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Adoção homoparental: Estudo sobre representações sociais de graduandos de direito e psicologia

CÉLIA APARECIDA FERREIRA CARTA WINTER (*)

BIANCA MORETTI VIEIRA PALMIERI (*)

A família é uma estrutura que se mantém unida pela afetividade. Nela convivem sujeitos emocionalmente implicados com a rede de relações e de sentimentos que se estabelecem. A adoção homoparental apresenta-se como um fenômeno complexo ligado as mudanças na estrutura da família. Tais mudanças não se tratam de uma crise na instituição familiar, como salientam Araújo, Oliveira, Sousa e Castanha (2007), mas sim do reflexo das mudanças sociais. Há uma escassez de trabalhos sobre a família homoparental e percebe-se a presença de preconceito e discriminação em diversos contextos sociais, em especial no que diz respeito às questões homossexuais e de gênero e de como isso influenciaria no desenvolvimento das crianças. Pretende-se neste estudo realizar uma reconstrução histórica da família e da teia de relações sociais que influenciam sua progressiva diferenciação ao longo do tempo, assim como reconstruir a história da adoção. Compreende-se que as novas formas da família contemporânea e adoção homoparental, este como uma derivação lógica do primeiro, representam um trabalho emergente e um desafio para o campo do Direito e da Psicologia tendo em vista as implicações de uma adoção homoparental na função da família (perspectiva legal e psíquica).

Tendo origem na França, o termo homoparentalidade é utilizado para nomear as relações de parentalidade exercidas por homens e mulheres homoafetivas (Zambrano, 2006). No Brasil, apesar dos avanços acerca das discussões sobre essa temática, faz-se necessário um investimento maior no campo da Psicologia e Direito. Infelizmente o preconceito, e a limitada quantidade de pesquisas com essas famílias, faz com que parte da sociedade, incluindo profissionais da Psicologia, apresente duvidas e receios quanto a dinâmica familiar e aos prejuízos acarretados às crianças.

No campo jurídico, os homoafetivos encontram dificuldades ligadas aos processos de adoção e ao reconhecimento da sua família no campo legal (Silva, 2008). Existe uma crença generalizada de que essa configuração familiar poderia ser prejudicial ao desenvolvimento psicossociológico “normal” das crianças. As fantasias e medos que cercam a parentalidade homoafetiva abordam os danos que poderiam incidir sobre as crianças criadas sob a égide da indiferenciação sexual. Questiona-se se a ausência de modelo do gênero masculino e feminino pode influenciar na própria identidade sexual da

(*)Pontifícia Universidade Católica do Paraná , Curitiba, Brasil. Actas do 11º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde

Organizado por Isabel Leal, Cristina Godinho, Sibila Marques, Paulo Vitória e José Luís Pais Ribeiro 2016, Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde

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criança. Essa é uma grande confusão entre sexualidade e função parental, como se a orientação sexual dos pais fosse determinante na orientação dos filhos (Castro, 2008). A psicanálise aponta que a constituição subjetiva de uma criança deve-se a inscrição de um Desejo, enquanto disponibilidade psíquica, que possa garantir a filiação.

Outra preocupação que surge para o não reconhecimento da família homoafetiva é a apreensão quanto à possibilidade de o filho ser alvo de repúdio no meio em que frequenta ou de ser vítima de agressões por parte da sociedade. Entretanto conforme relata Maria Berenice Dias, desembargadora do Tribunal de Justiça do RS, essas preocupações são afastadas por quem se debruça no estudo dessas famílias. As evidências apresentadas pelas pesquisas não permitem constatar quaisquer efeitos danosos ao desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio com pais do mesmo sexo (Castro, 2008).

Ao abordar a temática da adoção, não podemos esquecer que são as crianças e os adolescentes, assim como os adotantes, os maiores interessados durante o processo de adoção e do estabelecimento do vínculo parental. Colocando a pessoa a ser adotada como principal preocupação durante o processo, cabe incluir o Princípio V da Declaração Universal dos Direitos das Crianças – UNICEF, o qual prevê que toda criança tem direito ao amor e à compreensão por parte dos pais e da sociedade.

