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Abuso na cláusula penal

No documento O abuso e o novo direito civil brasileiro (páginas 119-122)

25. INSTITUTOS AFINS

25.6. Abuso na cláusula penal

A cláusula penal constitui poderoso instrumento de coerção objetivando o adimplemento da obrigação principal. É cláusula que pode ser inserida nos contratos de modo geral e mesmo em negócios jurídicos unilaterais, como o testamento, nesse caso para obrigar, por exemplo, o herdeiro ao cumprimento do que lhe foi legado.

Lembrando-se, porém, da dupla função da cláusula penal - imposição ao devedor do cumprimento da obrigação e prefixação de perdas e danos,

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respectivamente no tocante à multa moratória e à compensatória 129 -, tem-se que deva ela guardar uma razão de proporção entre o valor da obrigação principal e o montante da pena contratualmente exigida, sob pena de caracterizar abuso em sua cobrança, decorrente da situação jurídica de vantagem do titular do crédito na relação obrigacional.

É o que se subsume dos artigos 412 e 413 do Código Civil, o primeiro ao determinar que o valor cominado a título de cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal, o segundo ao determinar ao juiz a redução eqüitativa da cláusula penal quando houver sido cumprida em parte a obrigação principal, ou se o montante da pena for manifestamente excessivo - nesse ponto defendendo-se que, ocorrido o excesso manifesto, ter-se-á caracterizado abuso do direito de exigência da pena convencional, seja ela moratória ou compensatória 130.

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Após apontar juristas que defendem a função compulsória da pena convencional, e outros que defendem sua função indenizatória, afirma MARIA HELENA DINIZ que "Todavia, a razão parece estar com os juristas que, como Hugueney, R. Limongi França, Washington de Barros, Mazeud e Mazeud, Salvat, Barassi, Larenz e Colmo, sustentam a sua função ambivalente, por reunir a compulsória e a indenizatória, sendo concomitantemente reforço do vínculo obrigacional, por punir seu inadimplemento, e liquidação antecipada das perdas e danos (RT, 208:268" ("Curso de Direito Civil Brasileiro”, 2º vol. 2002, 16ª ed., Edit. Saraiva, São Paulo, p. 385/386). Também nos parece inequívoca essa dupla natureza, indenizatória e de coerção ao cumprimento da obrigação, em face da própria diversidade das normas que regem a matéria, prevendo a cláusula penal em ambas as funções. No entanto, e como frisa NESTOR DUARTE, é de se observar que na cláusula penal a alternativa se dá a favor do credor, diversamente do que ocorre na multa penitencial, que milita a favor do devedor (“Obrigações Alternativas, Divisíveis e Indivisíveis”, em “O Novo Código Civil – Estudos em Homenagem ao Prof. MIGUEL REALE”, LTR Editora, São Paulo, 2003, p. 223).

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Nesse sentido o ensinamento de CARLOS ROBERTO GONÇALVES (“Direito Civil Brasileiro" vol. II, Edit. Saraiva, São Paulo, 2004, p. 386):"Apesar de a irredutibilidade constituir um dos traços característicos da cláusula penal, por representar a fixação antecipada das perdas e danos, de comum acordo, dispõe o art. 413 do Código Civil que "a penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio". Considerou o legislador, assim, justa a redução do montante da multa, compensatória ou moratória, quando a obrigação tiver sido satisfeita em parte, dando ao devedor que assim procede tratamento diferente do conferido àquele que desde o início nada cumpriu. Ao mesmo tempo impôs ao juiz o dever de reprimir abusos, se a penalidade convencionada for manifestamente excessiva, desproporcional à natureza e à finalidade do negócio".

O Código atual disciplinou de modo correto a questão, ao determinar ao juiz a redução, afastando a antiga discussão, que havia em face do art. 924 do Código Civil de 1916, de que a redução proporcional da multa era faculdade e não obrigação do julgador - posição minoritária, mas que resistia ao tempo, tudo pelo uso da expressão "poderá" em vez de "deverá" naquela norma revogada 131.

E não poderia ser de outra forma, pois o ato que se configurar como manifestamente excessivo - a multa desproporcional, no caso - e, portanto, abusivo, não pode ter outra conseqüência senão sua nulidade, aspecto a ser declarado até de ofício pelo juiz e que não constitui mera faculdade mas imposição legal. Daí a correição da expressão "deve ser reduzida", uma vez que se terá previsto a pena convencional de forma desproporcional, iníqua, excessiva ou, em última análise, abusiva 132.

Frise-se que o abuso poderá ocorrer tanto na fixação de multa moratória, “v.g”., um percentual de 30% para o caso de não pagamento de aluguéis no dia aprazado, como na cominação de multa compensatória, como prefixação de perdas e danos, “v.g”., a previsão de dez meses de aluguel como sanção convencional para o caso de devolução antecipada do imóvel locado, ou de qualquer outra infração contratual 133.

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art. 924. "Quando se cumprir em parte a obrigação, poderá o juiz reduzir proporcionalmente a pena estipulada para o caso de mora, ou de inadimplemento".

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Confiram-se os julgados seguintes a respeito: "Compromisso de compra e venda. Cláusula de distrato. Nulidade. Deve ser declarada nula a cláusula contratual que, em compromisso de compra e venda, estabelece a perda quase total do valor pago pelo compromissário-comprador, em face da rescisão do contrato. É flagrantemente leonina a retenção, a título de indenização por perdas financeiras, de mais de 75% do valor pago, estando tal preceito em dissonância com o disposto no CDC 53, pois configura evidente abuso contra o consumidor. Mostra-se mais apropriado o percentual estimado em 20% das parcelas pagas, conforme interpretação do Código Civil 924 (Código Civil 413)" (RT 791/207).

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Cite-se o seguinte trecho de acórdão por mim relatado, na E. 10ª Câmara do extinto 2º TACSP: “No mérito, e como dito pelos apelantes, endossando entendimento majoritário da jurisprudência e unânime

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