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25. INSTITUTOS AFINS

25.2. Abuso e Lesão

A lesão ocorre, segundo o art. 157 do Código Civil, quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente

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A esse respeito, melhor é a posição do Juiz paulista Antonio Jeová Santos, que ao confrontar a imprevisão com outros institutos, observa que, "aceito o abuso do direito em sua face objetiva, ou seja, como o exercício antifuncional de um direito, teríamos que a falta de concedimento serve como uma das aplicações para o surgimento da imprevisão", lembrando com pertinência que "Os fins do direito devem satisfazer as exigências da justiça e da eqüidade; do social e solidarista; da moral, dos bons costumes, da boa-fé, do bem comum, enfim" ("Função Social, Lesão e Onerosidade Excessiva nos Contratos", Edit. Método, São Paulo, 2002, p. 248). E, com efeito, quem busque aproveitar de uma situação contratual, ainda que não causada pelo beneficiário, mas criada por circunstâncias outras, ulteriores, nesse momento foge ao sentido solidário e ao espírito que norteia a boa-fé, abusando por

desproporcional ao valor da prestação oposta. É causa de anulabilidade do negócio jurídico, podendo ser mantido o contrato se for oferecido pelo beneficiado suplemento suficiente, ou se este concordar com a redução do proveito exacerbado tido até então.

A similitude da lesão com o abuso do direito está em que, também neste, a cláusula abusiva acarreta um ganho desproporcional a uma das partes, quebrando assim o equilíbrio contratual indispensável nos pactos onerosos comutativos. Em ambos os casos não é preciso a intenção de causar dano, mesmo porque na lesão (ao contrário do estado de perigo) não é preciso que o favorecido conheça a premente necessidade ou a inexperiência do lesado pelo negócio.

No entanto, há diferenças substanciais ente os dois institutos, a partir do fato de que a lesão pertine a todo o negócio jurídico, que será anulado se não houver suplemento de preço ou diminuição do proveito econômico pelo favorecido. Já no abuso somente a cláusula abusiva, como regra, é que será nulificada, pela infração à norma cogente que desequilibra o contrato. Não há, no abuso, como aproveitar-se a cláusula abusiva, que é simplesmente declarada nula, enquanto a lesão, tendo ocorrido, pode ainda ser sanada pela conduta ulterior do favorecido; não sanada, o negócio não é nulo, mas anulável, dependendo pois da iniciativa do lesado e não podendo, o vício do consentimento, ser declarado de ofício pelo juiz.

De se notar, outrossim, que o abuso do direito não se caracteriza como vício de consentimento, como defeito do negócio jurídico, nem provém de vontade viciada, pois na celebração do contrato esta é manifestada de forma livre e espontânea, só não gerando os efeitos esperados – da vinculação obrigatória ao contratado – por se configurar, a cláusula indigitada como abusiva, como infringente à finalidade social da

lei, à boa-fé objetiva, à probidade ou aos bons costumes; mas a vontade, em si, não pode ser apontada como viciada.

Não se pode negar, no entanto, que tanto na lesão como no abuso o que está em jogo em última análise é a valorização da concepção social do contrato, consagrando o princípio da dignidade humana, como realçado em notável acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, de 30.01.2001, relatado pelo Desembargador Ênio Santarelli Zuliani 123, no qual se admitiu a ocorrência de lesão e, reconhecendo-se “a abusividade da cláusula de reajuste que fez valor desproporcional”, reduziu-se o valor de terreno popular de R$ 70.052,32 para R$ 38.500,00, em 144 parcelas congeladas de R$ 250,00 mais R$ 2.500,00 de sinal. O acórdão, após criticar o apego demasiado ao princípio da autonomia da vontade em ações contratuais, enfatiza o engodo de que foram vítimas os autores, ao adquirirem por preço absolutamente desproporcional um terreno de 125 m2 em Itaquera, sem rede de ligação de água e esgoto ou energia elétrica, e extirpa a cláusula abusiva do reajustamento para, revisando o contrato com base na lesão – e ao mesmo tempo reprimindo o abuso –, chegar a outros valores de compra do bem. Cite-se o trecho seguinte da decisão colegiada, no bem posto raciocínio de impedir o dano injusto aos enganados adquirentes do bem:

“Ora, se o contrato adquiriu função social, devemos adaptá-lo aos anseios constitucionais, notadamente o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e que pressupõe a eliminação da desigualdade monetária, que secundariza o proletariado diante do mega investidor. Nada mais adequado, portanto, que extirpar a

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Apelação Cível nº 115.014-4/2-3ª Câmara de Férias; in “Revista de Direito Privado” 11/378, Edit. RT, São Paulo, Coordenação de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Nery.

cláusula abusiva (reajustamento) para que se restabeleça o equilíbrio das prestações”.

E mais, com destaque ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana:

“Seria degradante obrigar um trabalhador a desembolsar, durante 4 décadas, parte do salário que mal dá para atender as despesas básicas do orçamento domiciliar, para honrar mensalidades que dobram de valor a cada biênio, pela aquisição de um terreno de 125,00 m2, sem rede de água, esgoto e luz, que nunca vai compensar o pagamento. Como poderá um cidadão exercitar naturalmente as prerrogativas da cidadania com um custo desta ordem, sabendo que o sistema jurídico de sua sociedade valoriza os princípios da igualdade e solidariedade para combater a indignidade?”

Pelo exemplo prático citado, verifica-se a coexistência de princípios e cláusulas gerais diversos, como o princípio da dignidade humana, a função social do contrato (que, como se sabe, é decorrência do princípio da função social da propriedade do art. 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal), o equilíbrio contratual, a isonomia e a solidariedade, combatendo-se a lesão (na inexperiência dos contratantes) e o abuso (na forma de reajuste contratado). A experiência prática mostra uma integração principiológica muitas vezes inexistente na mera teorização de tais institutos.

No documento O abuso e o novo direito civil brasileiro (páginas 112-116)