Apontando como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a Constituição Federal de 1988 exalta a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Também na CF/88, no Capítulo VII – Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso, o art. 227, estabelece: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Brasil, 1988).

MÉTODO Participantes

O número de amostra foi de 203 indivíduos, sendo 90 alunos do curso de Direito e 113 do curso de Psicologia, todos matriculados regularmente no sétimo período da PUCPR. Dos 203 alunos, 49 se declararam do sexo Masculino e 154 do sexo Feminino. A idade média dos participantes foi de 22 anos, variando de 20 a 58 anos.

Material

Foi aplicado um questionário único, preenchido presencialmente pelos alunos durante os turnos da Manhã e Noite dos cursos de Direito e Psicologia, na presença do

entrevistador. O questionário continha 16 afirmações, nas quais os participantes deveriam assinalar o seu grau de concordância em relação à adoção homoparental, na qual 1 indicaria a discordância total e 5 a concordância total) e 1 questão aberta, opcional, na qual o participante poderia escrever a sua opinião a respeito da legalização da adoção homoparental. As perguntas foram elaboradas com base em hipóteses de crenças generalizadas a cerca do assunto

Após a realização do questionário, as respostas das questões fechadas foram transcritas para uma tabela e por sua vez, para melhor visualização, foram transpostas em gráficos, para a análise quantitativa dos dados. As respostas da questão aberta tiveram sua principal ideia extraída em frases, citadas com aspas e foram separadas em eixos, determinados pelas autoras, compatíveis com a literatura.

Figura 1. Perguntas contidas no questionário aplicado com os alunos dos cursos de Direito e Psicologia da PUCPR

Procedimento

Para realizar esse projeto, com a devida cautela e seriedade que o assunto necessita, foram elaborados termos como o TCUD (Termo de Compromisso de Utilização de Dados) e o TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) que garantem a confidencialidade sobre os dados coletados e esclarece os objetivos e método da pesquisa, bem como os benefícios e riscos da participação da mesma. Foi elaborado também um modelo de Autorização da Instituição, que autoriza a realização do estudo proposto, a ser conduzido pelos pesquisadores envolvidos.

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RESULTADOS Resultados quantitativos

Após a análise quantitativa das 16 perguntas, foram selecionadas as perguntas que apresentaram as maiores porcentagens, para se analisar com alguns filtros de identificação. A pergunta 2 obteve 74.9% de discordância, o que mostra que tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia é preferível que a criança seja adotada por um casal homoafetivo e receba um lar, do que permanecer para a doação. No curso de Direito 62 pessoas discordaram totalmente, enquanto no de Psicologia a discordância total foi de 90 pessoas. Esse alto índice poderia indicar uma preocupação social com o cenário atual da adoção no Brasil, no qual muitas crianças permanecem sem pais.

Outra questão que apresentou um alto índice de respostas foi a questão que afirmava que a orientação sexual dos pais não interfere no amor e atenção que a criança recebera. De todas as respostas obtidas, 164 pessoas concordaram totalmente com essa afirmativa.

Figura 2. Relação entre o sexo e o curso, das pessoas que concordaram totalmente com a afirmativa da sétima questão

Na questão 7, a qual possui a maior porcentagem de respostas que concordam totalmente com a alternativa (85.07%), foram adicionados filtros como o curso e o sexo. A partir do gráfico montado, é possível perceber que em ambos os cursos o sexo Feminino possui maior número de respostas em relação ao sexo masculino, essa discrepância se dá também pelo fato de em ambos os cursos possuir mais mulheres do que homens. De modo geral é possível perceber um reconhecimento de que um casal homoafetivo tem condições de ensinar e amar a criança de tal forma que ela não se sinta desrespeitada. E mais uma vez, essas questões ultrapassam a barreira biológica de homem e mulher.

