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Suicídio de idosos no Amazonas: Perpetração, tentativa e ideação

DENISE MACHADO DURAN GUTIERREZ (*)

MARIA C. DE SOUZA MINAYO (**)

JOHN E. C. DOS SANTOS (***)

AMANDIA B. LIMA SOUSA (****)

JOSÉ L. PAIS-RIBEIRO (*****)

O aumento da população idosa, tendência que se verifica nas últimas décadas no Brasil e no mundo, traz novos desafios ao sistema de saúde e à capacidade de gerenciamento interno das famílias. Nesse quadro, o suicídio entre idosos tem passado a merecer atenção de diversos pesquisadores e profissionais da assistência à saúde, pela tendência de aumento das taxas, particularmente nesse grupo, o que tem sido verificado mundialmente (WHO, 2007). No Brasil, observa-se um crescimento discreto dos suicídios, sobretudo na população idosa masculina. E das tentativas e ideações, de forma mais proeminente, na população feminina No ano de 2008 se verificou uma média de 9/100 mil para a população idosa, contra 5.8/100 mil para a população em geral (Cavalcante & Minayo, 2012, 2015; Pinto et al., 2012, 2015), com os agravantes psicossociais que a especificam enquanto parte do ciclo da vida em que pesam muitas vulnerabilidades sociais e psíquicas (Paz, Santos, & Eidt, 2006).

Embora o comportamento suicida seja um fenômeno cada vez mais frequente e exija do sistema de assistência, novas formas de prevenção e promoção à saúde, a produção de conhecimento nessa área no que concerne aos idosos no Brasil é muito reduzida: toda a produção se inicia em 2010 (Minayo & Cavalcante, 2010). Encontramos como contribuições seminais estudos recentes liderados pela pesquisadora Maria Cecília Minayo e Fatima Cavalcante que, a partir das propostas de autópsia psicológica de Shneidman (1969, 1981, 2004), desenvolveram o que denominam “autópsia psicossocial” (Cavalcante & Minayo, 2012), pois essas autoras ressaltam que não são apenas os aspectos subjetivos que conformam o comportamento suicida, pois nele se incluem, de forma relevante, a questão social, a histórica de vida e vários fenômenos microssociais e socioambientais. No caso das ideações e tentativas as questões sociais, familiares e biográficas também estão presentes e são de suma importância em qualquer diagnóstico. Por isso costumamos dizer que o comportamento suicida fala mais da vida que da morte.

(*)Universidade Federal do Amazonas, Manaus, Amazonas, Brasil.

(**)Centro Latino Americano de Estudos da Violência, Rio de Janeiro, Brasil.

(***)Associação Amazonense de Saúde Mental, Manaus, Brasil.

Actas do 11º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde

Organizado por Isabel Leal, Cristina Godinho, Sibila Marques, Paulo Vitória e José Luís Pais Ribeiro 2016, Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde

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A partir desse grupo de trabalho coordenado por Minayo e que envolveu pesquisadores de todas as regiões brasileiras, e no qual alguns dos autores desse texto estão inseridos, apresentamos os dados empíricos. Estes derivam de coletas de duas pesquisas de âmbito nacional: A primeira intitulada É possível prevenir a antecipação do fim? Suicídio de Idosos no Brasil e possibilidades de Atuação do Setor Saúde, e realizada de 2010 a 2012 (Cavalcante & Minayo, 2012) que buscou compreender de uma forma ampla a experiência das famílias que perderam um membro idoso por morte autoinfligida, bem como as circunstâncias e fatores psicossociais que envolveram o evento. A segunda, intitulada Estudo sobre tentativas de suicídio em idosos sob a perspectiva da saúde pública, realizada de 2013 a 2015 (Cavalcante & Minayo, 2015) buscou dar voz ao próprio idoso com ideação persistente ou tentativa de se matar, para que ele tivesse a oportunidade de falar, do seu ponto de vistas, quais tinham sido as razões que os levaram a desejar morrer, planejar fazê- lo ou atentar contra sua vida.

