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5. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NO DIREITO CONSTITUCIONAL ESTRANGEIRO

5.4. CONSTITUIÇÃO ITALIANA DE 1948

Outro texto constitucional importante para o estudo do princípio solidariedade é, sem dúvida, a Constituição italiana de 1948. Com efeito, não se pode fazer qualquer análise científica do mencionado princípio sem estudá-lo à luz de tal Constituição. O que torna simbólica a Constituição italiana relativamente ao princípio da solidariedade? A primeira impressão, ao se comparar os textos constitucionais do século XIX, é de que ela teria, mais do que outras, exaltado esse princípio.

O ponto de partida para a investigação científica é o artigo 2º da

Consttuzione Della Repubblica Italiana, segundo o qual:

La Repubblica riconosce e garantisce i diritti involabili dell’uomo, sai come singolo sai nelle formazioni sociali ove si svolge la sua personalitá, e rechiede l’adempimento dei doveri iderogabili di solidarietà politica, econômica e sociale. 275

Nesse contexto, a solidariedade é um dever público constitucional, que deve permanecer sempre como garantia de unidade, mesmo diante de

274 "O povo francês proclama solenemente a sua adesão aos Direitos do Homem e aos princípios da soberania

nacional tal como foram definidos pela Declaração de 1789, confirmada e completada pelo preâmbulo da Constituição de 1946. Em virtude destes princípios e do princípio da livre determinação dos povos, a República oferece aos territórios do ultramar, que manifestem a vontade de a elas aderir, instituições novas, fundadas no ideal comum de liberdade, igualdade e fraternidade e concebidas em vista de sua evolução democrática. – Artigo Primeiro: A República e os povos dos territórios de outro mar, por um ato de determinação que adotam a presente Constituição instituem uma Comunidade. A Comunidade é fundada na igualdade e na solidariedade dos povos que a compõem.

275“A República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, seja como indivíduo, seja nas formas

pelas quais se desenvolve a sua personalidade e exige o cumprimento de deveres inderrogáveis de solidariedade política, econômica e social.”

contingentes contraposições políticas. Outrossim, o princípio da solidariedade é um parâmetro de avaliação das leis ordinárias. 276

Cláudio Sachetto observa, ao estudar o artigo 2º da Constituição italiana, que “a solidariedade se coloca como critério de avaliação primária para o

legislador ao decidir se os interesses que irá regular devem ser entregues à

autonomia privada ou a disciplina de natureza pública.” 277

Diz Guido Alpa278:

‘Solidarietà’ è espressione che si riscontra in via di eccezione nella terminologia normativa. Tendenzialmente è piu frequente nei testi constituzionali che non nelle leggi di rango inferiore: le constituzioni codificano le tavole di valori sulle quali poggia l’ordinamento e delineano gli indirizzi a cui si deve attendere il legislatore ordinario, provvedono atresì a individuare le liberta degli individui e i diritti fundamentali dei cittadini; la solidarietà, come valore generale, trova quindi il suo alveo naturale nelle norme di basi di um ordinamento. 279

Aqui se situa um dos pontos nucleares, a saber: a necessidade da extensão, da aplicação do princípio às relações familiares, naquilo que não respeite a direito meramente patrimonial, obrigacional puramente, mas naquilo que protege a pessoa enquanto direito humano.

Na Constituição italiana, a solidariedade é um princípio de valor constitucional. Neste aspecto diverge a experiência constitucional italiana das americana e inglesa, em que a proteção dos direitos sociais é confiada à lei ordinária e, por isso mesmo, exposta às condicionantes políticas momentâneas.

O professor italiano Sérgio Galeotti, autor, pouco antes de sua morte, de um estudo publicado na Rivista di Diritto Sociale de 1996 – “Il Valore della

Solidarietà” –, observava que a solidariedade, antes de ser um dever/direito, é um

276 SACCHETTO, Cláudio. O Dever da Solidariedade no Direito Tributário: o Ordenamento Italiano. in

GRECO, Marco Aurélio e GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 13.

277Ibidem, p. 14.

278 ALPA, Guido. Il principi nella prospectiva constituzionale. p. 392.

279 “A solidariedade é expressão que se encontra em via de exceção na terminologia normativa.

Normalmente é mais freqüente nos textos constitucionais que nas leis de alcance inferior. As constituições codificam os critérios de valores sobre os quais se apóia o ordenamento e aponta a direção a qual se deve ater o legislador ordinário. Providenciam, além de tudo, individualizar a liberdade dos indivíduos e os direitos fundamentais do cidadão; a solidariedade, como valor geral, encontra, no entanto, seu alvo natural nas normas de base de um ordenamento.” (tradução nossa)

valor. 280 O tema da solidariedade na Constituição italiana está mergulhado em

juízos de valor, pois os patres conscripti que a redigiram propunham precisamente isso: criar um modelo de Estado republicano fundado em valores, direitos fundamentais do indivíduo e os valores da socialidade e da solidariedade.