Resultados qualitativos

Após a leitura de todas as respostas, foi possível agrupar e identificar eixos de respostas como: Eixo 1 – reconhece a família como uma relação de amor e cuidado que extrapola as barreiras de gênero, Eixo 2 – formada majoritariamente por respostas dos estudantes de direito que defendem a legalização da adoção como fator principal para um avanço na estrutura familiar, Eixo 3 – se preocupa principalmente com a situação social do processo de adoção no Brasil, Eixo 4 – pessoas que são a favor mas temem o impacto dessa adoção no desenvolvimento da criança bem como os preconceitos a cerca dessa experiência e por fim o Eixo 5 – contendo respostas contrárias a legalização da adoção homoparental.

O primeiro eixo foi formado por respostas que priorizam os cuidados e atenção da família em relação a criança adotada, representado nas frases a seguir: “família é um elo de amor, e todas as crianças merecem”, “qualquer casal que se dispõe a dar amor e atenção é capaz de criar uma criança”, “a adoção por um casal homoparental não mudará de forma alguma o amor que tal casal sente pelo mesmo”, “a adoção busca o melhor para a criança, logo, ser um casal homoparental não afeta na relação com a criança”, “um casal homoparental nada difere do heteroparental e a criança aprenderá que o amor não enfrenta questões de gênero”. Assim como a Psicanálise, muitas respostas tanto do curso de Psicologia quanto do curso de Direito, afirmam que o vínculo socioafetivo não está vinculado a gênero ou a orientação sexual dos pais. Um estudante de Direito ressalta que muitas crianças que estão hoje para adoção foram crianças rejeitadas pela dita família “tradicional”.

O segundo eixo foi identificado principalmente nas respostas dos estudantes de Direito, que se preocupam com a legalização da adoção, eles acreditam que essa “é uma medida necessária para regulamentar a evolução da família brasileira”, e uma resposta aponta essa discussão como uma “uma questão inerente a qualquer família, independente de sua configuração”.

O terceiro eixo é marcado pela preocupação social do número de crianças adotadas no Brasil. “Acredito ser o resultado de um amadurecimento de consciência coletiva sobre o conceito do que é amor, pois essa é a base de uma família”, alguns encorajam a adoção devido a “quantidade de crianças sem uma família, e com certeza com a legalização será possível uma melhora neste cenário”. Novamente a questão do abandono por uma família heteroafetiva aparece em pauta. “Para a criança será muito melhor, pois um dia já foi rejeitada ou abandonada por um casal heterossexual, e merece viver em uma família e ser tratada com amor”.

O eixo 4 por sua vez, são pessoas com opiniões favoráveis que entretanto possuem ressalva sobre o assunto. Respostas como “A favor desde que tenha um emocional e psicológico bem ajustados”, “Favorável, porém certos cuidados devem ser tomados, assim como na adoção por heterossexuais”. Trechos como esse corroboram a teoria de que a escassez de trabalhos acerca dos impactos dessa adoção e a dinâmica dessas famílias provocam o medo da influência de preconceitos nessas crianças, o que fica explicito na resposta ”Não sou contra, porém nem totalmente a favor; Por ser algo muito novo ainda

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tenho receio de como será o desenvolvimento destas crianças, ou seja nem pela adoção em si, mas pelo julgamento dos outros”. Por outro lado, independente do receio, algumas pessoas se mostraram a favor, pois acreditam que “o desejo de adotar vem de encontro com o desejo de aumentar a família, portanto o casal vem se preparando ao longo de tempo e provavelmente apresentando mais condições psíquicas para o recebimento da criança” e que “Família é quem acolhe, cuida, respeita, alimenta, nutre e realiza”.

O último eixo mostra respostas contrárias à legalização da adoção, algumas pessoas argumentaram terem receio de que “um casal homossexual não consiga cuidar de uma criança sem interferir negativamente em seu desenvolvimento.” e “Sou contra, pois usando de empatia, com certeza iria sentir-me envergonhado, além de preconceitos que se iria sofrer”. Nesse caso, o contra vai de encontro com a ideia do preconceito que a criança vai sentir e que muitas vezes esse preconceito é reflexo da própria posição do sujeito de se colocar no lugar da criança adotada.