Esses estudos têm mostrado a complexidade do comportamento suicida que, sob todos os aspectos, coloca em relação uma multiplicidade de fatores (psicológicos, sociais, culturais, sociais, biológicos, ambientais e biográficos), que confluem para a efetivação da morte autoinfligida ou para a ameaça à vida. Destacam-se as questões ligadas à saúde mental e aos relacionamentos, em especial, os estados depressivos não tratados; as relações socioafetivas conflituosas na família; a vivência de violências e negligências no percurso da vida; a interação problemática entre diferentes gerações, sobretudo quando idoso é menosprezado ou não reconhecido na convivência; os estados de dependência física; a perda de autonomia pessoal, emocional ou de movimentos; as falhas na atenção à saúde pela dificuldade que os profissionais têm de diagnosticar e de tratar em tempo e com resolutividade os problemas que predispõem ao suicídio.

Os aspectos sociodemográficos envolvidos na questão do suicídio entre idosos não são desprezíveis e demarcam características fundamentais que aparecem associadas aos índices de incidência do fenômeno. Nesse sentido, consideramos como marcadores de vulnerabilidades variadas: faixa de idade, sexo, região de moradia, profissão, escolaridade, local em que o suicídio ou tentativa acontece, religião e etnia.

Observando-se o contexto do envelhecimento, entre os anos 1980 e 2010 o percentual de idosos no Brasil subiu de 6,1% para 10,8% da população total. Na região norte esse acréscimo populacional seguiu a mesma tendência, passando de 4,1% para 6,8%. No estado do Amazonas, essa porcentagem aumentou de 3,8% para 6,0%, havendo atualmente 174.866 pessoas acima de 60 anos, sendo que mais de 50% delas vivem na capital, Manaus (IBGE, Censos demográficos 1980 e 2010).

A cidade de Manaus possui uma história marcada por ciclos econômicos que se sucedem no tempo. No final do século XIX e período da 2ª Guerra Mundial destacou-se a exploração da borracha (Benchimol, 1998) e no final dos anos 1960, o desenvolvimento industrial simbolizado na Zona Franca de Manaus (Salazar, 2004). No auge desses ciclos, a capital atraiu pessoas de diversas regiões do país, fluxos de migrantes do interior e de outros estados da Federação, especialmente das regiões Norte e Nordeste, em busca de empregos e melhores condições de vida.

Na análise dos ciclos econômicos de Manaus, Oliveira (2008) destaca que os processos que marcaram o desenvolvimento da cidade também lhe custaram a destruição da natureza e, frequentemente, o desprezo pela cultura local. Seu desenfreado processo de crescimento não foi acompanhado de políticas públicas adequadas que permitissem um desenvolvimento sustentado. O resultado tem sido, na atualidade, uma cidade com recursos públicos precários que menospreza sua história, sua exuberante natureza e o potencial das pessoas que nela vivem.

Observa-se certa desconexão entre as pessoas e a vida na cidade, quando se investigam seus idosos, sendo possível constatar sua dificuldade de adaptação ao modo de vida urbano contemporâneo. Particularmente, é visível seu sofrimento pelo rompimento da convivência com a família ampliada – algo próprio dessa região – que valorizava o contato com os avós, os tios e os primos. Essa mudança dentre outros motivos tem por causas as grandes distâncias entre os bairros da capital, a cultura do individualismo das novas gerações e a carga de trabalho dos que mantêm as famílias.

Temos como objetivos nesse estudo descrever, analisar e discutir as principais características psicossociais que se destacam num conjunto de idosos que tentaram se matar, ou que de fato se suicidaram no Amazonas entre os anos de 2006 a 2012.

MÉTODO

As pesquisas que geraram os dados ora apresentados são de natureza qualitativa e quantitativa articuladas de forma integrada. Partimos da perspectiva de que as duas dimensões são complementares e indissociáveis quando se trata da abordagem a problemas de altíssima complexidade como é o caso do suicídio em sua forma concreta ou potencial (Gunther, 2006; Minayo, 2015; Minayo & Sanches, 1993).

Participantes

Cinco famílias com composições variadas (mãe, filhos, irmãos, netos e outros) e seis idosos (mais de 60 anos), todos entrevistados em serviços de saúde, ou em seus domicílios, após contato telefônico ou presencial da equipe de pesquisadores têm as seguintes características (Quadro 1).

