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Estresse cotidiano e coping em preadolescentes no Nordeste do brasil: Estudo qualitativo

DESIRÉE ABREU (*) CARME MONTSERRAT (*) FERRAN CASAS (*) FERRAN VIÑAS (*) MÒNICA GONZALEZ-CARRASCO (*) STEFANIA ALCANTARA (*)

Lazarus (1999) introduz a ideia de “acontecimentos menores” em sua definição de estresse para referir-se aos eventos cotidianos percebidos como estressantes. As contrarie - dades ou hassles, também chamados de micro-estressores diários, por serem mais frequentes e menos notórios que os eventos maiores, induzem menos as ações compensa - tórias o que poderia torná-los fontes maiores de estresse, quando comparados aos eventos vitais (Kanner, Coyne, Schaefer, & Lazarus, 1981). O efeito acumulativo de experiências cotidianas negativas, aparentemente de pouco importância, é considerado um importante preditor de problemas de saúde (Sandín, 2003).

Crianças são mais vulneráveis às condições adversas que os adultos, de maneira que a qualidade do ambiente físico e social em que crescem, afeta diretamente seu desenvolvi - mento, aprendizagem, competência social e comportamento (Assis, Avanci, & Oliveira, 2009). Uma investigação com alunos de escolas públicas em Brasil encontrou associações entre consumo de bebidas alcoólicas e uso de drogas e indicadores de estresse psicossocial (Carvalho, Barros, Lima, Santos, & Melo, 2011).

Os estressores cotidianos infantis estão presentes nos âmbitos: familiar (conflitos familiares, separações), escolar (dificuldades de aprendizagem, mudanças de escola), comunitário (violência nobairro) e social (pobreza, discriminação e exclusão social). Entre as variáveis que estão relacionadas com a percepção doestresseestãoo gênero, a idade, a personalidade, os fatores de proteção e de risco e as estratégias de enfrentamento (coping), entre outros. Estas são definidas como sendo esforços cognitivos, comportamentais e emocionais que o sujeito faz na tentativa de superar as situações estressantes vividas (Trianes, 2002). Ryan-Wenger (1992) enfatiza a necessidade de desenvolver-se uma teoria de estresse-coping específica para a infância, considerando que os estressores das crianças não são os mesmos dos adultos e se referem a situaçõescom pais, professores e amigos, ou ainda a condições socioeconómicas e ambientais desfavoráveis, que estão fora de seu

(*)Institut de Recerca Qualitat de Vida, Universitat de Girona, España. Actas do 11º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde

Organizado por Isabel Leal, Cristina Godinho, Sibila Marques, Paulo Vitória e José Luís Pais Ribeiro 2016, Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde

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controle direto. Para compreender-se a adaptabilidade dos estilos e estratégias de enfrenta - mento ao estressena infância e adolescência énecessário se ter em conta o contexto social e a situação de dependência da criança em relação aos adultos (Compas, 1987). Por vezes, as estratégias chamadas “de evitação” ou aquelas “centradas na emoção” podem funcionar como adaptativas quando, por exemplo, a criança não pode interferir ou mudar a situação estressante; ou ainda, quando esta lhe evoca intensas emociones (Kliewer, 1991). Em Brasil, investigações anteriores demostraram haver relações significativas entre o âmbito em que ocorre o evento estressor (casa, escola, etc.), o tipo de interação (com pares ou adultos) e as estratégias elegidas pelas crianças e adolescentes (Dell’Aglio & Hutz, 2002).

As estratégias de enfrentamento utilizadas por crianças e adolescentes para lidar com o estresse tanto podem moderar o impacto dos eventos estressores aumentando o bem-estar subjetivo e a qualidade de vida quando são produtivas (Frydenberg & Lewis, 2009), como podem estar associadas à inadaptação socioemocional (Escobar, Trianes, Fernandez-Baena, & Paéz, 2010), comportamento de risco (Morais et al., 2012), baixo rendimento escolar (Busnello, Schaefer, & Kristensen, 2009) e desenvolvimento de psicopatologias (Viñas, González, García, Jane, & Casas, 2012), no caso das estratégias improdutivas. Estudos que investigam a relação entre estresse, coping e bem-estar subjetivo na infância e adolescência além de apontar que o estresse interfere no bem-estar das crianças e adolescentes, também demonstram que as estratégias de coping utilizadas mudam de acordo com a idade e o género dos participantes (Viñas, González, García, Malo, & Casas, 2015).

