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2. VALOR E CONCEITOS DE SOLIDARIEDADE, AMIZADE, DIREITO E JUSTIÇA

2.5. A TEORIA MODERNA DE JUSTIÇA

2.5.2. Os defensores do Contrato Social

2.5.2.1. Absolutismo de Hobbes

Tomas Hobbes foi contemporâneo de Grócio e de Puffendorf, natural da Inglaterra (1588-1679). Escreveu “De Cive” (1642) e “Leviathan” (1651).

Fruto de uma época turbulenta da história inglesa, agitada por inúmeros confrontos, segundo noticiam os compêndios de História da Filosofia do Direito, Hobbes foi uma pessoa que teve traçada nas linhas caracterizadoras da sua

112 PUFFENDORF, Samuel apud DUFOUR, Droits de l’homme, droit naturel et histoire, 1991, p.105. 113 DEL VECCHIO, Lições de Filosofia do Direito, p. 86.

personalidade as conseqüências espirituais do tempo anormal, de lutas, em que viveu e que muito o influenciou na formação de sua mentalidade.

Hobbes constrói a sua filosofia jurídica e política sobre diferente base. Parte do oposto de que partiram Grócio e Puffendorf. Diz ele que o homem não é sociável por natureza. É naturalmente egoísta, só procurando o seu bem, é insensível ao bem alheio. E caso fosse o homem governado em atenção, apenas, aos seus naturais pendores ou apetites, seria inevitável uma guerra permanente entre todos, pois cada qual teria em vista obter só vantagens para si em detrimento dos restantes. Nesse estado de natureza, o direito individual não tem limites e há um direito de todos em tudo.

Para Hobbes, a natureza impôs aos homens, tomados isoladamente, um estado de natureza em que a agressividade seria a tônica: homo homini lupus (o homem é lobo do próprio homem), quando em liberdade absoluta, sendo natural, portanto, a existência de um poder férreo que minimize esta tendência deletéria.

Segundo Hobbes, o abandono de tal estado de natureza, tão odioso pelos perigos de um clima de guerra perene, só é possível mercê de um contrato, cujo conteúdo seja a renúncia de cada homem à sua ilimitada liberdade (do estado de natureza), de maneira absoluta, incondicional, voluntária, nas mãos de um soberano que imponha a lei e decrete o justo e o injusto, o lícito e o ilícito (o Estado).

O Estado, para Hobbes, é, pois, de criação artificial e de um poder ilimitado sobre os indivíduos, sem o que seria impossível impedir a guerra e a paz ser mantida. Nesse estado natural de “guerra” de todos contra todos, não existe a noção de justiça ou de injustiça, mas apenas a noção de força. O Direito e o poder se confundem.

Segundo Hobbes, o Direito deixa de ser “regra e medida das ações

humanas” (conceito tradicionalista) para representar o sinônimo de liberdade.

No dizer de Hobbes:

É a liberdade que tem cada um de usar como quiser seu poder próprio, para preservação de sua natureza (...) em conseqüência de fazer tudo o

que ele considera, segundo seu julgamento e sua razão própria, como o melhor meio adequado para esse fim.114

O Direito, para Hobbes, deixa de ser o fruto da natureza racional do homem para se constituir, ao contrário, na decorrência de sua natureza passional. O direito natural – para Hobbes – é a paixão; o direito civil, a razão.

Segundo Hobbes, se os seres humanos não fossem realmente governados, sua condição seria a do medo e da selvageria. No seu dizer: “a vida

do homem é solitária, pobre, perigosa, embrutecida e breve.”115

Para o filósofo, em si mesmo, esse fato é suficiente para que cada indivíduo compreenda que o único meio de escapar dos perigos do estado de natureza é agir de acordo com certas máximas racionais que Hobbes chama de “leis da natureza”.

O direito de natureza, isto é, a liberdade natural do homem, pode ser restringida e limitada pela lei civil, pois o fim com que se fazem as leis não é senão tal restrição. 116

(...) um preceito, uma regra geral estabelecida pela razão, em virtude do qual uma pessoa é proibida de fazer aquilo que pode destruir sua própria vida ou não assegurar os meios de preservá-la; e omitir aqueles mediante os quais ela poderá ser bem preservada.117

Em última análise, Hobbes defende um poder soberano que defenda a coletividade e que puna aqueles que violarem a lei. Este poder soberano seria transferido pelos homens através de um contrato. Mediante a elaboração e aplicação das leis, o poder soberano assim criado estabelecerá e manterá o tipo de ordem pública, com seu sistema de segurança, que não poderia ser usufruído no estado de natureza.

Em princípio, o poder soberano poderá ser exercido em qualquer forma de governo, embora Hobbes seja um defensor da monarquia.

114 HOBBES, Thomas. Léviathan. Traité de la Matière, de la Forme et du Pouvoir de la Republique

Ecclésiastique et Civile. Paris: Sirey, 1971, p. 128.

115Ibidem. Leviatan, 1:13.

116 HOBBES, Thomas – Leviathan – G. Ronttedge & Sons, p. 180. 117Ibidem. Leviatan, 1:14.

Por fim, mister ressaltar que na visão do filósofo o soberano é criado pelo contrato, mas não faz parte dele. Todavia, o soberano não pode ser descartado se houver ruptura do contrato. Se fosse, seu poder não seria soberano.

Contudo, seu poder é condicional. É continuamente condicionado por sua vontade e sua eficácia em relação à defesa e proteção de seus súditos. Se o soberano falhar e o súdito ver sua vida ameaçada pelo soberano, está autorizado a escapar e resistir, se puder fazê-lo. Afinal, foi para terem suas vidas sob proteção que os homens submeteram-se ao governo.

Hobbes defende em sua obra – Leviatan - que a lei é a justiça, e o monarca é expressão do justo. Segundo o autor, o Direito e o justo surgem depois do contrato, quando as forças se autolimitam e se disciplinam. 118

A idéia de que a segurança, interna e externa, constitui uma necessidade vital para o indivíduo está presente em toda a obra do Leviatan. Para o filósofo, a segurança social e a paz são valores supremos, razão pela qual o Estado é instituído.119

Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concorda e pactua, cada um com cada um, que a qualquer homem, ou assembléia de homens, a quem seja atribuído pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (isto é, de ser seu representante), todos, tanto aquele que votou a favor como aquele que votou contra, autorizarão todos os atos e decisões desse homem, ou assembléia de homens, como se fossem seus próprios atos e decisões, a fim de viverem em paz entre si e de serem protegidos dos outros homens...120

Em suma, reduzida às linhas essenciais, esta é a doutrina hobbesiana de governo e justiça. Apesar de ser defensor do absolutismo, Hobbes permaneceu na história como um influente teórico político inglês.

118 Cf. REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 648.

119 Cf. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo:

Companhia das Letras, 2006, p. 200.

120 HOBBES, Thomas, Leviathan, Capítulo XVIII – Dos direitos dos soberanos por instituição. in MORIS,

Clarence. Os grandes filósofos do direito: leituras escolhidas em direito. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 116.