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Intervenções dirigidas ao conflito e mudança no funcionamento defensivo em psicoterapia

ANTÓNIO PAZO PIRES (*)

CARLO PATRÃO (*)

RUI SANTOS (*)

Os mecanismos de defesa (MDs) e o conflito intrapsíquico são dois conceitos centrais na abordagem psicanalítica à compreensão clínica da psicopatologia (Gabbard & Westen, 2003; Kernberg, 2005; Perry & Copper, 1989; Perry & Perry, 2004). As intervenções terapêuticas que abordam o funcionamento defensivo do paciente e que identificam os temas de conflito intrapsíquico recorrentes na sua história pessoal têm sido consideradas importantes fatores de mudança em psicoterapia (Gazzillo et al., 2014; Lingiardi, 2013; Olson, Perry, Janzen, Petraglia, & Presniak, 2011; Wallerstein, 1994).

A qualidade e precisão das intervenções terapêuticas, isto é, o grau em que uma intervenção é coerente com uma formulação psicodinâmica sobre o paciente, tem sido estudada empiricamente em relação a variáveis como os conflitos relacionais do paciente (Crits-Christoph, Luborsky, & Cooper, 1988), o processo de transferência (Høglend, 1993; Joyce & Piper, 1993; Piper, Joyce, McCallum, & Azim, 1993; Ulberg, Amlo, Critchfield, Marble, & Høglend, 2014) e as defesas do paciente (Junod, de Roten, Martinez, Drapeau, & Despland, 2005; Winston, Samstag, Winston, & Muran, 1994). Contudo, poucos estudos têm descrito empiricamente as relações existentes entre as intervenções psicoterapêuticas dirigidas ao conflito intrapsíquico e os seus efeitos em produtos ou processos psicoterapêuticos como o funcionamento defensivo.

Até à data, os escassos estudos a abordarem o conflito intrapsíquico e o funcionamento defensivo pretenderam determinar a função descriminante destes dois constructos psicodinâmicos na identificação de diferentes perturbações da personalidade e do humor (Perry & Cooper, 1986; Perry & Perry, 2004; Perry & Presniak, 2013). Num estudo de Perry e Cooper (1986) foram identificados clusters de defesas (DMRS) e de conflitos (Psychodynamic Conflict Rating Scales) específicos às perturbações borderline (PBP), antissocial, bipolar do tipo II e depressão crónica. Os autores verificaram que a PBP se encontrava correlacionada com os conflitos de (1) experiência e expressão de necessidades emocionais e raiva, (2) separação-abandono, (3) inibição geral de gratificação, (4) necessidade do objeto e (5) medo de fusão e predomínio de defesas de ação. A depressão crónica observou-se estar associada a defesas de desvalorização, agressão passiva e

(*)ISPA – Instituto Universitário, Lisboa, Portugal.

Actas do 11º Congresso Nacional de Psicologia da Saúde

Organizado por Isabel Leal, Cristina Godinho, Sibila Marques, Paulo Vitória e José Luís Pais Ribeiro 2016, Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde

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hipocondria (rejeição de ajuda) e correlacionada com o conflito de inibição geral de gratificação. Em relação à perturbação narcísica da personalidade, Perry e Perry (2004) encontraram correlações positivas com conflitos como a rejeição do outro, ambição- realização, contra-dependência e com defesas como a omnipotência, desvalorização, fantasia autística e projeção. Bloch, Shear, Markowitz, Leon e Perry (1993) ao estudarem o funcionamento defensivo de pacientes com perturbação distímica e pacientes com perturbação de pânico, concluíram que os pacientes distímicos diferenciavam-se pelo uso de defesas que favoreciam a externalização do conflito (projeção), tendendo a sentirem-se impotentes face ao conflito (agressão-passiva) exigindo a intervenção de terceiros na sua resolução (hipocondria).