Material

Utilizamos como principal ferramenta de coleta de dados o formulário para estudo denominado “autópsia psicossocial” (Cavalcante & Minayo, 2012) para análise do suicídio consumado, composto pelas seguintes grandes sessões: contextualização do ambiente local; informações de identificação; perfil pessoal e socioeconômico do idoso e da família; atmosfera do ambiente e das inter-relações em que ocorreu a morte autoinfligida;

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repercussões na família. O roteiro para entrevista com a pessoa idosa, além dos dados sociodemográficos, enfatizou a história de vida, o estado de saúde, o sofrimento mental e as razões oferecidas pelo próprio idoso para seu comportamento autodestrutivo.

Quadro 1

Características sociodemográficas dos idosos/Amazonas (Suicídio, Ideação e Tentativas)

Características N (11) % Idade (anos) 57-69 8 72,7% 70-79 2 18,2% 80-89 1 09,1% Sexo Fem. 8 72,7% Masc. 3 27,3%

Est. Civil Viúvo 2 18,2%

Casado 5 45,5% Separado/Divorciado 4 36,4% Religião Católica 6 54,5% Católica/Espírita 1 09,1% Evangélica 1 09,1% Não tem 3 27,3% Escolaridade Nenhuma 0 00,0% 1-4 anos 3 27,3% 5-9 anos 5 45,5% 10-12 anos 2 18,2% Superior 1 09,1%

Ocupação Agricultor, comerciante, carpinteiro, pedreiro,

serviços gerais, do lar, motorista, 9 81,8%

Técnico em Telefonia 1 09,1%

Professor 1 09,1%

Renda Aposentadoria 6 54,5%

2 a 5 salários 3 27,3%

Nenhuma 2 18,2%

Número de filhos Nenhum 2 18,2%

2 ou 3 3 27,3%

5 ou + 6 54,5%

Local de Moradia Urbana 100 90,9%

Rural 1 09,1%

Situação de moradia Própria 110 100%

Outros 0 -

Fonte: Dados empíricos das pesquisas (2012 e 2014).

Procedimento

Os dados qualitativos foram analisados de forma hermenêutica, ou seja, buscando-se a compreensão a partir da fala ou das famílias ou das pessoas idosas; e dialética, que analisa

as contradições dos discursos e das narrativas (Minayo, 2015). Os dados quantitativos foram analisados com recursos da estatística não paramétrica, de modo a se obterem frequências de distribuição e porcentagens que evidenciassem tendências e permitissem uma melhor caracterização do fenômeno investigado.

RESULTADOS

Os resultados indicam que 73% dos idosos que se mataram, mantiveram ideias suicidas persistentes ou fizeram tentativas de suicídio na primeira fase da velhice situada entre 60 a 70 anos. Essa primeira fase coloca o sujeito em contato com a realidade do envelhecimento, como experiência psicológica e convenção sociocultural, marcadas pela chegada da velhice e da aposentadoria. Os valores e expectativas sociais possuem grande influência sobre a percepção que o sujeito tem do seu envelhecimento. Estudos realizados no Brasil, nessas últimas décadas, sobre os significados atribuídos à velhice não revelaram características positivas (Maia, 2008; Minayo & Coimbra, 2002). Em uma sociedade moderna, cujos valores são atribuídos à jovialidade, estética e adaptação ao novo, a velhice é sentida como período da vida a ser retardado e evitado. Os sentidos atribuídos à velhice se contrapõem ao que se espera de uma pessoa ativa e integrada à vida social. Assim sendo, a velhice vem carregada de sentidos negativos, como dependência, perdas das capacidades cognitivas, lentidão, etc. Essa vivência de negatividade, fortemente relacionada à desesperança e desvalor, também aparece nas histórias de vida dos idosos que consumaram o suicídio, pensaram em se matar, ou fizeram tentativas para tal.

A totalidade dos casos de suicídios consumados é composta por homens. Há necessidade de ampliar a pesquisa incluindo casos de suicídios de mulheres. São poucos os casos registrados e deveriam ser mais bem explorados no contexto amazônico. Na época, entramos em contato, mas não tivemos o retorno dos familiares. Avaliamos essa falta de retorno como resistência dos familiares em participar das entrevistas e retomar histórias de vida bastante dolorosas. Com respeito à ideação e tentativas de suicídio também prevalecem os homens. Já no caso das ideações e tentativas a amostra foi intencionalmente composta por igual número de homens e mulheres para efeitos comparativos.

