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A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

7. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NO DIREITO DE FAMÍLIA

7.3. A FAMÍLIA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, é precedida de um preâmbulo que, apesar de não fazer parte do

343 WILLEKENS, Harry, Long Term Developments in Family Law in Western Europe: na Explanation, in

The Changing Family, 1999, org. Eekellar and Nhlappo, Hart Publishing, UK, p. 58, apud GLANZ, Semy. op.cit., p. 187/189.

texto constitucional propriamente dito, possui relevância jurídica, na medida em que deve ser observado como elemento de interpretação e integração dos diversos artigos que lhe seguem.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

A Constituição Federal destaca como objetivo principal, entre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º).

Nessa linha de raciocínio, o legislador constituinte deu atenção especial aos direitos e garantias fundamentais e disciplinou, tendo por base esses mesmos direitos, sobre a família, a criança, o adolescente e o idoso, em seus artigos 226 a 230.

A Lei Maior de 1988 reconhece que a família é a base da sociedade344 e enumera três tipos de famílias que merecem proteção jurídica e do Estado. São as famílias advindas do casamento, da união estável e das relações de um dos pais com seu filho, ou seja, a família monoparental.

Nesse aspecto, segundo Genofre, a Constituição Federal de 1988 representou um marco na evolução do conceito de família, ao corporificar o conceito de Lêvy-Brut, de que o traço dominante na evolução da família é a sua tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua. 345

Como visto anteriormente, na lição de Pietro Perlingieri, a família, como formação social, é garantida pela Constituição por ser o local ou instituição onde se forma a pessoa humana.

344 Segundo Silvana Maria Carbonera, o seio familiar apresenta-se como “o local próprio para o

desenvolvimento pessoal em todos os sentidos”. (CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. in FACHIN, Luiz Edson (coordenador). Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 277).

345 GENOFRE, R.M. Família: uma leitura jurídica. A família contemporânea em debate. São Paulo:

A família é valor constitucionalmente garantido nos limites de sua conformação e de não contraditoriedade aos valores que caracterizam as relações civis, especialmente a dignidade humana; ainda que diversas possam ser as suas modalidades de organização, ela é finalizada à educação e à promoção daqueles que a ela pertencem. O merecimento de tutela da família não diz respeito exclusivamente às relações de sangue, mas, sobretudo, àquelas afetivas, que se traduzem em comunhão espiritual e de vida. 346

Na lição de Luiz Edson Fachin347:

O ente familiar não é mais uma única definição. A família se torna plural. Da superação do antigo modelo da grande família, na qual avultava o caráter patriarcal e hierarquizado da família, uma unidade centrada no casamento, nasce a família constitucional, com a progressiva eliminação da hierarquia, emergindo uma restrita liberdade de escolha; o casamento fica dissociado da legitimidade dos filhos.

Sob as relações de afeto, de solidariedade e de cooperação, proclama- se, com mais assento, a concepção eudemonista da família: não é mais o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração à felicidade.

Segundo Silvia Maria Carbonera, essa nova concepção da família é resultado do fenômeno da constitucionalização do ordenamento jurídico. “Tais

modificações foram sentidas plenamente na esfera jurídica com a constitucionalização de um modelo de família eudemonista e igualitário, com

maior espaço para o afeto e a realização individual.”348

A nova conformação sociológica da família estudada neste item será objeto de novas considerações quando se pleitear um regramento jurídico satisfatório para ela.

Nesse momento, basta dizer que a família moderna perdeu seu caráter econômico, religioso, autárquico. A família hoje respeita o importante conceito da

346 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito civil. Tradução de Maria Cristina De Cico. 2 ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2002, p. 243.

347FACHIN, Luiz Edson. Direito Além do Novo Código Civil: Novas Situações Sociais, Filiação e Família. in Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDEFAM, v. 1, n.1, abr./jun., 1999. 348 CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. in FACHIN, Luiz

Edson (coordenador). Repensando fundamentos do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p.309.

repersonalização do direito: é uma família menos hierarquizada, mais democrática, instrumental, funcional e eudaimonista. 349

Indubitavelmente, o ponto de partida para o estudo do Direito de Família é a Constituição Federal de 1988 e os princípios nela inseridos. Segundo alguns juristas, é o Direito de Família o mais humano dos Direitos Humanos. 350

O primeiro princípio a ser lembrado quando se estuda o direito constitucional de família é o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana.