O único estudo a relacionar intervenções dirigidas ao conflito com uma medida de funcionamento defensivo geral (DMRS-ODF) foi elaborado por Stigler, de Roten, Drapeau e Despland (2007), a uma amostra de 29 pacientes numa investigação psicodinâmica breve (4 sessões) (Gilliéron, 1998) a partir da criação de uma medida de intervenção dirigida ao conflito calculada pela razão entre o CCRT (Core Conflitual Relationship Theme; Luborsky, 1998) do paciente e o CCRT do conteúdo das intervenções do terapeuta. Verificou-se que o tipo de conflito predominante na amostra era do tipo desejo-desejo (conflito entre dois desejos), tendo sido abordado por 58,4% das intervenções dirigidas ao conflito. Contudo, estas intervenções não produziram efeitos detetáveis nas medidas de sintoma (SCL-90-R), de adaptação social (SAS), nem na medida funcionamento defensivo do paciente (ODF).

A teoria de mudança em psicoterapias de inspiração psicanalítica tem enfatizado o papel dominante das intervenções dirigidas aos conflitos inconscientes como a base para mudanças estruturais na personalidade e melhoramento sintomático (Wallerstein, 1994). Perry e Henry (2004) apresentaram como potencial via de futuras investigações com o DMRS a associação entre o funcionamento defensivo momento-a-momento e as intervenções terapêuticas que abordassem o conflito adjacente à resposta defensiva. Porém, a investigação empírica ainda não estabeleceu associações entre este tipo de intervenção e os seus efeitos no funcionamento global de pacientes.

A presente investigação tem como principal objetivo estudar as relações existentes entre as intervenções dirigidas ao conflito intrapsíquico de duas pacientes em psicoterapia de inspiração psicanalítica e as mudanças operadas no funcionamento defensivo nos momentos (in session) que precedem e sucedem a intervenção. Em paralelo, pretendemos verificar se as mudanças operadas no funcionamento defensivo das duas pacientes seguem as 2 hipóteses principais apresentadas por Perry, Petraglia e Olson (2012) e que têm vindo a acumular evidência empírica em vários estudos (Hersoug, Sexton, & Høglend, 2002; Kramer, Despland, Michel, Drapeau, & de Roten, 2010; Perry, Beck, Constantinidès, & Foley, 2009; Perry & Bond, 2012). Pretendemos verificar se existe de um aumento geral do ODF ao longo da psicoterapia e diminuição da variabilidade de MDs e uma melhoria do funcionamento defensivo seguindo a hierarquia dos níveis defensivos (stepwise).

MÉTODO Participantes

A paciente E tem 45 anos, é casada, tem três filhas e encontra-se desempregada. A paciente F tem 50 anos de idade quando inicia a psicoterapia. É divorciada, está desempregada e vive sozinha.

Terapeutas: A psicoterapia das pacientes E e F foi conduzida por duas terapeutas distintas, ambas formação em Psicologia Clínica, realizaram a sua psicanálise pessoal, têm 4 anos de experiência clínica, uma tem formação em psicoterapia e a outra não.

Terapia: As psicoterapias são de inspiração psicodinâmica não manualizadas e foram conduzidas na Clínica Universitária do ISPA com uma frequência semanal e sessões com uma duração média de 50 minutos. A paciente E realizou 80 sessões psicoterapêuticas durante cerca de 2 anos e meio. A paciente F realizou 76 sessões psicoterapêuticas durante cerca de 2 anos e meio.

