de sílabas. Além disso, há verbos que se comportam diferentemente dos demais, de maneira que, na análise, eles precisam ser individualizados. (JESUS, 2006, p. 102).

Assumindo a heterogeneidade do comportamento verbal para a sua análise sobre o português falado de Recife, o autor condensa os aspectos sinalizados na citação acima na variável designada tipo de verbo, cujos resultados seguem na Tabela 6.

Tabela 6 – Efeito da variável tipo de verbo no uso do imperativo associado ao indicativo na fala de Recife

Fonte: Jesus (2006, p. 107)

O grupo de fatores não permite indicar um princípio geral sobre o comportamento dos verbos, pois, diferentemente do que postula a análise variacionista, os fatores propostos não perecem atender ao princípio da ortogonalidade34.

Tal situação é reconhecida por Scherre (2004), para quem “essa variável revela resultados importantes, mas ainda não atende os requisitos de uma análise variacionista ideal, que busca critérios únicos na codificação das variáveis e procura minimizar os parâmetros da variação.” (SCHERRE, 2004, p. 244).

Ao lado da abordagem verbal conjugada, discutida acima, alguns estudos se debruçam, sobre aspectos verbais de modo exclusivo, separando em fatores em grupos diferentes, ora centrados na morfologia, na estruturação fonológica ou ainda na quantidade de sílabas.

Sampaio (2001), em análise sobre a relevância do tipo de construção verbal (forma simples ou locucional) e, sob o rótulo morfologia verbal, registrou o favorecimento de

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De acordo com Guy e Zilles (2007), para uma análise eficiente da variação linguística, os grupos de fatores propostos para a depreensão dos possíveis fatores condicionadores devem atender ao princípio da ortogonalidade. “Os grupos de fatores devem ser “ortogonais” ou quase “ortogonais”. Isto é, eles devem coocorrer livremente, e não ser sub- ou supercategorias uns dos outros.” (GUY, ZILLES, 2007, p. 52).

Fatores Frequência da forma

indicativa

Peso relativo dos fatores

Olhar 38/87 44% 0,42

Deixar 56/61 92% 0,91

Verbos regulares de 1ª conj. com

vogal precedente mais aberta 28/61 46% 0,43

Verbos regulares de 1ª conj. com

vogal precedente menos aberta 23/41 51% 0,49

Verbos irregulares e especiais e de paradigma regular de 2ª conjugação e 3ª conjugação 10/15 67% 0,67 Dar 12/15 80% 0,84 Ir 11/29 38% 0,36 Ter/vir/cair/sair 8/13 62% 0,57 Fazer/ver 12/43 28% 0,25 Dizer 3/27 11% 0,08 Total 201/396 51%

emprego do indicativo por construções perifrásticas (peso relativo .85) nos dados de fala espontânea de Salvador (NURC e PEPP). A autora recorre à composição das formas perifrásticas ilustradas na Figura 6 para justificar o dado.

Figura 6 – Estruturação das locuções verbais

Fonte: Elaborado pela autora com base em Sampaio (2001)

Para Sampaio (2001), o fato de a forma auxiliar flexionada não carregar o conteúdo semântico induz o emprego da forma indicativa não padrão e menos marcada. O dado apresentado parece revelar um encaixamento no sentido de o emprego do indicativo ser favorecido nas perífrases verbais na fala de Salvador.

Ainda se mantendo na investigação do componente verbal, a autora designa a variável paradigma flexional do verbo, regular ou irregular, como um grupo exclusivo de fatores. Os verbos irregulares foram destacados pele seleção estatística como desfavorecedores das formas indicativas. Há que se pontuar, tendo em conta a complexidade apontada por Scherre et al. (2000a) e Jesus (2006), que a distinção proposta por Sampaio (2001) a respeito da regularidade da morfologia verbal, embora selecionada pelo pacote de programas, não abarca a diversidade de aspectos que compõem e diferenciam os verbos regulares e irregulares. Em face à carência de uma explicação própria do grupo de fatores, Sampaio (2001) atribui o comportamento dos verbos irregulares ao efeito desencadeado pela alta diferenciação morfofonológica entre as formas imperativas irregulares, ou seja, alta saliência. Dada a importância do fator e sua abordagem em outros trabalhos, tratamos detidamente desse grupo a seguir.

