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2. VALOR E CONCEITOS DE SOLIDARIEDADE, AMIZADE, DIREITO E JUSTIÇA

2.5. A TEORIA MODERNA DE JUSTIÇA

2.5.5. George Wilhelm Friedrich Hegel

2.5.5.1. A dialética em Hegel

A filosofia de Hegel147 é a tentativa de considerar todo o universo como um

todo sistemático. O sistema é baseado na fé. Na religião cristã, Deus foi revelado como verdade e como espírito. Como espírito, o homem pode receber esta revelação. Na religião, a verdade está oculta na imagem; mas na filosofia o véu se rasga, de modo que o homem pode conhecer o infinito e ver todas as coisas em Deus.

Toda a filosofia de Hegel se apresenta nos moldes de uma tríade dialética: o ser, a natureza e o espírito. O ser corresponde ao conjunto de elementos lógicos de toda a realidade, a natureza é a manifestação do ser no mundo físico e biológico. Por fim, o espírito é a consciência dessa realidade global e dinâmica. 148

O método de exposição é dialético. Acontece com freqüência que, em uma discussão, duas pessoas que a princípio apresentam pontos de vista diametralmente opostos depois concordem em rejeitar suas visões parciais próprias e em aceitar uma visão nova e mais ampla que faz justiça à substância de cada uma das precedentes. Hegel acreditava que o pensamento sempre procede desse modo: começa por lançar uma tese positiva, que é negada imediatamente pela sua antítese; então, um pensamento seguinte produz a síntese. Mas esta síntese, por sua vez, gera outra antítese, e o mesmo processo continua uma vez mais. O processo, no entanto, é circular: ao final, o pensamento alcança uma síntese que é igual ao ponto de partida, exceto pelo fato de que tudo

147 Hegel viveu de 1770 a 1831. Data de 1807 sua Fenomenologia do espírito, e, de 1821, sua Filosofia do

direito.

o que estava implícito ali foi agora tornado explícito, tudo o que estava oculto no ponto inicial foi revelado.

Assim, o pensamento propriamente, como processo, tem a negatividade como um de seus momentos constituintes, e o finito é, como a auto-manifestação de Deus, parte e parcela do infinito mesmo. O sistema de Hegel dá conta desse processo dialético em três fases:

Lógica: O sistema começa dando conta do pensamento de Deus "antes da criação da natureza e do espírito finito", isto é, com as categorias ou formas puras de pensamento, que são a estrutura de toda vida física e intelectual. Todo o tempo, Hegel está lidando com essencialidades puras, com o espírito pensando sua própria essência, e estas são ligadas juntas em um processo dialético que avança do abstrato para o concreto. Se um homem tenta pensar a noção de um ser puro (a mais abstrata categoria de todas), ele encontra a resposta de que ela é apenas o vazio, isto é, nada. No entanto, o nada "é". A noção de ser puro e a noção de nada são opostas; e, no entanto, cada uma, quando alguém tenta pensá- la, passa imediatamente para a outra. Mas o caminho para sair dessa contradição é de imediato rejeitar ambas as noções separadamente e afirmá-las juntas, isto é, afirmar a noção do vir a ser, uma vez que o que ambas vêm a ser é e não é ao mesmo tempo. O processo dialético avança através de categoria de crescente complexidade e culmina com a idéia absoluta, ou com o espírito como objetivo para si mesmo.

Natureza: A natureza é o oposto do espírito. As categorias estudadas na Lógica eram todas internamente relacionadas umas às outras; elas nascem umas das outras. A natureza, no entanto, é uma esfera de relações externas. Partes do espaço e momentos do tempo excluem-se uns aos outros; e tudo na natureza está em espaço e tempo, e assim é finito. Mas a natureza é criada pelo espírito e traz a marca de seu criador. As categorias aparecem nela como sua estrutura essencial, e é tarefa da filosofia da natureza detectar essa estrutura e sua dialética; mas a natureza, como o reino da "externalidade", não pode ser racional seqüencialmente, de modo que a racionalidade prefigurada nela torna-se gradualmente explícita quando o homem aparece. No homem, a natureza alcança a autoconsciência.