Instrumentos

Defense Mechanism Rating Scales O Defense Mechanism Rating Scales, 5ª edição (Perry, 1990) é um manual que apresenta um método quantitativo e qualitativo de guia à inferência clínica de MDs, via juízes externos, a partir do qual é derivado o Eixo Provisório de Defesas apresentado no Apêndice B da DMS-IV (APA, 1994). O DMRS contém a descrição e modo de funcionamento de 28 MDs, dois dos quais estão subdivididos de acordo com o objeto da defesa ser o “eu” ou o “outro” (desvalorização da imagem de si ou do outro, idealização de si ou do outro), perfazendo um compêndio total de 30 MDs. As 30 defesas encontram-se distribuídas por 7 escalas sumárias (estilos defensivos) conceptualmente e empiricamente relacionadas pelo seu grau de adaptabilidade (Guldberg, Hoglend, & Perry, 1993) que incluem o nível defensivo adaptativo (7), obsessivo (6), neurótico (5), narcísico (4), de evitamento (3), borderline (2) e de ação (1). Em adição, Vaillant (1992) correspondeu os presentes níveis defensivos a 3 categorias gerais de defesas: as defesas maduras (nível 7), as defesas neuróticas ou intermédias (nível 5-6) e as defesas imaturas (nível 1-4).

O método quantitativo do DMRS baseia-se na obtenção de três medidas de proporção contínuas: (a) a pontuação de defesas individuais que corresponde à percentagem de cada defesa calculada pela frequência que uma defesa é identificada sobre o número total de defesas identificadas na sessão, (b) pontuação do nível defensivo, equivalente ao cálculo da proporção de cada nível defensivo, (c) e o Overall Defensive Functioning (ODF), medida obtida pelo quociente entre a soma do número de defesas por cada nível defensivo multiplicada pela sua ponderação hierárquica (de 1 a 7) e o número total de defesas por sessão. O valor de ODF varia entre 1 a 7 indicando o nível de adaptabilidade do funcionamento defensivo. Em geral, o DMRS apresenta boas características psicométricas

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(Perry & Bond, 2012; Perry & Henry, 2004, Hilsenroth, Callahan, & Eudell, 2003; Perry & Henry, 2004; Perry & Hoglend, 1998).

Operationalized Psychodynamic Diagnostics System (OPD2) – Eixo III: Conflito O OPD2 (Operationalized Psychodynamic Diagnostics System) é um sistema de classificação e de diagnóstico psicodinâmico multiaxial organizado em cinco eixos: (1) experiência de doença e pré-requisitos para tratamento, (2) padrões disfuncionais em relações interpessoais, (3) conflitos inconscientes, (4) estrutura e (5) perturbações mentais e psicossomáticas (Ristl & von der Tann, 2008). Este instrumento tem como principal finalidade servir como guia à elaboração de um diagnóstico psicodinâmico que permita o planeamento adequado de um tratamento clínico e que possibilite avaliar mudanças em processos psicoterapêuticos (Cierpka, Grande, Rudolf, von der Tann, & Stasch, 2007).

Na presente investigação, o OPD2 foi utilizado como guia à identificação dos conflitos principais das pacientes E e F através da sua conceptualização de conflito apresentada no eixo III. O eixo III do ODP2 distingue 7 tipos de conflitos: (1) dependência vs. autonomia, (2) submissão vs. controlo, (3) desejo de cuidar vs. autossuficiência (4), conflitos de valorização pessoal, (5) conflito de culpa (auto-culpabilização, sacrifício vs. acusar o outro e egoísmo), (6) conflito edipiano (7) conflito de identidade (sentimento crónico de falta de identidade vs. compensação ativa de inseguranças na identidade). Existe ainda uma categoria conflitual extra que corresponde à limitada perceção do paciente em identificar os seus próprios conflitos e sentimentos (p. ex., pacientes com doenças psicossomáticas). Os sete conflitos do ODP2 são definidos tendo por base uma descrição de tipo-ideal através da qual se pode realizar uma avaliação dimensional tendo em conta a escala de “ausência de conflito, presença não significativa, presença significativa ou presença muito significativa” de conflito (Cierpka et al 2007). Para cada conflito existe uma descrição da sua manifestação em diversas áreas de vida (1) família de origem, (2) família/parceiro, (3) contexto social, (4) trabalho e vida profissional, (5) posses e dinheiro, (6) corpo e sexualidade e (7) doença. O ODP2 define o constructo de conflito intrapsíquico como uma tensão interna entre motivos, desejos, necessidades ou ideias firmemente estabelecidas e diametralmente opostas que persistem por longos períodos de tempo. Esta definição de conflito está ancorada na conceção de que o comportamento humano é constantemente influenciado por processos psicológicos dinâmicos e inconscientes que podem assumir um estado de fixação irresolúvel (Ristl & von der Tann, 2008). O conflito intrapsíquico, segundo o OPS2, pode ainda ser analisado tendo em conta a modalidade passiva ou ativa que traduz a motivação do paciente e a forma como se expressa em diferentes áreas da vida como as relações com a família de origem, emprego/vida profissional, contexto social, área financeira, corpo, sexualidade e doença. Nesta investigação, identificou-se um conflito de “desejo de cuidar vs. autossuficiência” na paciente E e um “conflito de culpa” na paciente F.

