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Como rapidamente exposto no capítulo anterior, quando aproximamos a indústria da RV e dos videogames, a partir de 1996, a expectativa sobre a RV começa a decair em razão da insuficiência com que as tecnologias eram apresentadas. Isso levou ao processo de encerramento de importantes empresas do setor. A primeira década dos anos 2000, chamado pelo pioneiro Tom Furness como “o inverno da RV” (DELANEY, 2014; JERALD, 2016, p. 27), será marcada pela desistência de tentativas de produção para o mercado consumidor e do retorno aos laboratórios:

Embora houvesse pouca atenção da mídia tradicional dada à RV de 2000 a 2012, a pesquisa em RV continuou em profundidade em laboratórios de pesquisa corporativos, governamentais, acadêmicos e militares em todo o mundo. A comunidade de RV começou a se voltar para o design centrado no ser humano, com ênfase nos estudos de usuários, e tornou-se difícil conseguir um artigo de RV aceito em uma conferência sem incluir alguma forma de avaliação formal. Milhares de trabalhos de pesquisa relacionados a essa era contêm uma riqueza de conhecimentos que hoje, infelizmente, são em grande parte desconhecidos e ignorados por aqueles que são novos na RV71 (JERALD, 2016, p.27, tradução nossa).

Como exposto na citação de Jerald, a RV deixa de ter interesse pela grande imprensa, mas mantém sua importância no campo científico. Exemplar de junho de

71 No original: Although there was little mainstream media attention given to VR from 2000 to 2012, VR research continued in depth at corporate, government, academic, and military research

laboratories around the world. The VR community started to turn toward human-centered design with an emphasis on user studies, and it became difficult to get a VR paper accepted at a conference without including some form of formal evaluation. Thousands of VRrelated research papers from this era contain a wealth of knowledge that today is unfortunately largely unknown and ignored by those new to VR.

2003 do IMSC News, informativo impresso interno publicado pelo Integrated Media Systems Center, um dos centros de pesquisa da University of Southern California (USC), demonstra como a RV continuou sendo um campo de estudos (IMSC, 2003). No entanto, é notável uma abordagem mais distanciada do termo RV tanto na imprensa (TAUB, 2003; ROSENCRANCE, 2004, p. 34), mas também nas pesquisas de comunicação publicadas a partir no final dos anos 1990 (MCLEOD et al., 1999; PRYOR, 2002a, 2002b).

Esses materiais e suas projeções tecnológicas continuam a abordar perspectivas para o desenvolvimento de produtos de comunicação envolvendo conceitos da interatividade, de simulação, de mídias imersivas e outros elementos que remetem aos mesmos propósitos das operadas pelas tecnologias de RV, mas não destacam mais esse termo, o substituindo, ou atualizando, por “mundo virtual”, “sistemas virtuais”, “comunidades virtuais”, “objetos virtuais” entre outros. Também são localizados nesse período aproximações entre o uso de linguagens dos videogames e jornalismo, como por exemplo o trabalho pioneiro de Bowman e Willis (2001) "Playing the News: Journalism, Interactive Narrative and Games" apresentado no Institute of New Media Studies, University of Minnesota, em novembro de 2001.

Entre os laboratórios que continuaram com os estudos sobre RV, atualizados para Sistemas de Mídias Integrados, quase uma adaptação para o termo palatável multimídia, e tiveram importância fundamental para o desenvolvimento do jornalismo imersivo está o Mixed Reality Lab (MxR), localizado na USC. O MxR teve origem no ano de 1999, a partir da cooperação entre a USC e o departamento militar dos Estados Unidos na construção do Institute of Creative Technology (ICT), centro de pesquisas que deu origem a uma série de núcleos de desenvolvimento, entre eles o MxR. É importante notar que o interesse das forças armadas, mencionado no início desse trabalho com o desenvolvimento dos panoramas, continua a surgir e a patrocinar outros recursos imersivos. A criação do ICT teve por objetivo desenvolver produtos específicos no campo da simulação, tendo como base a indústria do cinema e a emergência dos jogos digitais.

O exército está antecipando as futuras oportunidades de alta tecnologia, e encontramos uma solução com essa parceria da USC para alavancar melhorias na educação e no treinamento militar para o próximo século. O Institute of Creative Technology será um esforço conjunto do Exército, da indústria do entretenimento e da academia - uma equipe inovadora para avançar na deslumbrante nova mídia e,

em última instância, beneficiar a todos na América. [...] Nestes ambientes sintéticos avançados que criaremos, os participantes estarão totalmente imersos - física, intelectual e emocionalmente - em histórias envolventes repletas de personagens cativantes que podem ser automatizados ou tripulados72 (CALDERA; SULLIVAN, 1999, tradução nossa).

No mesmo período do acordo dentre a USC e o setor de defesa americano, é possível identificar a ocorrência de projetos científicos voltados ao objetivo de simulação de narrativas em ambientes digitais financiados por outras instituições, como é o caso do investimento da National Science Foundation e empresas como Hewlett Packard, Motorola e Raytheon no IMSC, da escola de engenharia da USC. Em notícia publicada pelo jornal Los Angeles Times de 5 de fevereiro de 2001, o diretor do IMSC da USC, Max Nikias relatava as potencialidades desse novo formato de notícia proporcionado por uma internet imersiva: "os sites do futuro não serão apenas texto, mas também softwares que permitem baixar informações e sintetizá-las em 3D [...] Por exemplo, com o ImmersiNews, você poderia colocar um leitor em Kosovo"73 (KAPLAN, 2001, tradução nossa).