Tradicionalmente, a saliência tem sido uma variável associada ao estudo das concordâncias verbal e nominal. Segundo se postula, itens mais salientes, ou seja, com maior distinção morfofonológica entre as formas do singular e plural, tendem a favorecer a aplicação das marcas de concordância (SCHERRE, 1998). Assim, regida sob os mesmos princípios adotados para o estudo da concordância, observa-se em que medida diferenças

Forma flexional

significado gramatical

ex.: Menina, vai

Forma nominal

carga semântica

maiores tendem a favorecer o emprego de determinadas formas imperativas. No que se refere ao estudo do imperativo, a saliência tem sido analisada como um aspecto componente da caracterização verbal. Nesse sentido, Jesus (2006) afirma que

[...] somados ao número de sílabas, maior ou menor saliência fônica formas mais ou menos marcadas, existem processos discursivos condicionando o emprego dos verbos ora associados ao indicativo, ora associado ao subjuntivo no uso do imperativo. (JESUS, 2006, p. 115, grifo nosso).

Scherre (2004), ao propor uma análise dos paradigmas verbais, destaca uma diferenciação entre formas irregulares mais marcadas (faz/faça) e menos marcadas (vai/ vá). Para a autora, os verbos irregulares não compõem uma classe homogênea no que diz respeito ao condicionamento das formas do imperativo, havendo uma variação do tipo:

[...] menor marcação interna implica tendência de uso do imperativo menos marcado – a variante de tendência mais geral, que é a forma associada ao indicativo; maior marcação interna implica tendência de uso da variante imperativa mais marcada – a variante de tendência menos geral, que é a forma associada ao subjuntivo. (SCHERRE, 2004, p. 17).

Vale destacar que a sistematização apontada remete ao uso do imperativo nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, áreas de predomínio das formas do indicativo. Resta-nos saber se as divergências em relação à saliência morfofonológica dos verbos está relacionada a uma tendência geral de emprego do indicativo em formas menos marcadas, ou relaciona-se ao emprego da forma de uso mais geral na comunidade observada. Nesse caso, as formas mais salientes tenderiam a favorecer o emprego do indicativo (canta) em regiões em que essa é a variante mais marcada, menos frequente, como os estados do Nordeste.

Ainda na tentativa de esboçar um parâmetro de análise que dê conta minimamente da complexidade dos padrões morfológicos verbais, é proposto o paralelismo fônico (SCHERRE et al. 1998; SCHERRE et al. 2000a). Destacado na tendência de número 5 do Quadro 7, tal variável considera a relevância do paradigma flexional das diferentes conjugações verbais. Assim, distinguem-se verbos de primeira conjugação em função do caráter mais /fala/-/fale/ ou menos aberto /cãta/~/cãte/ da vogal precedente ao morfema modo-temporal. Segundo Scherre et al. (2000a), há uma tendência ao paralelismo em dois sentidos:

[...] entre o traço [+aberto] da vogal imediatamente precedente e o imperativo na forma indicativa, cuja vogal temática nos verbos da primeira conjugação é igualmente [+aberta]; e entre o traço [-aberto] da vogal

imediatamente precedente e o imperativo na forma subjuntiva, que, nos verbos regulares da primeira conjugação, se realiza por meio de uma vogal [- aberta]. (SCHERRE et al., 2000a, p. 9).

A relação proposta é assumida como um dos desdobramentos do paralelismo linguístico, que atinge também os níveis sintático, discursivo e morfológico. Para os verbos da segunda e terceira conjugação, considera-se que as diferenças em relação à morfologia flexional – vende ~venda/ sai ~saia – em oposição às terminações da 1ª conjugação – canta ~ cante (você) – podem influenciar no emprego das variantes.

Cabe ainda pontuar a relevância do número de sílabas da forma finita do item verbal (SCHERRE et al. 1998; SCHERRE et al. 2002; SCHERRE, 2004). De acordo com Scherre (2004), verbos cujo número de sílabas seja menor tendem a favorecer o uso da forma associada ao indicativo. Embora tratado de modo indireto em outras análises (JESUS, 2006; CARDOSO, 2009), a variável ainda carrega pouca clareza acerca de sua significância linguística a ponto de não permitir a interpretação e explicação clara da tendência de atuação.

Por fim, destaca-se, conforme presente nos dados de Jesus (2006), apresentados aqui na Tabela 6, o comportamento de alguns verbos específicos no condicionamento do imperativo, tais como deixar e olhar. A alta frequência da variante indicativa, mesmo em áreas de subjuntivo como Salvador (SAMPAIO, 2001), leva Scherre (2004) a sugerir a liderança desses verbos no condicionamento do indicativo com base em desdobramentos do efeito discursivo desses verbos. Os dados apontados por Jesus (2006) não apresentam a consistência necessária para assumir esse tratamento como uma tendência a ser generalizada, mas ressaltam a necessidade de observação de componentes lexicais específicos.