RESULTADOS

Médias de incidência de MDs e intervenções dirigidas ao conflito nas duas pacientes Durante a psicoterapia da paciente E foram registadas em média 40,2 MDs por sessão e uma incidência de 11 (máx=20, min=3) intervenções psicoterapêuticas por sessão das quais em média 2,15 (máx=7, min=1) são dirigidas ao conflito intrapsíquico. Na psicoterapia da paciente F registaram-se em média 20,4 MDs por sessão e uma incidência de 49,15 (máx=101, min=13) intervenções terapêuticas por sessão das quais em média 2,6 (máx=6, min=0) são dirigidas ao conflito principal da paciente.

Mudança média de ODF após intervenção dirigida ao conflito tendo em conta as diferentes “áreas de vida”

A terapeuta da paciente E realizou 43 intervenções dirigidas ao conflito intrapsíquico que produziram mudança no funcionamento defensivo. Do total das intervenções dirigidas ao conflito principal da paciente E, verificou-se uma frequência de 16 intervenções dirigidas ao critério geral do conflito de “necessidade de cuidados vs. autossuficiência” (37,20%), 15 dirigidas ao contexto social (34,88%), 6 intervenções relacionadas com o tema da família de origem (13,95%), 5 intervenções associadas à área da família/parceiro (11,67%) e uma intervenção dirigida à temática do corpo/sexualidade (2,32%).

Nos perfis do efeito das intervenções dirigidas às várias áreas do conflito intrapsíquico no funcionamento defensivo (ODF) ao longo da psicoterapia da E verifica-se que as intervenções dirigidas ao conflito “necessidade de cuidados vs. autosuficiência” na sua vertente família de origem provocaram em média uma descida de 0,66 pontos na escala do ODF no início da psicoterapia, estando associadas ao recurso de defesas imaturas. Após um ano, verificou-se uma subida média de 3,33 pontos no ODF, indicando que a paciente passou a lidar com este aspeto do conflito a partir de defesas mais adaptativas. A terapeuta de E deixou de intervir sobre esta vertente do conflito após a subida verificada aos 12 meses. As intervenções de contexto social apresentaram igualmente um efeito positivo crescente no ODF ao longo dos 24 meses de terapia. O conflito na sua manifestação mais conceptual medida pelo critério geral começou a ser abordado pela terapeuta aos 6 meses aumentando o número de intervenções ao longo do tempo. Contudo, verifica-se uma diminuição dos valores médios de ODF, o que significa que a paciente E quando confrontada com o afeto geral produzido pelo conflito principal foi exibindo defesas imaturas. Em relação à temática da família/parceiro de E observa-se uma descida da diferença média de ODF até aos 18 meses, não tendo sido feitas mais intervenções após esse momento. Assim, este aspeto do conflito principal da E. encontrava-se, aos 18 meses, associado a uma resposta defensiva imatura. As intervenções dirigidas à temática do corpo/sexualidade apenas contaram com um incidente provocando um decréscimo de 0,33 pontos no funcionamento defensivo da paciente E. As restante áreas de vida como o

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trabalho/vida profissional, posses /dinheiro e doença não foram alvo de intervenções por parte da terapeuta de E.