Tércio Sampaio Ferraz Junior351 sustenta:

A Constituição de 1988 tem uma exponencial preocupação em traçar o espaço da cidadania em termos de supremacia do valor síntese da dignidade humana. A forte insistência, não só na fraternidade, mas na proibição de discriminações de qualquer natureza, mostra que a dignidade humana é conjugação de liberdade com um princípio de

349 Observe-se que a literatura tem empregado a palavra de forma discretamente inadequada, como sinônimo

de felicidade. Aristóteles pretendeu significar a palavra eudaimonia como virtude e bem-estar, o que para ele era próximo, mas não exatamente igual, à felicidade.

350“O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo

sentido ideológico e histórico de exclusões, como preleciona Rodrigo da Cunha, ‘é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cuja base e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania.’ A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, acrescenta o mencionado autor, que ainda enfatiza: ‘Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições democráticas’.” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. VI – Direito de Família. São Paulo, Saraiva, 2005, p. 9)

“Por isso é que os direitos humanos devem ser definidos teoricamente pelo que tendem a ser praticamente: poderes-deveres de todos os sujeitos em relação a todos os sujeitos sobre todos os objetos, mas na proporção razoável para edificar e preservar a humanidade. É a expansão maior a que propendem os direitos humanos: a difusão. Dessa maneira se vem inovando – passando do absolutamente individual para sempre mais relativamente social – a função em que os direitos subjetivos são considerados no direito objetivo. Justamente para não serem negados, mas afirmados concretamente, não só a propriedade, mas todos os objetos do direito – até mesmo a liberdade – vêm sendo cada vez mais postos em função social, moderadora de sua função individual. Essa inovação social dos direitos começou na relação de trabalho. Mas se veio como se vai difundindo por outras e outras relações sociais. Hoje, com uma força redobrada pela atual Constituição e pelo novo Código Civil, alcança as relações de família. Também no Direito de Família se verifica o desdobrar contínuo e conseqüente dos direitos em principais e operacionais em processo de difusão. Cada qual, a seu modo, como princípios ou como meios, os direitos familiais são fundamentais para a eficácia dos direitos humanos. Mas isso leva a perguntar: qual é no Direito de Família o direito humano fundamental de todos os outros direitos familiais? A resposta é: o próprio direito de família. Ao se falar de direitos humanos, logo vem à mente o direito à vida. Mas não se pode pensar na vida humana sem pensar na família.” (RESENDE DE BARROS, Sérgio. Direitos humanos da família: principais e operacionais. Texto básico da palestra proferida em 3 de dezembro de 2003, no II Encontro de Direito de Família do IBDFAM/AM, realizado em Manaus, sob patrocínio da seccional do Amazonas do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família. Igualmente, da palestra ministrada no Curso de Direito de Família promovido pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, em 25 de novembro de 2003).

351 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, Legitimidade na Constituição de 1988. Constituição de 1988:

sociabilidade. Afirma-se a capacidade humana de reger o próprio destino, expressando sua singularidade individual. Ao mesmo tempo nega-se o isolamento, pois afirma-se também o enraizamento social do homem, posto que sua dignidade repousa na pluralidade e no seu agir conjunto (Arendt, 1981:191): o homem como um ser distinto e singular entre iguais, base de cidadania.

Conclui-se que esse princípio previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, demonstra, pois, uma nova ótica também do Direito de Família. Com efeito, as Constituições anteriores, bem como o Código Civil de 1916, só reconheciam como família tão-somente aquela decorrente do casamento. Já a Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 colocam a família sob o enfoque da tutela individualizada de seus membros, ou seja, a visão constitucional antropocêntrica coloca o homem como centro da tutela estatal, valorizando o indivíduo e não apenas a instituição familiar.

Na lição de Maria Helena Diniz,352 o referido princípio constitui base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.

No ensinamento de Gustavo Tepedino353:

Verifica-se do exame dos arts. 226 a 230 da Constituição Federal, que o centro da tutela constitucional se desloca do casamento para as relações familiares dele (mas não unicamente dele) decorrentes; e que a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.

