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2. VALOR E CONCEITOS DE SOLIDARIEDADE, AMIZADE, DIREITO E JUSTIÇA

2.5. A TEORIA MODERNA DE JUSTIÇA

2.5.1. Escola Clássica do Direito Natural

2.5.1.1. O pensamento de Huig Van Der Groot (Hugo Grócio)

A primeira figura conhecida e proclamada de jus-naturalista é o holandês Huig Van Der Groot (1583-1645), cujo nome foi alatinado para Grócio.

Ele escreveu “De Jure belli ac pacis” , em 1625, que, segundo Miguel Reale, se apresenta como o primeiro tratado de Direito Natural, ou melhor, primeiro tratado autônomo de Filosofia do Direito. 106

Foi chamado fundador do Direito Natural e sua obra foi considerada o primeiro tratado de direito natural digno do pensamento moderno.

Grócio adota como idéia fundamental e básica de seu pensamento filosófico-jurídico aquela de Aristóteles, ou seja, que o homem é por natureza social e destinado a viver em certa forma de sociedade.

Contudo, o Direito, segundo ele, tem a sua existência demonstrada pela razão (não se mostra por revelação).

Com efeito, não é mais Deus ou a ordem divina a base do direito, mas a natureza humana e a natureza das coisas. O Direito Natural não mudaria seus ditames na hipótese de inexistência de Deus, nem poderia ser modificado por ele. “Et haec quidem, quae jam diximus, locum aliquem haberent, etiamsi daremus,

quod sine summo scelere dari nequit, non esse Deum, aut non curari abe o

negotia humana.” 107

Por conseguinte, ainda que “por sacrilégio” se negasse a existência de Deus, ou ainda se Este não prestasse atenção nos negócios humanos, a justiça seria o fundamento do mundo ético, e o Direito nasceria sempre do instinto sociável e da razão humana.

106 REALE, Miguel. Horizontes do Direito e da História. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 107. 107 GROCIO, Hugo. De jure belli ac pacis, Prolegomena, nº XI.

Partindo dessa premissa de que o homem tem uma natureza social, para que esta se torne possível, conclui, pela reta razão, a existência do Direito. “Portanto, não há nada de arbitrário no direito natural, como não há arbitrariedade na aritmética. Os ditames da reta razão são o que a natureza humana e a natureza das coisas ordenam.” 108

Miguel Reale assim defende a postura de Hugo Grocio:

Vivendo em uma época de intensas e profundas divergências sobre os princípios essenciais da religião cristã; assistindo, no plano doutrinário e político-militar, às conseqüências da Reforma de Lutero, o grande jurista preferiu explicar o Direito, indispensável à ordem e à paz, de maneira que pudessem ser aceitos os seus preceitos por homens de todos os credos. Alicerçar a sua obra em autoridades eclesiásticas ou textos evangélicos era, como ele bem o compreendia, tomar partido na contenda, provocar discussões estéreis intermináveis, quando o que importava era assentar os princípios fundamentais da organização jurídica dos povos reclamada por seu espírito humanista e de cristão.109

No dizer do autor, a novidade trazida por Grócio é a idéia de que o próprio homem possui um sentimento do justo, sentimento este autônomo. O homem é levado naturalmente a querer o que é justo.

Grócio declara que “Direito Natural é aquilo que a reta razão demonstra ser

conforme a natureza sociável do homem.” E, segundo o mesmo raciocínio:

“injusto é aquilo que repugna à natureza sociável dos seres dotados de razão.”110 Grócio também contribuiu para a criação do Direito Internacional, pois, para ele, a lei natural é o que regula a convivência das diversas nações, é o Direito das Gentes, e esse direito é um fragmento destacado da lei natural.

Para o filósofo, tanto as relações entre os indivíduos, como as relações entre os indivíduos e os governos, e, por fim, as relações entre os diversos Estados baseiam-se na idéia de um contrato. Observe-se aqui que a idéia de contrato é empregada para explicar a origem do Direito positivo e não a origem da sociedade.