Mudança média de ODF após intervenções dirigidas ao conflito tendo em conta as diferentes “áreas de vida”

A terapeuta da paciente F realizou 43 intervenções dirigidas ao conflito com efeito de mudança no funcionamento defensivo da paciente F. Durante a psicoterapia foram explorados 3 áreas do “conflito de culpa” da paciente F: o critério geral do conflito, a manifestação do conflito de culpa na relação com a família de origem e com o emprego/vida profissional. No início da psicoterapia as intervenções que abordam as características de critério geral do conflito de culpa originam uma resposta adaptativa da paciente F, uma vez que existe um aumento médio de 2,16 pontos na escala do ODF após uma intervenção dirigida ao critério geral. Ao longo da psicoterapia as intervenções dirigidas ao critério geral do conflito de culpa produzem respostas defensivas mais adaptativas, sugerindo que a paciente F reconhece os afetos dominantes e o modo de relacionamento subjacente ao conflito de culpa. Aos 18 meses de psicoterapia sempre que a F é solicitada para abordar ou é indicado pela terapeuta o conflito de culpa no domínio da família de origem verifica-se uma resposta defensiva com base em MDs imaturos. O maior decréscimo de ODF médio verifica-se aos 18 meses seguido de uma subida média de 1 ponto na escalda do ODF aos 24 meses. Neste sentido verifica-se uma melhoria defensiva na forma como a F lida com o seu conflito de culpa em relação à sua família de origem. O conflito de culpa associado à área profissional e emprego é abordado pela terapeuta da F aos 6 meses e 12 meses, verificando-se uma melhoria da resposta defensiva de 0,75 pontos aos 6 meses ara 1 ponto de melhoria defensiva na escala do ODF. De uma forma geral, verificou-se uma melhoria defensiva na área da vida profissional e da família de origem. Não se verificou a exploração das manifestações do conflito de culpa da F nas áreas da família/parceiro, contexto social, posses/dinheiro, corpo/sexualidade e doença.

DISCUSSÃO

A presente investigação pretendeu conhecer a relação entre as intervenções terapêuticas dirigidas ao conflito intrapsíquico e o funcionamento defensivo de duas pacientes em psicoterapia de inspiração psicanalítica. Vaillant e McCullough (1998) defendem que a dimensão de funcionamento defensivo e de conflito intrapsíquico deverão ser incorporados no léxico de todos os sistemas de diagnóstico. Porém, a investigação empírica sobre o constructo de conflito intrapsíquico tem sido limitada em fornecer evidências sobre a valência nosológica (Stigler, et al., 2007).

Verificou-se que as intervenções dirigidas ao conflito provocaram quer respostas defensivas adaptativas quer imaturas. Na paciente E verificou-se aos 6 meses um aumento de MDs imaturos após este tipo de intervenção. No entanto, aos 12 meses observou-se em média um efeito de melhoria nas defesas da paciente. Os dois casos estudados apresentam perfis de resposta defensiva distintas face às intervenções dirigidas ao conflito. Será necessário futuras investigações com amostras superiores para se verificarem a existência de padrões comuns no efeito deste tipo de intervenção no funcionamento defensivo, por exemplo, (1) quando é que as intervenções dirigidas ao conflito provocaram um maior efeito na melhoria do funcionamento defensivo, início, meio ou final da terapia? ou (2) será que o efeito das intervenções dirigidas ao conflito nos MDs contribuiu para a variância associada ao perfil de mudança do funcionamento defensivo descrito na literatura (Perry, Petraglia, & Olson, 2012; Perry et al., 2009)?