Cabe finalizar essa análise de dados com uma resposta aberta de um estudante que se identificou como adotivo: “Fui adotada por um homem e por uma mulher; O que importou no meu desenvolvimento foi o carinho, amor e atenção que recebi deles e tenho certeza de que pensaria igual se ambos fossem do mesmo sexo.”

DISCUSSÃO

Esse trabalho teve como apoio a perspectiva psicanalítica. Essa perspectiva foi muito positiva para a realização do trabalho, uma vez que em Psicanálise é possível afirmar que todos nós somos adotados, é a partir de um processo de adoção simbólica que os seres humanos são batizados como pai, mãe, filho, e ao se reconhecerem assim eles se tornam, efetivamente “pai”, “mãe” e “filho” (Laia, 2008 p. 31). Uma vez que a adoção é um procedimento generalizado que não se limita biologicamente a forma, a filiação, paternidade, maternidade podem ser exercidas tanto por casais homoafetivos quanto por casais heteroafetivos.

Apesar do grande número de estudantes a favor da adoção homoparental, ainda existe muitas dúvidas sobre a estrutura dessa família e desses pais. Tendo em vista que a família é quem cuida, quem adota, como vimos com Lacan, produzir cada vez mais conhecimento sobre essas relações pode ser um passo rumo a construção de uma sociedade mais igualitária, que convive bem com todas as diferenças. A diferença está na diferença natural da condição humana: como não há um indivíduo igual a outro, não há uma família igual a outra (Silva, 2008, p. 20).

Foi possível perceber de forma clara as representações sociais dos alunos dos cursos de Direito e Psicologia da PUCPR, bem como identificar eixos de respostas que embasaram suas afirmações e que durante todo o desenvolvimento dessa pesquisa, corroboraram com a literatura base desse projeto. Portanto podemos concluir que a nossa hipótese de que a

família sempre esteve em mudança em relação a forma, assim como a sociedade, entretanto mantem-se inalterada em relação a função: criar e proteger a prole.

REFERÊNCIAS

Araújo, Ludgleydson Fernandes de, Oliveira, Josevânia da Silva Cruz de, Sousa, Valdiléia Carvalho de, & Castanha, Alessandra Ramos. (2007). Adoção de crianças por casais homoafetivos: um estudo comparativo entre universitários de Direito e de Psicologia. Psicologia & Sociedade, 19, 95-102. doi.org/10.1590/S0102-71822007000200013 Brasil, Presidência da República. (1988). Capítulo VII – Da Família, da Criança, do

Adolescente, do Jovem e do Idoso. Constituição da República Federativa do Brasil. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Recuperado em Fevereiro, 2015, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Brasil, Presidência da República. (1990). Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Nº 8.069,

de 13 de Julho de 1990. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Recuperado em Fevereiro, 2015, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm

Castro, Maria C. A. de. (2008). A adoção em famílias homoafetivas. In: Cartilha Adoção: Um direito de todos e todas. Recuperado em Junho, 2015, de http://site.cfp.org.br/wp- content/uploads/2008/08/cartilha_adocao.pdf

Laia, Sérgio. (2008). A adoção por pessoas homossexuais e em casamentos homoafetivos: Uma perspectiva psicanalítica. Cartilha Adoção: Um direito de todos e todas. Recuperado em Março, 2014, de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/ cartilha_adocao.pdf

Silva, João R. P. da. (2008). A parentalidade de cara nova: quando os homossexuais se decidem por filhos. Cartilha Adoção: um direito de todos e todas. Recuperado em Junho, 2015 de http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2008/08/cartilha_adocao.pdf. Unicef. (1959). Declaração Universal dos Direitos das Crianças. 20 de Novembro de 1959.

Recuperado em Fevereiro, 2015 de http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/ lex41.htm

Zambrano, E. (Org.). (2006). O direito à homoparentalidade: cartilha sobre as famílias constituídas por pais homossexuais. Porto Alegre – Rio Grande do Sul – Brasil. Recuperado em Fevereiro, 2015, de www.homoparentalidade.blogspot.com

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