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O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NA CONSTITUIÇÃO VIGENTE

6. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

6.2. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NA CONSTITUIÇÃO VIGENTE

Entre os objetivos fundamentais preconizados pela Constituição da República Federativa do Brasil, previstos no seu artigo 3º, está o de “construir

uma sociedade livre, justa e solidária”. Como se pode notar, o valor solidariedade

deixa o campo da ética para ostentar a qualidade de norma constitucional, ou melhor, princípio fundamental do direito pátrio.

É irrefutável que o dispositivo acima expressa um comando para toda a nação brasileira, qual seja, pautar todas as ações atentando para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Observa José Afonso da Silva que:

(...) é a primeira vez que uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana.289 [grifos nossos]

O ilustre constitucionalista, ao analisar os princípios fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), afirma que o princípio da solidariedade está entre os princípios relativos à organização da sociedade. 290

No dizer de Cleber Demétrio Oliveira da Silva291,

(...) exsurge de forma cristalina, pela simples interpretação literal, que a solidariedade compõe um dos objetivos fundamentais de nossa República. [...] todas as ações a serem desenvolvidas pelo Estado, e pelos particulares numa certa medida, se admitirmos a constitucionalização do direito privado como uma realidade entre nós, deverão atender diretamente ou estar relacionadas, de alguma maneira, aos ditos objetivos fundamentais, destacando-se que a fundamentalidade de algo, no caso da norma, outra coisa não é do que a designação de seu caráter essencial.

O autor gaúcho observa que o dispositivo constitucional possui “elevado

grau de abstração”, ou seja, atinge indistintamente todos que se encontram

submetidos à ordem jurídica estabelecida pela Constituição Federal de 1988. Em suas palavras, a norma em comento estabelece um ideal de sociedade a ser alcançado pelo povo brasileiro.

Por sua vez, Jeanne da Silva Machado292 assevera que:

289 AFONSO DA SILVA, José. op.cit., p. 109-110. 290Id. Ibidem, p. 98 e 99.

291 OLIVEIRA DA SILVA, Cleber Demetrio. O princípio da solidariedade. [s.n.] [200-], p.27.

292 SILVA MACHADO, Jeanne da Silva. A solidariedade na responsabilidade ambiental. Rio de Janeiro:

(...) tal enunciação, longe de ser taxativa, representa um balizamento condutor da sociedade e dos seus representantes para o presente e para o futuro, pois construir significa dar estrutura, formar, conceber, enfim, aperfeiçoar um eterno fazer com que a liberdade, a justiça e a solidariedade prevaleçam.

Segundo Miguel Reale, a República Federativa do Brasil, a qual visa construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), constitui-se em Estado Democrático de Direito. Para o ilustre jurista, “o adjetivo ‘Democrático’ pode

também indicar o propósito de passar-se de um Estado de Direito, meramente formal, a um Estado de Direito e de Justiça Social... esse é a meu ver o espírito da Constituição de 1988”. 293

Douglas Yamashita294 defende que o princípio de Estado de Direito da

Constituição de 1988 não seja interpretado como Estado de Direito meramente formal, e sim como princípio de Estado de Direito Material, a explicitar em si o

“princípio do Estado Social, verdadeira norma de Direito Constitucional em prol da solidariedade.”

Embora alguns doutrinadores defendam que o princípio da solidariedade se concretiza precipuamente nos direitos sociais constantes dos artigos 6º e 7º, nestes não se esgota, iluminando a Constituição Federal de 1988 como um todo. Exemplo disso é a própria função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF/88). Igualmente, encontramos a influência do princípio da solidariedade no capítulo que trata da família, criança, adolescente e idoso.

Todavia, não basta dizer que o princípio está positivamente estabelecido na Constituição Federal. É preciso que, como todas as prescrições jurídicas, tenha vida como direito material, que tal princípio esteja verdadeiramente presente em nível infraconstitucional e que seja observado não só na atuação do poder público como na ação do homem comum.295

293 REALE, Miguel. O Estado Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 2. 294 YAMASHITA, Douglas. Princípio da Solidariedade em Direito Tributário. In GRECO, Marco Aurélio,

SEABRA DE GODOI, Marciano . Solidariedade Social e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 55.

295“A efetividade do princípio da solidariedade social prevista no artigo 3º da Constituição Federal Brasileira, ou

seja, a sua aplicação no caso concreto, dependerá não só da sua observância na atuação do poder público como da ação do homem comum no cumprimento e na vigilância refletida na participação efetiva do controle de tal princípio.” (BARROSO, Luiz Roberto. “A proteção do meio ambiente na Constituição Brasileira. in Cadernos de direito constitucional e ciência política. Ano 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 120)

Como lembra Jeanne da Silva Machado296,

(...) o princípio fundamental da solidariedade impõe uma política de solidariedade social, a ser exercida por meio de políticas públicas, orientadoras, segundo esse princípio básico e estruturante da solidariedade social, não só de toda a atividade legislativa, administrativa e judiciária, como também das atividades sociais privadas que a essas políticas devem se submeter, permitindo a imposição desse princípio constitucional, em qualquer caso em que se verifique a sua negação evidenciadas em atos comissivos ou omissivos.

Igualmente se manifesta Maria Celina Bodin Moraes297 sobre a efetividade

do princípio da solidariedade social: “A solidariedade social, na juridicizada sociedade contemporânea, já não pode ser considerada como resultante de ações eventuais, éticas ou caridosas, pois se tornou um princípio geral do ordenamento jurídico, dotado de força normativa capaz de tutelar o respeito devido a cada um”.

Oportuno se torna dizer que o princípio da solidariedade, uma vez expresso na Constituição Federal, é considerado cláusula geral, ou seja, perde a concepção de simples recurso de hermenêutica. 298

Na lição do professor Rogério Ferraz Donnini, os princípios da solidariedade e da igualdade decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, pois são verdadeiros instrumentos de efetiva proteção desse princípio. Segundo o autor:

A solidariedade, por sua vez, prevista na Constituição Federal no art. 3º, I (art. 2º da Constituição da República italiana), um dos objetivos fundamentais estampados no texto constitucional, está vinculada às cláusulas gerais, uma vez que estas buscam o comportamento solidário entre as partes, isto é, uma atitude compatível com a concepção social.299

296 MACHADO, Jeanne da Silva. A solidariedade social na responsabilidade ambiental. Rio de Janeiro:

Editora Lumen Júris, 2006, p.116.

297 MORAES, Maria Celina Bodin. Danos à Pessoa Humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 116. 298 Vide Capítulo 4.