No Brasil as investigações sobre estresse e coping existentes se centram no sul do país e em sua maioria utilizam metodologia quantitativa, contemplando populações clínicas ou em situação de vulnerabilidade social. Desconhecemos até o presente momento estudos com amostras de população geral do nordeste do Brasil que busquem investigar as estratégias de enfrentamento ao estresse cotidiano, através de uma abordagem qualitativa, e desde a perspectiva das próprias crianças e adolescentes.

O objetivo da pesquisa é conhecer os principais eventos estressores presentes no cotidiano dos pré-adolescentes participantes, bem como as estratégias utilizadas por eles para enfrentar a situação de estresse cotidiano vivenciada.

MÉTODO Participantes

Participaram deste estudo 150 escolares, 75 meninos e 75 meninas, de 10 a 15 anos, alunos do 6º e 7º ano de escolas públicas e privadas, de zonas urbanas e rurais do Ceará (Brasil). Foram selecionadas por sorteio 8 escolas: 4 públicas e urbanas, 2 públicas e rurais e 2 privadas e urbanas, de 4 municípios distintos, incluindo a capital do estado; conside - rando a proporção de distribuição das escolas no território. O presente estudo corresponde a parte qualitativa de uma pesquisa mais ampla que envolve metodologias quantitativa e

qualitativa, tendo utilizado como técnica de seleção de amostraa técnica aleatória por conglomerados em duas etapas, selecionando-se primeiro a escola e em seguida o ano escolar. Os critérios de inclusão das escolas foram: a quantidade de alunos matriculados em cada série (superior a 160 alunos), e a distância geográfica entre o município e a capital do Estado (raio máximo de 100 km).

Material

A metodologia adotada foi qualitativa com a realização de 15 grupos de discussão (Ibáñez, 1979). Partimos de um roteiro semiestruturado contendo um primeiro bloco de perguntas sobre eventos estressores, um segundo bloco sobre estratégias de enfrentamento e uma parte final sobre as relações entre o tipo evento estressor e a eleição da estratégia de enfrentamento utilizada.

Procedimentos

Esta investigação é cadastrada na Plataforma Brasil de Pesquisa Científica, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Fortaleza (Protocolo n. 545105). Foram respeitados os aspectos éticos e legais de pesquisas que envolvem seres humanos, crianças e adolescentes (Resolução 466/12 − Conselho Nacional de Saúde).

Os gestores das escolas participantes assinaram oTermo de Concordância Institucional. Foi necessária a autorização prévia por escrito dos pais/responsáveis legais (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e alunos (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido), com solicitação expressa de registro de voz (gravação). Para garantir o sigilodurante o debate grupal os participantes elegeram nomes fictícios.

Os grupos de discussão foram realizados nas escolas, nos meses de maio e junho de 2014, durante o horário escolar (turnos manhãe tarde), com duração aproximada de 50 minutos e participação de 6 a 12 alunos, de ambos os sexos, separados por ano escolar. Estiveram presentes duas pesquisadoras, uma responsável por dirigir o debate e outra por observar e registrar informações consideradas relevantes. Os grupos de discussão foram gravados e os áudios transcritos e analisados através da técnica de análise de conteúdo seguindo os passos propostos por Bardin (1979) nas três fases de: pré-análise, exploração do material e tratamento, inferência e interpretação dos resultados; sendo o material textual avaliado por dois juízes independentes. Durante todo o processo foram garantidos o anonimato e a confidencialidade.

RESULTADOS

Os resultados apresentados seguem a mesma sequência dos temas explorados nos grupos de discussão explicados anteriormente (instrumentos). Reserva-se para futuros

ESTRESSE COTIDIANO E COPING EM PREADOLESCENTES NO NORDESTE DO BRASIL: ESTUDO QUALITATIVO

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estudos as discussões das diferenças de percepções dos participantes relacionadas a idade, contexto e territorialidade da escola.