Guido Alpa assevera que a solidariedade, na Constituição Italiana de 1947- 1948, é um valor muito forte. É por isso que, como primeiro direito/dever, orienta todos os demais dispositivos constitucionais. Confira-se:

Nella Constituzione italiana del 1947-1948 la solidarietà è considerata um valore forte: essa compare già ina apertura, all’ art. 2, la dove si riconoscono e garantiscono i diritti inviolabili dell’uomo tutelati a si in capo alla persona singola, sia in riferimento alle aggregazioni sociali; ai diritti corripondono doveri, e il dovere enunciato per primo è proprio il dovere di solidarietà; ricorre poi – in modo implícito – là dove si prescrive il diritto- dovere del lavoro, e si prescrive il concorso del cittadini al progresso materiale o espirituale della società (art. 4); sollidarietà si esprime alle categoria deboli, nell’ impegno assunto dalla Repubblica di rimuovere gli ostacoli di ordine economico e sociale che limitano la liberta e l’egualianza dei cittadini, lo sviluppo dela persona e la partecipazione dei lavoratori all’ organizzacione política, economica e sociale del paese (art. 3, comma 2º); solidarietà si offre allo straniero che eserciti il diritto di asilo (art. l); e là dove si ripudia la guerra come strumento di offesa alla libertà degli altri popoli; ciò in funzione della pace e della giustizia tra le nazioni (art. 11); oppure ove si tutela la libertà religiosa, esercitata in forma individuale e associata; si manifesta alle famiglie bisognose (e nuemrose: art. 31), e alle famiglie che debbono provvedere all’educazione scolastica dei minori (art. 34, comma 3º); solidarietà si esprime agli emigrati e tutelando il lavoro degli italiani all’estero, alla donna lavoratrice (art. 37), agli inabili al lavoro e ai singoli lavoratori perché abbiano un ‘esistenza dignitosa (art. 38, commi 1º e 2º), e cose via.281

280 Vide a respeito as considerações importantes desenvolvidas a este propósito por S. Prisco, ‘Solidarietà e

Sussidiarietá nel Pensiero dell’ Ultimo Galeotti”, em Poteri e Garanzi nel Diritto Constituzionale. L’Insegnamento di Serio Galeotti, organização B. Pezzini, Milão, 2003, p. 115 e ss.

281 “Na Constituição Italiana 1947-1948, a solidariedade é considerada um valor muito forte; como se

observa já na abertura ao artigo 2º, lá onde se reconhecem e garantem os direitos invioláveis do homem, considerado em si mesmo ou singularmente, e ao mesmo tempo às agregações sociais; aos direitos correspondem deveres, e o primeiro dever enunciado é a própria solidariedade; presente também – de forma implícita – onde se refere ao direito-dever do trabalho, e se pressupõe onde se prescreve ao direito dos cidadãos ao progresso material e espiritual na sociedade (art. 4º); a solidariedade se refere às categorias mais frágeis no empenho da República de proteger a liberdade e igualdade do cidadão, desenvolvimento da pessoa e da participação dos trabalhadores na organização política e social do país (art. 3º, §2º); a solidariedade se oferece ao estrangeiro que exercita direito de asilo (art. I), e lá onde se repudia a guerra como instrumento de ofensa à liberdade dos outros povos; tudo isso em função da paz e justiça da nação (art. 11), oferece onde se garante a liberdade religiosa, exercitada individualmente ou em associações; se manifesta às famílias necessitadas (e numerosas: art. 31); famílias pobres que devem providenciar a educação escolar dos filhos (art. 34, §3º); a solidariedade se expressa aos imigrantes dando-lhes trabalho italiano; à mulher trabalhadora; aos incapazes para o trabalho e aos trabalhadores individuais para que tenham uma vida digna (art. 38, §§ 1º e 2º); assim como aos incapazes e aos menores(art 3º,§3º) e assim em diante.” (tradução nossa)

Convém notar que, na Constituição Italiana (1948), a expressão é utilizada como dever, não apenas direito, e nisto diverge da Francesa (1946). 282

O mesmo Guido Alpa, analisando o princípio da solidariedade na perspectiva constitucional italiana, observa que o mesmo ora se refere aos relacionamentos econômicos, ora aos sociais, ora aos familiares. “Tratando-se de

expressão genérica, alusiva, evocativa a solidariedade é especificada com objetivação: ora é referida às relações econômicas, ora àquelas sociais, ou familiares.” (tradução nossa)

Adverte que, embora a expressão tenha contorno volátil e impreciso, a solidariedade implica, antes de mais nada, num relacionamento entre pessoas ou grupos, sejam iguais ou desiguais. Confira-se:

Il suo significato conserva però pur sempre contorni imprecisi e sfumati. E tuttavia, logicamente, prima ancora che giuridicamente, solidarietà implica:

un rapporto interindividuale, non potendosi dare solidarietà, com o per se stessi (l’amore di sé è, per contro, espressione di individualismo, di separatezza, di autodifesa);

um rapporto tra uguali, per condizioni economiche e sociali, per affinità elletive, per appartenenza a certe classi, categorie, religioni, etnie, culture, lingue; il che implica reciprocità, cooperazione, difesa contro lê aggregazioni esterne;

ovvero um rapporto disiguale, se istituito com l’altro che sofre, che è piu svataggiato, che è piú inconlto.”283

Importante ressaltar que, na Carta Constitucional italiana, os deveres públicos colocam-se em estreita correlação aos direitos, dos quais representam a exata contraposição. Em outras palavras, toma por referência o indivíduo, referência final irredutível com seus direitos fundamentais, mas dentro da sociedade na qual vive, seja o Estado ou a comunidade local.

282 Vide página 79.

283“O seu significado conserva, contudo, um contorno impreciso e esfumaçado. E todavia, logicamente, antes

que juridicamente, a solidariedade implica: I) uma relação interindividual, não podendo dar-se solidariedade por si mesmo (o amor próprio é, por exemplo, expressão do individualismo, de separação, de auto-defesa); II) uma relação entre iguais, por condições econômicas e sociais, por afinidades eletivas, por pertencer a certas classes, categorias, religiões, etnias, culturas, línguas; o que implica em reciprocidade, cooperação, defesa contra as agressões externas; na verdade uma relação desigual se instituída com o outro que sofre, que está em desvantagem ou é inculto.” (tradução nossa)

5.5. O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE NAS DEMAIS CONSTITUIÇÕES