O segundo princípio a ser analisado no que tange ao Direito Constitucional de Família é o da igualdade dos cônjuges e companheiros, previsto no parágrafo 5º do artigo 226 da Lei Maior, verbis: “Os direitos e deveres referentes à

sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

Primeiramente, antes de comentar o princípio acima, cumpre observar que a Constituição Federal vigente prevê a igualdade jurídica entre homens e mulheres em seu artigo 5º, caput, e inciso I, verbis:

352 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol. V – Direito de Família, 20 ed., São Paulo:

Saraiva, 2005.

353 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil: A disciplina civil constitucional das relações familiares.

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes;

I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações nos termos desta Constituição.

Por sua vez, o § 1º do artigo 5º da CF/88 prescreve: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.354

Todavia, a norma inovadora que mais aqui interessa é o art. 226, § 5º355, já que as Constituições anteriores já haviam repetido a primeira formulação356 e, mesmo assim, não haviam alcançado êxito no sentido de promover a referida igualdade.

354 Também o artigo 226, §5º, tem aplicação imediata. Nesse sentido: “O art. 226, §5º, confirmando a

orientação geral do texto constitucional ao declarar os direitos e garantias fundamentais, equipara os participantes da sociedade conjugal quando estabelece que são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. O texto acima referido não faz qualquer tipo de ressalva legal pela qual o preceito para ter eficácia plena e aplicabilidade imediata devesse esperar nova lei. Os termos são claros e inequívocos, houve, por parte do constituinte, a intenção de estabelecer igualdade, sem qualquer tipo de limitação, caso contrário a fala constitucional perderia seu significado e sua importância.” GONTIJO, Segismundo. A igualdade conjugal. in Direitos de família e do menor, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 3 ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1993, p. 157-158. No mesmo sentido, confiram-se os ensinamentos de FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional, 21 ed., São Paulo: Saraiva, 1994, p. 242; SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 15 ed., São Paulo: Malheiros, 1988, p. 220; OLIVEIRA, José Sebastião. A família e seus fundamentos constitucionais, cit., p. 101.

355 A mulher, até então, vinha marginalizada pelo nosso sistema jurídico. Era considerada relativamente

incapaz, assemelhada aos silvículas, pelo inciso II, do artigo 6º do Código Civil de 1916, até a edição do chamado Estatuto da Mulher Casada, em 1962, mas, após, continuou na condição de ‘colaboradora’ do marido na direção do lar. O Estatuto veio, ainda, permitir à mulher sair da tutela feudal do marido (artigo 233, inciso III, do Código Civil de 1916), que tinha direito à fixação do domicílio, sem consultar os interesses da mulher.

356 Constituição de 1824, art. 178, XII: “A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue e

recompensará em proporção dos merecimentos de cada um”; Constituição de 1891, art. 72, §2º: “Todos são iguais perante a lei. A República não admite privilégios de nascimento, desconhece foros de nobreza e extingue ordens honoríficas existentes e todas as suas prerrogativas e regalias, bem como os títulos nobiliários e de conselho”; Constituição de 1934, art. 113, I: “Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas”; Constituição de 1937, art. 122, §1º: “Todos são iguais perante a lei (...)”; Constituição de 1946, artigo 141, §1º: “Todos são iguais perante a lei”; Constituição de 1967, art. 153: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei”; Emenda Constitucional n. 1/69, art. 153, §1º:“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei”. Da singela leitura dos textos constitucionais verifica-se que a Constituição de 1937, definitivamente autoritária, supriu a referência à igualdade de ‘sexos’, igualmente a Constituição de 1946, para só em 1967 o legislador constituinte voltar a reconhecer a igualdade entre homens e mulheres, cujo texto foi repetido na emenda 1/69. Observe-se que a Constituição de 1967 teve sua elaboração após a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que estabelecia no artigo 14: “os homens e mulheres devem gozar dos mesmos direitos, não só durante o casamento, como após a sua dissolução”.

Conforme se depreende da leitura do mencionado artigo, desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família357 é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre marido e mulher ou entre conviventes.

Como observa Adriane Donadel:

(...) o reconhecimento dos mesmos direitos e deveres para homens e mulheres no que se refere à sociedade conjugal (art. 226, §5º, da Constituição Federal) demonstra a modificação da figura do homem como chefe de família e a falência da família hierarquizada de modelo patriarcal. 358

Em verdade, é uníssono entre os doutrinadores, aqui nas palavras de Caio Mário da Silva359, que: “a condição jurídica da mulher é um dos mais ricos

capítulos da história evolutiva do direito. Foi onde se processou a maior transformação do Direito de Família”.