Eventos Estressores Cotidianos

As definições de estresse foram agrupadas em cinco categorias: afetos negativos (“ficar chateado, nervoso, irritado, descontrolado, triste”), sintomas físicos (“a gente fica dor de cabeça, de pressão alta”), fixação em uma ideia o problema (“muitas preocupações, ficar pensando muito em uma coisa, querer tirar um problema da cabeça ele não sai”), evento estressor (“quando acontecem coisas ruins que nós deixaindignados”) e relações conflitivas (“quando alguém faz alguma coisa que a gente fica com raiva”). Os eventos estressores cotidianos foram classificados de acordo com o âmbito em que ocorrem e as categorias identificadas foram: familiar (estressores ocorridos em casa e nas relações com pais, irmãos e demais familiares), escolar (relações com colegas, professores e questões referentes ao processo de ensino e aprendizagem), comunitário (envolvendo vizinhos, amigos e conhecidos), pessoal (situações relacionadas àsaúde, baixa autoestima, insatisfação com a imagem corporal, etc.). Os principais estressores cotidianos vivenciados no âmbito da família e relatados pelos participantes foram: as brigas com os irmãos, ter que obedecer aos pais, privações (falta de liberdade) e punições, solidão ou isolamento social, preocupações financeiras, doença na família e responsabilidades precoces. No âmbito escolar os principais estressores relatados foram: conflitos com os colegas, privações e punições, baixo rendimento acadêmico, tarefas escolares em excesso. No âmbito comunitário o principal evento estressor identificado foi o termino de namoro ou amizade com vizinhos. Os estressores cotidianos relatados no âmbito pessoal foram: falta de liberdade de expressão, dificuldades no acesso ou uso das tecnologias digitais, insatisfação com a aparência física, frustrações e atividades consideradas entediantes.

Estilos e Estratégias de Enfrentamento do Estresse Cotidiano

Através da análise de conteúdo das respostas apresentadas pelos participantes e tendo como referência a classificação adotada por Ryan-Wenger (1990) agrupamos as estratégias de coping em três estilos: estratégias de distração cognitiva ou comportamental; estratégias ativas direcionadas a solucionar o problema; e estratégias de acting out ou de exteriorização de afetos negativos. Analisamos ainda, as diferenças em relação às estratégias utilizadas em função do sexo dos participantes e do tipo de interação, relação com pares ou com adultos. Segundo as meninas as principais estratégias de distração relatadas foram: ouvir música, ler, comer ou beber em excesso, brincar com o animal de estimação, sair de passeio à praia. Entre os meninos as estratégias de distração mencionadas foram: jogar bola ou ocupar-se brincando ou fazendo esporte, comer ou dormir em excesso, escutar música. Como estratégias ativas para lidar com o problema ou controlar a emoção evocada as meninas citaram: isolar-se, chorar, desabafar nas redes sociais, falar com alguém buscando ajuda e tentar relaxar mantendo a calma. Os meninos

por sua vez, relatam como estratégias ativas: isolar-se, tentar esquecer, pedir desculpa e dizer a verdade, tentar relaxar mantendo a calma. Como estratégias consideradas de acting out tanto meninas como meninos relatam: gritar, brigar, ficar furioso, quebrar coisas e implicar com alguém, com a diferença que os meninos descrevem mais envolvimento em brigas e as meninas, atitudes de gritar e quebrar coisas como as mais frequentes.