Ao longo das duas terapias verificam-se períodos em que a direção de mudança dos MDs após as intervenções dirigidas ao conflito se realiza no sentido de uma regressão defensiva. Colocamos a hipótese de que estas intervenções são dirigidas a componentes conflituais inconscientes ou áreas de manifestação do conflito principal associadas a afetos inaceitáveis e não ligadas à representação. Assim, como resposta ao material conflitual não elaborado são usados MDs imaturos como a clivagem, a negação, a identificação projetiva ou a projeção. Se tal se verifica seria de esperar que ao longo de uma psicoterapia o processo de working through permitiria que as pacientes desenvolvessem uma maior consciencialização das diferentes facetas e manifestações do seu conflito principal e conseguissem progressivamente manejar o conflito intrapsíquico com o recurso a defesas maduras. A conceptualização do constructo de conflito pelo OPD2 permite que para cada um dos 7 conflitos principais descritos no instrumento se possam identificar as várias áreas em que o conflito se manifesta como a família de origem, família/parceiro, contexto social, vida profissional, posses/dinheiro, doença etc. Tendo em conta esta divisão do conflito por contextos de atuação foi possível efetuar-se uma leitura mais fina das intervenções dirigidas ao conflito intrapsíquico. Na paciente E, o domínio de conflito família de origem produz um efeito de regressão defensiva até aos 6 meses de psicoterapia. Aos 18 meses verifica-se um aumento do funcionamento defensivo médio em 3,33 pontos na escala de ODF. Para este domínio do conflito identificou-se um melhoramento do funcionamento defensivo progressivo ao longo do tempo. No momento em que a intervenção dirigida ao conflito na sua vertente família de origem atinge uma melhoria de 3,33 pontos, a terapeuta deixa de intervir nessa área do conflito passando a centrar-se noutras áreas como o contexto social, o critério geral e família/parceiro. Nesta última área verificamos uma progressão no sentido oposto. A E. no início da psicoterapia referia-se ao parceiro utilizando maioritariamente a defesa de idealização do outro (nível 4, expresso em frases como “tenho um marido maravilhoso”). Após os 18 meses a terapeuta inicia a exploração dos elementos desorganizadores da relação de F com o marido (“está a viver uma situação relativamente infeliz com o seu marido…é difícil tê-lo cá?”) provocando respostas defensivas mais imaturas através do uso de defesas como a racionalização e agressão passiva. Em relação, à manifestação do conflito de culpa da F na relação com o seu companheiro existe a dificuldade de responsabilização do marido e continua a existir um autossacrifício e

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acumular de culpa por parte da F. O afeto negativo sentido pela F não se encontrada ligado à sua representação, possivelmente por ainda permanecer inconsciente.

Ao longo da psicoterapia a terapeuta de E demonstrou estar em sintonia com as respostas defensivas dadas pela paciente após as intervenções dirigidas ao conflito. A terapeuta parece usar os MDs como marcos ou guias no processo terapêutico para efetuar escolhas sobre o foco conflitual a explorar e para inferir se os componentes anteriormente inconscientes são aceites e elaborados pela paciente. Pode-se observar um padrão semelhante na terapia da paciente F, na qual o conflito de culpa na vertente da família de origem apresentou um efeito regressivo no ODF até aos 18 meses de psicoterapia passando aos 24 meses a estar associado com a ocorrência de MDs mais adaptativos. Poderemos inferir que esta paciente apenas no final de dois anos de psicoterapia conseguiu lidar de forma adaptativa com o conflito de culpa que sentia em relação ao seu irmão e à sua mãe.

Ambas as terapeutas realizam intervenções dirigidas ao conflito tendo em conta um número limitado de áreas de manifestação do conflito principal. Existem áreas de conflito que não originam intervenções como por exemplo, o corpo/sexualidade (com apenas uma intervenção), posses/dinheiro e doença. Em futuros estudos, poderão ser comparados as

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