Segundo Larry Pryor, professor de jornalismo da USC, e na época vinculado ao IMSC74, a Immersive News, ou ImmersiNews, teria como objetivo “mergulhar os espectadores em uma experiência de notícias multimídia interativa e personalizada. É a próxima geração de notícias - um novo paradigma de estrutura e narrativa que muda de acordo com as preferências, interesses e escolhas de uma pessoa75” (PRYOR, 2002a, tradução nossa). Pryor destaca que, nesse tipo de experiência, o usuário tem controle sobre o modo como as notícias são apresentadas e poder para concordar ou não com a perspectiva adotada pelos produtores das notícias, além de permitir que

72 No original: The Army is anticipating the future's high-tech opportunities, and we found a high-tech solution with this USC partnership to leverage improvements in education and military training for the next century," Caldera said. "The Institute for Creative Technologies will be a joint effort of the Army, the entertainment industry and academe - an innovative team to advance dazzling new media and ultimately benefit everyone in America. [...] In these advanced synthetic environments that we will create, participants will be fully immersed - physically, intellectually and emotionally - in engrossing stories stocked with engaging characters who may either be automated or manned.

73 No original: Future Web sites won't just be text but also software that allows you to download information and synthesize it in 3-D," Nikias said. "For instance, with ImmersiNews, you could put a reader in Kosovo.

74 Em Watley e Pryor (2004) Larry Pryor destaca que sua relação com os laboratórios de

interatividade e simulação na USC se deu mais proximamente com o ISMC, vinculado à escola de engenharia, do que com o ICT, que dará origem ao M x R, este responsável pelos trabalhos de jornalismo imersivo trabalhados por De la Peña (2010).

75 No original: The goal of ImmersiNews is to plunge viewers into an interactive, customized multimedia news experience. It is the next generation of news story - a new paradigm of structure and narrative that changes according to a person's preferences, interests and choices.

os repórteres sejam demandados com informações que não estão presentes na reportagem. Ainda de acordo com a projeção de Pryor, os espectadores podem escolher o tipo de conteúdo que desejam ter acesso, como vídeos, áudios, gráficos interativos e texto, a partir do tipo de plataforma que a audiência utiliza. Na proposta, esse modelo de produção jornalística é determinado por um “conceito democrático da cobertura de notícias” permitido pela interatividade. Pryor reconhece que essa proposta tensiona questões éticas do jornalismo e que cabe ao jornalista um novo papel frente a essas questões:

Novas tecnologias aumentam o papel do jornalista. Eles não apenas precisam resolver problemas éticos espinhosos e trabalhar com engenheiros para resolvê-los, mas têm um novo papel na internet como guias úteis para os espectadores, exploradores avançados e navegadores através de um novo mundo de experiência. Organizações jornalísticas que conseguirem ganhar a confiança do público terão o maior público76 (PRYOR, 2002a, tradução nossa). Em sua reflexão, Pryor finaliza destacando as capacidades do computador em permitir uma relação entre os diversos produtos jornalísticos:

As conexões entre as informações, que os computadores podem formar de forma tão poderosa, levam os espectadores a escolher caminhos inesperados para obter mais informações, a explorar links convidativos para novas experiências. O ser humano está geneticamente disposto à curiosidade e os computadores jogam com essa força. As notícias da Internet permitem que o cérebro vagueie, busque e encontre. E quanto mais poderosa for a tecnologia, mais experiências estarão disponíveis para os espectadores entrarem e compartilharem77 (PRYOR, 2002b, tradução nossa).

Após o fim das expectativas com as tecnologias de RV como meio de massas, a relação com o jornalismo no campo acadêmico também entra em um período de esfriamento. Em uma entrevista publicada em 2004, Pryor é questionado sobre como

76 No original: New technology enhances the role of the journalist. Not only do they have to sort through thorny ethical problems and work with engineers to solve them, but they have a new role on the Internet as helpful guides to viewers - forward scouts and navigators through a new world of experience. News organizations that can gain the public's trust will earn the biggest audience. 77 No original: Connections between pieces of information, which computers can form so powerfully,

lead viewers to choose unexpected paths to further information, to explore inviting links to new experiences. The human being is genetically disposed to curiosity and computers play to that strength. Internet news lets the brain wander, seek and find. And the more powerful the technology, the more experiences will be available for viewers to enter and share. Stumbling onto a Web cam that shows elephants cavorting at an African water hole can be a thrilling moment for a Web surfer. Before long, you will be able to become an elephant for a minute or a day. The possibilities will be limitless.

ele projetava o futuro do jornalismo online em um período de 10 anos. Na visão do pesquisador:

[...] tenho que confessar um viés sobre isso, porque estou trabalhando com a escola de engenharia na USC e estou bastante encantado com a tecnologia da RV; e eu realmente amo apresentações em 3D [...]. Eles estão desenvolvendo tecnologia imersiva incrível. Meu sentimento é, por que não podemos aplicar isso às notícias? Por que não podemos ter ambientes de notícias 3D? Parte disso já está sendo feita - alguns dos jogos que estão sendo lançados agora retratam a realidade da época de guerra há apenas alguns meses. Então, por que não podemos levá-lo a um ponto em que a RV retrata o mundo de ontem ou hoje?78 (PRYOR, 2004, tradução nossa).

A projeção de Pryor para a nova relação entre jornalismo e RV não precisou de 10 anos para voltar a ocorrer, já que, em 2010, Nonny de la Peña aplica o conceito de jornalismo imersivo para as produções jornalísticas que usam recursos da RV, como será detalhado na sequência. Mas, novamente, é necessário registrar que nessas declarações de Pryor (2004) é possível perceber as mesmas perspectivas de uso pretendidas por Biocca e Levy (1995) anteriormente assinaladas. Mas Pryor (2004) inclui um diferencial na sua proposta, compreendendo o uso de elementos dos jogos digitais, porque já compreendia esses recursos como uma possibilidade narrativa a ser adotada ao jornalismo.