Com respeito à perspectiva de gênero observa-se a prevalência de famílias de contornos tradicionais. Histórias de vida revelam homens de postura inflexível e pensamento rígido em relação ao gênero. Figuras patriarcais, cujas esposas e filhos são subjugados aos seus desejos. Diversos conflitos conjugais resultam, muitas das vezes, de traição amorosa, da não aceitação da separação conjugal, e da recusa em admitir a autonomia da esposa. Os homens idosos se consideram os principais mantenedores da família, de modo que a perda ou manutenção do trabalho se relaciona intrinsecamente à posição que o idoso ocupa no seio da família.

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O peso relativo de uma postura rígida de gênero vulnerabilizando os homens pode ser visto em diversos casos. Segundo relato de uma entrevistada, filha de idoso (80 anos) que se suicidou: “Meu pai era uma pessoa muito apagada, a minha mãe esvoaçante... Ele não aceitou a separação... Ficou apagado”. Relata como o pai reprovava a conduta social e alegre da esposa, que, segundo ele, não convinha a uma “mulher de respeito”. Sua contrariedade o levou a abandonar a esposa com filhos pequenos e rachar a família tentando incessantemente puni-la e fazê-la voltar. Até o fim da vida não aceitou a separação.

Em outro caso de suicídio encontramos o idoso (60 anos) que, conforme a esposa entrevistada relata, era homem “muito orgulhoso, posudo, bonitão” que perdeu emprego tardiamente na vida sem ter direito à aposentadoria com a qual esteve contando. O acúmulo de responsabilidades financeiras e a falta de oportunidades de recolocação profissional o colocaram num impasse, sem conseguir manter sua posição de provedor da família, como sempre havia feito muito bem; nem manter sua posição de prestígio profissional.

Com relação às ideações e tentativas de suicídio as determinações de gênero aparecem de modos um tanto distintos. Mulheres aprisionadas em funções de cuidado da casa, dos filhos e do marido, marcadas pela pobreza e amordaçadas pelo silenciamento de seus desejos. Como se pode ver no caso da idosa (64 anos), cujo marido é caminhoneiro e alcoólatra. Para evitar que se acidentasse, ela, ocasionalmente, além de suas atribuições no cuidado de 5 filhos, precisava sair de viagem e acompanhá-lo. Até hoje a família legitima essa sua responsabilidade quanto à vigilância do marido insistindo: “vai mãe, a senhora não pode deixar o pai sozinho...”. Sua principal queixa é nunca ter tido qualquer espaço de realização pessoal, nunca ter experimentado a sensação de fazer algo por si mesma.

As estatísticas gerais, segundo levantamento do total de casos de sujeitos idosos que morreram por suicídio entre 2005 a 2011 (conforme Sistema de Informação de Mortalidade SIM/Fundação de Vigilância da Saúde do Amazonas), indicam a predominância dos homens entre as pessoas que morreram por suicido (no interior 7:1 e na capital 22:2). Em quase todo o mundo os homens são mais vulneráveis à morte autoinfligida e as causas desse viés de gênero são muitas: retirada do emprego, onde eles configuraram sua identidade enquanto cidadãos e trabalhadores e construíram relações pessoais que deixam de existir ou diminuem quando se aposentam; incapacidade de adaptação à nova situação, em que seriam importantes alternativas de atividades e identificação; viuvez em que fica evidente a dificuldade masculina de adaptação no microuniverso familiar; doenças incapacitantes e degenerativas, sobretudo as que acometem o aparelho reprodutor masculino; sentimentos de inutilidade na vida, entre outros (Minayo, Meneghel, & Cavalcante, 2012).

No grupo estudado prevalecem as pessoas viúvas e separadas (54%) e as casadas (45%). Sobretudo, para os homens idosos, a perda de pessoas importantes como marido, mulher ou filhos e história de outros suicídios ou tentativas de morte na família são um forte elemento de vulnerabilidade (Figueiredo et al., 2012; Silva et al., 2015).

A religião católica aparece como principal denominação de adesão das pessoas entrevistadas (54,5%), seguida pelas que não têm religião alguma. Embora importante no contexto existencial, nem sempre a religião protege a família e o idoso e isso se observa nas falas deles próprios, a falta de apoio para os momentos críticos que vivenciaram.