108 BAPTISTA, HUCK, CASELLA (Coords.). Direito e comércio internacional, 1994, p.367 apud BITTAR,

Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. São Paulo, Atlas, 2001, p. 223.

109 REALE, Miguel. Horizontes do Direito e da História. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 107. 110Ibidem, p. 108 e 109.

Vale lembrar que os contratos aqui são de cumprimento obrigatório, porque impostos pelas próprias partes que os assinam. É dessa posição que surge a famosa máxima do Direito: “pacta sunt servanda”. Referido princípio é da máxima importância para o Direito Natural. Seu objetivo era estabelecer a paz mundial mediante tratados e, para que estes tratados não fossem desrespeitados, ele convertia em princípio básico de todo o Direito Natural o mandamento ético de que aquilo que é pactuado deve ser cumprido.

Ademais, os contratos eram feitos pela reta razão que, por meio do uso do raciocínio dedutivo, aquilatava os princípios do Direito Natural pertinentes ao Direito Internacional.

Miguel Reale atribui a Grócio a revelação de um novo valor, qual seja, a auto-suficiência dos direitos inatos do homem, independentemente da existência ou não de Deus. Afirma ser o pensamento de Grócio uma “corajosa

insinuação”.111

2.5.1.2. O pensamento de Samuel Puffendorf

Samuel Freiherr von Puffendorf, nascido na Alemanha (1632-1694), é, também, um dos mais notáveis escritores da Escola do Direito Natural. Escreveu “De iure natura et gentium libri octo” (1672), na qual sustenta que a ordem jurídica é completamente independente da ordem moral. Já que a essência da moralidade só consiste na vontade reta, impossível é definir como moral uma ordem exterior, que é objeto do direito, e admitir que o direito penetra na consciência, templo da moralidade.

Puffendorf conjectura que os homens, no seu estado de natureza, eram livres, porém por interesses, e, ante a falta de garantia dos seus direitos, tiveram de se submeter a um soberano, criando o Estado. Seguindo as pegadas de Grócio, definitivamente, não se admite nenhuma ligação do Direito à Teologia.

Todavia, consegue conciliar a “reta razão” com “Deus”.

Que a soberania resulte imediatamente das convenções humanas, isto não impede, sublinhe-se, que, para torná-la mais sagrada e inviolável,

seja dispensável encontrar um princípio mais importante e que a autoridade dos príncipes não seja de direito divino ao mesmo tempo que humano. Então, depois que os homens se multiplicaram consideravelmente, a reta razão lhes tendo feito ver que o estabelecimento das sociedades políticas era absolutamente necessário para a ordem, a tranqüilidade e a conservação do gênero humano. Deus enquanto criador deve também ser considerado o criador das sociedades políticas e, por conseqüência, da soberania, sem a qual aquelas não poderiam ser concebidas. 112

Segundo Puffendorf, o Direito Natural é imutável, perene às transformações históricas e não susceptível aos diversos costumes e tradições diferentes dos povos.

Seria necessário juntar tudo o que os diferentes povos consideram como Direito e sobre o que todos e cada um estão de acordo. É verdade, esta via é incerta, infinita e quase impraticável..., pois eu creio que não há uma prescrição do Direito Natural que não contradiga os costumes abertamente admitidos por não importar qual povo...

Sobre este autor diz Del Vecchio:

(...) Antes de mais nada, abordou o problema da distinção entre o Direito e a Teologia. Além disto, distinguiu o direito natural do direito positivo, estabelecendo nítida antítese entre ambos. Ao primeiro concedeu a primazia: é anterior ao Estado, mantém sempre o seu império, e subordina a si o direito positivo. Ao direito natural cabe fornecer as normas diretivas da legislação.113

Grócio e Puffendorf constituem os mais notáveis representantes daquele ramo do jus-naturalismo, que se denominou de autonomia do direito natural.