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O ano de 2016 marcou a chegada ao mercado consumidor dos primeiros dispositivos com a tecnologia conhecida por RV, após mais de 50 anos desde os primeiros protótipos desenvolvidos na década de 1960 nos Estados Unidos e Europa. Essa tecnologia é capitaneada por um conjunto de fatores, com destaque para miniaturização de componentes, como processadores cada vez mais rápidos, telas de altíssima resolução gráfica e sistemas de rastreamento, elementos fundamentais para o sucesso desse tipo de equipamento (DELANEY, 2014; JERALD, 2016).

Assim como ocorreu no surgimento de todas as outras mídias, a finalidade estética da RV ainda está por ser definida. “Muitas das tecnologias e técnicas que sustentam as formas atuais da cultura visual digital foram primeiro desenvolvidas em relação a objetivos de pesquisa e problemas técnicos que pouco tinham a ver com as aplicações estéticas” (DARLEY, 2000, p. 12). Independentemente de quais forem os usos finais desse tipo de tecnologia, uma característica emerge de forma potencial: o sentido de ilusão. Nesse trabalho desenvolvido a partir de referências bibliográficas nos campos da arte, computação, comunicação e do game design, apresentamos uma breve elaboração das diferentes etapas do processo de representação da realidade, elegendo marcos tecnológicos de cada época e que, a nosso ver, constituem os elementos fundamentais para a compreensão dos motivos que levaram ao desenvolvimento da chamada RV. Escolhemos também incluir dentro desse capítulo histórico algumas abordagens a respeito do conceito de RV, porque acreditamos que a sua compreensão, ou o início de utilização, é dependente dos diferentes estágios de evolução das tecnologias. Como procuraremos demonstrar, compreender os sentidos teóricos da RV, enquanto um meio de modificação das realidades, seja virtual ou real25, exige primeiramente uma aproximação histórica.

A busca da representação, ou como define Oliver Grau (2007), o desejo de ilusão, surge com a capacidade de produzir imagens. A pintura rupestre das paredes de cavernas possuía dupla finalidade. A primeira é ritualística, evocando

25 Ainda não estamos debatemos o trabalho de Pierre Levy (2011) a respeito da definição de virtual e sua proposta de não oposição ao real. O veremos na etapa quatro. Nessa fase da pesquisa

consideramos essa distinção entre real e virtual tendo como base teórica o trabalho de Milgram e Kishino (1994) e que será mais bem abordado nas páginas finais desse capítulo.

necessidades espirituais para aqueles que a contemplam. A segunda é a de representação do mundo (KING, 2011, p. 17). As paredes foram o suporte para imagens com desejo de ilusão também na Antiguidade, como os afrescos na Villa dei Misteri, na cidade italiana de Pompéia. Produzidas em aproximadamente 60 a.C, um conjunto de figuras voltadas ao culto de Dioniso, não apenas envolvem fisicamente o observador, mas as expressões e as representações das imagens insinuam o convite à participação desse observador no ritual ali representado. De acordo com a proposta de Grau (2007, p. 47):

Essa combinação de seres humanos seguidores do culto e de divindades dionisíacas tem por objetivo intensificar a identificação do observador com os acontecimentos [...] permite aos deuses adentrarem o espaço do real, e na outra direção, transporta seus assistentes mortais para o interior da pintura. [...] é um testemunho palpável de uma realidade virtual que buscou envolver o observador não apenas através de seu sujeito, mas também do uso de imagens panorâmicas, das cores específicas e dos gestos dramáticos [...]

Imagens em instalações com motivos e objetivos semelhantes ao da Vila dei Misteri foram desenvolvidas por todo o Império Romano, tendo sua produção proibida pela doutrina iconoclasta da Igreja Cristã entre os séculos VII e VIII. A partir do Concílio de Niceia, as imagens de adoração são permitidas, mas não são localizadas obras de caráter imersivo até 1343, ano em que é entregue a Sala do Cervo, no Palais des Papes, em Avignon, sul da França. Para Grau (2007, p. 54) “As pinturas apresentam alguns usos e prazeres da natureza do ponto de vista dos governantes da sociedade feudal, em particular a piscicultura e a caça”.

Figura 2 – Aplicação em Realidade Aumentada na Sala do Cervo

O ambiente da Sala do Cervo (Figura 2) cerca a visão do observador, localizado ao centro do espaço, por completo. Há, no entanto, um diferencial em relação às paredes romanas. Nessa instalação francesa não são utilizadas molduras separando as imagens da parede, recurso que é presente na instalação da Villa de Misteri e outras obras semelhantes. Vejamos que a eliminação das bordas não é uma conquista da RV, mas um movimento de superação entre diferentes modos de expressão. Também é possível observar, na Sala do Cervo, o ideal de precisão nas imagens, com destaque para contornos que reforçam aparências tridimensionais, cuidado com o desenvolvimento de características individuais nos elementos humanos e animais, além de uma perspectiva que proporciona profundidade à cena retratada. Mais do que um estilo artístico, essa representação fidedigna da realidade por mestres da escultura e arquitetura, como Filippo Brunelleschi (1377-1446), aliavam a percepção visual como elemento convergente aos avanços das ciências naturais durante o Renascimento.

A perspectiva substituiu o sistema de referência simbólica do qual a pintura medieval derivava seu significado. [...] A perspectiva conferia agora à arte mais uma opção de representação objetiva, tal qual poderia parecer ao olho, e, como a realidade virtual de hoje, direcionava-se ao engano, ou antes, a ele se relacionava em maior ou menor extensão (GRAU, p. 2007, p. 60).

A valorização da técnica da perspectiva é explicada também a partir das derrotas ocidentais durante as Cruzadas ao final da Idade Média. A necessidade urgente em desenvolver uma ciência voltada a explicar e controlar a natureza demandou precisão no lugar da não mais confiável fé. Segundo Hillis (2004, p. 82), “em certo sentido, a história da visão na cultura ocidental é uma história de como a vista tem sido colonizada pela matemática, pelo número e por várias formas de idealismo”. Um último destaque para esses períodos abordados é que os ambientes imersivos ainda não eram desenvolvidos para grandes públicos. A imersão somente chegará para as massas a partir da constituição do Panorama.