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ABUSO E DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

No documento O abuso e o novo direito civil brasileiro (páginas 122-126)

O abuso do direito no novo Código Civil também se manifesta na má conduta dos sócios de pessoa jurídica que, fraudulentamente, visem a obstar a consecução dos seus objetivos, agindo de modo a dilapidar seu patrimônio e a deixar de garantir os débitos contraídos. É o que dispõe o art. 50: "Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios das pessoas jurídicas".

A conseqüência da demonstração fática do abuso está na descaracterização da personalidade jurídica da empresa, técnica jurídica interpretativa levada a efeito para possibilitar a constrição em bens particulares dos sócios e administradores pessoas físicas 134.

nesta E. 10ª Câmara, os chamados descontos por pontualidade são uma forma velada de escamotear o real valor da locação e assegurar sempre maior correção do locativo; a obrigação de pagamento pontual já decorre de lei (art. 23, I, da lei 8.245/91), e a concessão de bonificação ou desconto configura também multa moratória disfarçada, que no caso concreto seria somada à multa diária de 0,5% por dia, ou seja, 15% ao mês (item II do contrato, § 3º; fl.8), totalizando 35% de multa moratória real, em abuso flagrante e, de qualquer modo, em desrespeito às normas cogentes que regem os reajustes locativos urbanos” (Apelação sem Revisão nº 681.142-0/5).

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Como já tivemos a oportunidade de julgar, mesmo antes da vigência do atual Código Civil: "Se existe prova nos autos de que a empresa devedora vem-se utilizando de meios indevidos para frustrar a execução, e inexistindo nos autos elementos que comprovem tenha a empresa outros bens passíveis de penhora, é possível desconsiderar-se sua personalidade jurídica e proceder-se à penhora de bens particulares dos sócios" (2º TAC/SP – 10ª Câmara – Agr. Instr. nº 720.066-00/1, j. 28.11.01, v.u.). Ou, ainda, o seguinte julgado, também da E. 10ª Câmara do 2º TAC/SP, Relator o ilustre Juiz GOMES

É uma das mais importantes aplicações da teoria do abuso do direito em face do Código Civil e que se dá em relação à teoria do "disregard of the legal entity", ou "piercing of the corporate veil", pela qual se pode penetrar no patrimônio material da pessoal natural, sócia ou administradora da pessoa jurídica, se esta não dispuser de meios próprios para solver suas dívidas.

Do modo que redigido o art. 50 do Código Civil, ao exigir que o abuso seja caraterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, tem a doutrina entendido, e a jurisprudência tem seguido o entendimento, ser necessária conduta fraudulenta dos controladores da companhia, ou seja, nesse caso ficaria o abuso circunscrito à teoria subjetiva, pois se exigiria sempre conduta de má-fé por parte dos administradores ou sócios da pessoa jurídica para que "os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos" a seus bens particulares.

A redação original do dispositivo, conforme proposto pelo Ministro MOREIRA ALVES, não destoava da concepção normatizada: "A pessoa jurídica não pode ser desviada dos fins estabelecidos no ato constitutivo, para servir de instrumento ou cobertura à prática de atos ilícitos, ou abusivos, caso em que poderá o juiz, a requerimento de qualquer dos sócios ou do Ministério Público, decretar a exclusão do sócio responsável, ou, tais sejam as circunstâncias, a dissolução da entidade. Parágrafo único. Neste caso, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, responderão conjuntamente com os da pessoa jurídica, os bens pessoais do administrador ou

VARJÂO, já com alusão ao Art. 50: "Tendo ocorrido a ocultação dos representantes legais da empresa para evitar a citação, transferência das quotas sociais a terceiros e provável encerramento de suas atividades, sem a reserva de bens para a garantia do débito, deve o patrimônio dos sócios responder pela dívida social, nos termos dos artigos. 592, inc. II e 596, do CPC, aplicando-se a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, abraçada pelo art. 50, do Código Civil vigente. Recurso improvido" (AI nº 836.739-0/0, j. 31.03.04; v.u.).

representante que dela se houver utilizado de maneira fraudulenta ou abusiva, salvo se norma especial determinar a responsabilidade solidária de todos os membros da administração".

No entanto, é preciso notar que à caracterização do abuso no Código Civil bastam o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial; é o texto expresso de lei. Estes -desvio quanto aos fins e confusão patrimonial- é que necessitam ter sido efetivados de forma fraudulenta, com o que configurado estará o abuso. Não se exige a intenção de causar dano ao credor, ou seja, é indiferente que se tenham realizado as fraudes quanto aos fins da pessoa jurídica ou à confusão patrimonial com o intuito de lesar quem quer que seja; basta que tenham ocorrido tais condutas, com o que se está diante da teoria objetiva do abuso, a se preocupar com o resultado derivado do comportamento e não com eventual espírito emulativo dos administradores e sócios da pessoa jurídica.

Pode até ser, assim, que os sócios ou administradores tenham-se desviado das finalidades societárias com a intenção de aumentar os lucros da empresa, ou qualquer outro objetivo nobre e não emulativo em relação aos credores. Pode até ser, importando porém que tal conduta configurará uma irregularidade, um ilícito, objetivo, e pelo só fato de ter ocorrido estará caracterizado o abuso, com ou sem intenção de causar prejuízo, aspecto irrelevante às abusividades e à conseqüente aplicação da "disregard doctrine". O mesmo se diga em face da confusão patrimonial; tendo ocorrido, com ou sem intenção de dano, haverá abuso e a decorrente possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Ilícito objetivo, em suma,

frisando-se que no microssistema das relações consumeristas a aplicação é mais ampla, porque eventualmente independente da caracterização do abuso 135 .

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É o caso do Art. 28, § 5°, da lei 8078/90, para o qual poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica "sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores", ou seja, "sempre que o patrimônio da pessoa jurídica não se mostrar suficiente a tal reparação", observação de Leandro Martins Zanitelli que se endossa integralmente ("Abuso da Pessoa Jurídica e Desconsideração", in "A Reconstrução do Direito Privado", organizado por Judith Martins-Costa, Edit. RT, São Paulo, 2002, p. 727). A manutenção dos microssistemas legais em face do Código Civil foi conclusão da já citada jornada do STJ, n° 51: "A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine - fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema".

No documento O abuso e o novo direito civil brasileiro (páginas 122-126)