José Sebastião de Oliveira360 defende que o artigo 226, §5º, da CF/88, ao estabelecer que homens e mulheres exercem os mesmos direitos e obrigações na sociedade conjugal, além de prever um direito, constituiu uma garantia individual e, como tal, insuscetível de emenda (art. 60, §4º, IV, CF).

Importante consignar que existem certas desigualdades que merecem tratamento especial do legislador, ou seja, são permitidas, pois, caso contrário, estaria ele permitindo injustiças e arbitrariedades nas quais existem situações justificadoras de um tratamento desigual.

Ressalta, a respeito, Carlos David S. Aarão Reis361:

(...) o ponto de referência eleito pela norma para o tratamento desigual deve ser relevante, necessário se faz tenha a discriminação um fundamento. Deve ele ser razoável, justificado objetiva e materialmente,

357 Até então o modelo de família era centralizado na figura do pai/marido que comandava todos os contornos

da comunidade familiar. A mulher e os filhos ocupavam posição de inferioridade. Todos os aspectos da vida familiar eram regrados focalizando a proteção patrimonial.

358 DONADEL, Adriane. Efeitos da constitucionalização do Direito Civil no Direito de Família. in PORTO,

Sergio Gilberto e USTÁRROZ, Daniel (organizadores). Tendências constitucionais no Direito de Família. Estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda., 2003, p.17.

359 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Vol. V. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 5. 360 OLIVEIRA, José Sebastião. op.cit., p. 109.

361 REIS, Carlos David S. Aarão. Família e igualdade: a chefia da sociedade conjugal em face da nova

decorrendo da natureza das coisas. Não pode ser arbitrário ou caprichoso. Precisa ter relação com o objeto da regra, servindo às suas finalidades.

Normas jurídicas contendo distinções não estão necessariamente eivadas de inconstitucionalidade, podendo, pois, a legislação estabelecer tratamentos desiguais.

(...) a igualdade entre os cônjuges, como a isonomia em geral, não era, como não é, mecânica, exterior, absoluta, antes proporcional e relativa.

Anota Celso Antonio Bandeira de Mello362 que, para o desate do problema, é insuficiente a idéia aristotélica de tratamento desigual aos desiguais e igual aos iguais, pois, entre um e outro extremo, existe um fosso de incertezas “cavado sobre a intuitiva pergunta que afora o princípio: Quem são os iguais e quem são os desiguais”.

Ensina o ilustre jurista que:

(...) as discriminações são recebidas como compatíveis com a cláusula igualitária apenas e tão somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição. 363

No ensinamento de Alexandre de Morais:

(...) o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento igual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito. 364

Afirma o autor que é constitucional, por exemplo, a prerrogativa do foro em favor da mulher, já que a mulher foi, até muito pouco tempo, muito discriminada.

Aqui, uma reflexão final sobre a igualdade entre homem e mulher.

362 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade, 3 ed. São Paulo:

Malheiros, 1997, p. 11.

363 BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. op.cit., p. 17.

Para tanto, é necessário relembrar a clássica distinção entre igualdade formal e igualdade material. A primeira, típica do Estado liberal, está consagrada na fórmula – todos são iguais perante a lei (art. 5º, caput, CF/88). A igualdade material vem prevista no inciso I, e a igualdade material entre cônjuges, no art. 226, §5º, CF/88.

A discriminação antes existente não se justifica. Em verdade, nunca se justificou, só tendo existido por questões histórico-sociológicas que aqui não se devem enfrentar. Verdade é que homens e mulheres pertencem à mesma espécie, nada havendo que justifique uma diferenciação. O sexo não tem relevância para este fim.

Qualquer “discrímen” (não discriminação) submete-se, para que válida, a juízo de racionalidade, razoabilidade e proporcionalidade. Não é o caso.

Forçoso é reconhecer, todavia, que tantos e tantos anos de discriminação e tão poucos anos de mudança ainda não permitam a plena igualdade.

Sabe-se, por exemplo, que existem mais homens na direção de empresas, na vida política, embora as mulheres já sejam discreta maioria nas universidades. Fato é que as estatísticas comprovam que as mulheres ainda ganham menos do que os homens: cerca de 70%. Admissíveis são, então, ações afirmativas que