Espírito: Aqui Hegel segue o desenvolvimento do espírito humano através do subconsciente, consciente e vontade racional. Depois, através das instituições humanas e da história da humanidade como a incorporação e objetivação da vontade; e finalmente para a arte, a religião e filosofia, nas quais o homem conhece a si mesmo como espírito, como Um com Deus e possuído da verdade absoluta. Assim, está então aberto para ele pensar sua própria essência, isto é, os pensamentos expostos na Lógica. Ele finalmente voltou ao ponto de partida do sistema, mas no roteiro fez explícito tudo que estava implícito nele e descobriu que "nada senão o espírito é, e espírito é pura atividade".

2.5.5.2. Hegel e o Historicismo

Hegel compreendeu muito cedo que a história é um drama universal, envolvendo todos os povos, e, por isso, nada pode ser apreciado ou estudado de forma estática. Para o filósofo, o material histórico não é um puro ente da razão.149

Com efeito, Hegel ressaltou, desde os seus primeiros escritos sobre religião e direito, a necessidade de se considerar a história, tal como a vida, de modo não abstrato e sim concreto. Na visão do filósofo, o direito não se confunde com a justiça, mas concretiza sempre, historicamente, seus valores éticos. 150

Hegel via a realidade de forma altamente dinâmica, razão pela qual é necessário estar atento à história. A realidade é história (desenvolvimento, racionalidade e necessidade), e todo o conhecimento é conhecimento histórico.

Esse é o sentido do historicismo hegeliano: a filosofia identificada com a história, esta última considerada como um elevar-se progressivo da humanidade a um conhecimento sempre mais claro da própria natureza espiritual.

Hegel desqualifica o direito natural. Não há valor eterno e universal. Há valor na história: ela cria o valor e o muda.

Hegel é otimista. Acredita que, pela história, o homem está em constante evolução na direção do absoluto.

149 BITTAR, op. cit., p. 321 e ss. 150 COMPARATO, op. cit. p. 323.

2.5.5.3. A teoria dos Espíritos e a filosofia do Direito para Hegel

O idealismo hegeliano se expressa pelo estudo do espírito, em todas as suas dimensões: o espírito subjetivo, que é a alma, consciência, razão; espírito objetivo, que é o direito, a moralidade, o costume, e, por fim, o espírito absoluto, que é a arte, religião, filosofia. 151

Hegel defende a trilogia dos espíritos, pois se a razão (espírito subjetivo) é importante ao homem, filosofia (espírito absoluto) também o é.

O espírito objetivo, que diz respeito ao direito, moralidade e costume, determina a liberdade e suas aplicações sociais, políticas e subjetivas.

Defende Hegel que Direito é a liberdade em grau máximo, a moralidade é a liberdade voltada para o sujeito que dela se vale, é a liberdade em si, já o costume é a liberdade feita objeto social e coletivo de comportamento, síntese entre direito e moral.

O Direito consiste na liberdade em grau máximo da capacidade volitiva humana. Com efeito, no que consiste o ato do legislador se não num querer esta ou aquela medida social?152 Assim, os direitos vêm pela ordem jurídica. Portanto, a lei pode ser vista como concreção da vontade do Direito. 153

Por sua vez, a ordem jurídica se coloca a serviço dos membros de um Estado, no sentido de instrumentalizá-los para o alcance de suas metas dentro da protetiva estrutura racional da ordem jurídica. Primeiro, nasce a sociedade, posteriormente, cria-se o Estado, visando a proteção das liberdades individuais dos membros dessa sociedade.

Assim sendo, o racionalismo do sistema jurídico há de imperar não só quando se pensa a lei, mas também quando se a aplica. Por isso, de um lado há a lei e de outro, já a jurisdição, pois, quando há infringência à lei, ao direito, é necessário um sistema de controle para restabelecer a ordem.

151 Cf. BITTAR, Eduardo Carlos Bianca. Curso de filosofia do direito. São Paulo: Atlas, 2001, p. 276 e ss. 152 BITTAR, op.cit. p. 280-281.

153 “A essência do Direito (máxima liberdade) faz-se acontecimento de direito (liberdade concreta),

manifestando-se neste ou naquele conjunto de leis, deste ou daquele Estado, desta ou daquela cultura. Assim surgem as leis, os códigos, o direito positivo, concretizações que são da noção abstrata de Direito.” in BITTAR, op.cit., p. 283.

Daí a necessidade de o sistema jurídico funcionar na base de proibições e negações jurídicas, que, em verdade, são restrições da liberdade abstratamente concebida. O convívio importa em concessões recíprocas, para que o todo possa existir, e é por isso que o Estado prevalece sobre os interesses do indivíduo.