Evento Estressor e Estratégia de Enfrentamento

Quando o evento estressor é vivido com pares é frequente a utilização da estratégia de acting out (brigar ou quebrar coisas), o que segundo os participantes ocorre menos na interação com adultos por respeito ou medo das punições. Com os pares também é frequente uso de estratégias ativas (isolar-se, buscar ajuda, ver o problema de forma positiva e tentar relaxar mantendo a calma), não havendo sido relatadas estratégias de distração. Na interação com adultos as estratégias utilizadas são: distração cognitiva ou comportamental (realizar atividades físicas ou de ócio,ver televisão ou ouvir música, tentar esquecer, dormir, pensar em coisas boas), ativas (ver o problema de forma positiva, isolar-se e buscar ajuda) e por último deacting out (ficar furioso), nesta ordem.A eficácia das estratégias de enfrentamento foi analisada pedindo aos participantes que descrevessem as estratégias consideradas como, positivas enegativas. As estratégias consideradas como negativas são do tipo acting out e contemplam: brigar, quebrar coisas, ficar furioso e gritar, sendo estas duas últimas também consideradas positivas, por alguns participantes. As estratégias consideradas comopositivas foram: ativas (buscar ajuda, fazer alguma coisa pra resolver o problema, ver o problema de forma positiva, pedir desculpa e dizer a verdade, isolar-se, chorar, tentar relaxar, mantendo a calma e tentar esquecer) e distração (comer e beber, ouvir música, desenhar, jogar, brincar ou passear, fazer uso de TICs).

DISCUSSÃO

Um estudo anteriorencontrou eventos estressores similares presentes no cotidiano de crianças e adolescentes brasileiros, sobretudo nos âmbitos familiar e escolar (conflitos com pais, irmãos e colegas; privações e punições; dificuldades de aprendizagem e pressões acadêmicas) (Kristensen, Leon, D’Incao, & Dell’Aglio, 2004).De maneira geral, meninos e meninas relatam estressarem-se com eventos cotidianos similares, havendo uma diferenciaem função do sexo apenas relacionadaaos estressores de ordem pessoal que afeta mais as meninas, o que corrobora investigações em Espanha sobre bem-estar subjetivo infantil que demostram que adolescentes do sexo feminino são menos satisfeitas consigo mesmas, com sua aparência e liberdade, quando comparadas aos do sexo masculino (Casas, Bello, González, & Aligué, 2013). Quanto as diferencias em função do sexo na utilização das estratégias de enfrentamento, vemos que as meninas utilizam mais estratégias de acting

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out do tipo agressão verbal ou relacional, enquanto os meninos exteriorizam emoções negativas de forma mais direta; sobretudo nas brigas com pares. Temos ainda, que as meninas utilizam estratégias ativas mais focadas na expressão das emoções e estratégias de distração mais passivas, enquanto os meninos buscam distrair-se fazendo uso do corpo em atividades físicas; achados estes que coincidem com investigações anteriores (Viñas et al., 2012). Quanto à eficácia das estratégias de coping, os adolescentes investigados são conscientes que as estratégias ativas ou de distração são mais positivas, contudo, relatam fazer uso de estratégias de acting out em muitas situações estressantes, sobretudo na interação com pares, o queestá demostrado por Dell’Aglio e Hutz (2002).

O desenvolvimento de crianças e adolescentes em ambientes estressores, associado à inabilidade em desenvolver estratégias de enfrentamento eficazes, configura-se como um fator de risco. Poder identificar os eventos estressantes cotidianos que incidem negativamente nos contextos de desenvolvimento infantil (familiar, escolar e comunitário), conhecendo as estratégias utilizadas pelas crianças e adolescentes para enfrentar tais estressores, contribui a pensar intervenções na prevenção e promoção de saúde e qualidade de vida na infância e adolescência.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- Brasil. Desirée Pereira de Abreu, Bolsista do Programa de Doutorado Pleno no Exterior CAPES (Processo nº BEX 0715.13.1). Stefania Carneiro de Alcantara, Bolsista do Programa de Doutorado Pleno no Exterior CAPES (Processo nº BEX 0717.13.4).

REFERÊNCIAS

Assis, S. G., Avanci, J., & Oliveira, R. V. C. (2009) Desigualdades socioeconômicas e saúde mental infantil. Revista de Saúde Pública, 43, 92-100. doi.org/10.1590/S0034- 89102009000800014

Bardin, L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

Busnello, F. B., Schaefer, L. S., & Kristensen, C.H. (2009). Eventos estressantes e estratégias de coping em adolescentes: Implicações na aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional, 13, 315-323. doi.org/10.1590/S1413-85572009000200014

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