A maior parte dos idosos tem escolaridade mínima, curso fundamental completo ou incompleto (45,5%) e desenvolve atividades profissionais pouco especializadas (81,8%). Em toda a pesquisa da qual este estudo faz parte, observamos que tanto os homens como as mulheres com comportamento suicida apresentaram baixa escolaridade (Cavalcante & Minayo, 2012, 2015).

A renda dos idosos cujas histórias aqui são contadas, em sua maior parte provem da aposentadoria (54,5%) ou do benefício de prestação continuada, um abono de um salário mínimo que o governo oferece aos idosos sem recursos de outras fontes; parte significativa deles, porém, não tem recursos assegurados (18,2%) vivendo do apoio financeiro dos parentes. Observa-se no caso brasileiro, que as pessoas idosas mais fragilizadas e vítimas de comportamento suicida são as mais dependentes financeira, física ou mentalmente (Cavalcante & Minayo, 2012, 2015).

O número de filhos dos idosos estudados indica a predominância de famílias numerosas (54,5% com cinco ou mais filhos); que, ao mesmo tempo, não conseguem prover cuidados e acompanhamento necessário aos familiares mais velhos. Uma das maiores queixas das pessoas idosas com persistentes ideações ou que tentaram se matar é o isolamento e a solidão em que vivem, mesmo quando rodeadas de famílias: não lhes atenção ou são negligentes com suas necessidades (Figueiredo et al., 2012; Silva et al., 2015).

O grupo aqui analisado mora predominantemente em área urbana (91%), e tem casa própria (100%). No período que vai de 2005 a 2011, a secretaria de estado saúde de saúde do Amazonas registrou 24 casos de suicídio na capital, Manaus, contra oito distribuídos em diversos municípios do interior. Os registros de tentativas, quando ocorrem, são de mais difícil acesso e reconhecimento.

Em todas as situações verificadas por nós, as pessoas idosas tiveram acesso a serviços de saúde, em especial aos de atenção básica. Em alguns casos, elas receberam cuidados psiquiátricos, estavam com acompanhamento médico e padeciam de diversas comorbidades (cardíacas, respiratórias, motoras, mentais, e outras) associadas a um estado de depressão médio ou severo. Apesar de terem acesso formal aos serviços de saúde, observamos também que os profissionais, por falta de uma orientação específica, têm falhado em detectar e acompanhar de forma eficiente esses idosos em risco para suicídio.

DISCUSSÃO

A abordagem qualitativa mostrou que, tanto no caso dos suicídios consumados cujas circunstâncias foram relatadas pelos familiares, como no comportamento suicida narrado pelos próprios idosos, esses velhos são pessoas tristes, consideradas difíceis de serem suportadas, com quadros dolorosos e debilitantes e que manifestam perda do sentido da vida. Por sua vez, nas suas famílias e na sociedade prevalecem percepções da velhice como momento de estagnação, de perdas e de inutilidade. Ou seja, é como se houvesse por parte do próprio idoso e dos que o cercam, uma esfera lúgubre e sombria que prenuncia a morte.

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Encontramos, tanto nos casos de suicídios consumados como em casos de ideação persistente e tentativas de suicídio, um quadro de altíssima vulnerabilidade social. O tipo ideal que emerge dessa análise é o idoso de gênero masculino, está na primeira fase do envelhecimento, é casado ou separado, de religião católica, baixo nível escolar e baixo rendimento familiar, tem vários filhos, mora em área urbana, em casa própria.

Gênero é uma variável importante nas análises de suicídio consumado, mas também como vimos, em casos de ideações e tentativas de homens e mulheres. Identificam-se nos casos, para os homens as perdas de papéis sociais (trabalhador, mantenedor, marido, pai e avô); e para as mulheres, de um lado, a imposição de uma sobrecarga de trabalho e responsabilidades de infindáveis cuidados; e, de outro, a desafirmação pela família do espaço de realização pessoal. Em ambos os casos aspectos de gênero contribuem para o não reconhecimento familiar e social do sujeito e suas necessidades profundas. Essas questões, sem dúvida, fragilizam a identidade de gênero, contribuindo para a ideação, tentativa e consumação do ato suicida.

REFERÊNCIAS

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Maia, G. F. (2008). Corpo e velhice na contemporaneidade. Estudos e Pesquisas em Psicologia, 8, 704-711.

Minayo M. C. (2015). O desafio do conhecimento: Pesquisa qualitativa em saúde (14ª ed.). São Paulo: Editora Hucitec.

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