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Ao conduzirmos nosso estudo por uma via que busca compreender um objeto produtor de sentidos como os HMDs, nome técnico do dispositivo utilizado para operar conteúdos chamados por realidade virtual, chegamos à conclusão de que a palavra realidade carrega mais questionamentos e imprecisões sobre seu uso do propriamente soluções. Manter essa marca antecipadamente nos projeta que, durante a fase das análises, as questões que envolvam a fidelidade dos ambientes retratados serão automaticamente reduzidas a respostas negativas. Seu uso servirá como a miragem de algo impossível de localizar. Nesse sentido, nossa proposta reconhece o risco de tal decisão.

Para contornar essa ameaça, nossa intenção inicial foi manter o conjunto de siglas RV, já que uma desconstrução ao nível de atingir a abreviatura original do termo desencadearia uma série de esclarecimentos necessários sobre temas já abordados e que, talvez, exigiriam novas revisões. Como já antecipamos, não identificamos problemas com o termo virtual, faltando apenas uma palavra que permitisse não apenas substituir, mas que fosse sincera aos fundamentos de um dispositivo voltado à narrativa jornalística. Desse modo, propomos como uma primeira solução para a pesquisa trabalhar com a terminologia de representação virtual (RV).

Empregado no texto no sentido literal: “apresentar novamente”; todo processo que consiste em substituir um objeto, um fenômeno ou uma entidade abstrata por um outro objeto (ou um outro fenômeno), assegurando entre os dois uma certa correspondência de propriedades, de forma a estabelecer com o substituto interações diversas equivalentes às que teríamos com o substituído. A representação coloca em correspondência um representante e um representado (CADOZ, 1997, p. 107).

O processo para essa definição levou em conta uma ampla oferta de conceitos, que foram testados, pensados e analisados na tentativa de encontrar um termo que atendesse potencialidades, particularidades e, fundamentalmente, limitações da tecnologia aqui trabalhada. Entre algumas das opções avaliadas, esteve o termo “experiência virtual”, que a nosso ver se aproxima de elemento próximos a tecnologia, permitindo associações com termos como ensaiar, provar, tentar, verificar, praticar, realizar, executar, conhecer, apreciar, obter. Nesse caso, a amplitude de significados acabou por afastar seu uso. Na verdade, a opção por representação no lugar de experiência também guarda uma necessidade que será apresentada nas considerações do trabalho e envolvem acréscimos ao termo jornalismo a partir da constituição dos recursos da representação virtual (RV).

Também estamos cientes que essa proposta pela escolha da palavra representação nos coloca em situações que podem parecer vulneráveis do ponto de vista teórico, em razão da sua amplitude de seu significado. Roger Chartier (2002) já articulou a capacidade da representação não depender de imagens, mas também obtida também por meio de textos. Chartier articula também que representação revela sempre uma ausência daquilo que é representado. O mesmo fez Baudrillard (1991, p. 9) ao associar a simulação a uma ausência. Sandra Makowiecky (2003) constrói um amplo e detalhado cenário da aplicação e armadilhas que o termo carrega. No entanto, nos cabe destacar uma nova abordagem para a representação. A representação não mais determinada pela palavra, imagem fotográfica ou vídeo, mas a representação operada pelo computador, com a construção de imagens a partir de objetos e ambientes sintetizados a partir da tradução dos bits em símbolos visuais.

Cadoz (1997, p. 9) considera que o termo da representação supre os objetivos pretendidos pela produção de imagens desde a era paleolítica. A diferença é que agora as representações são geradas por computadores: “[...] o mais universal que o homem elaborou. O que é novo é o grau de integralidade da representação que ele permite atingir e o uso que dele podemos fazer”. A partir da possibilidade da “imersão na imagem”, observa Cadoz:

Passando da visão simples à visão estereoscópica e para uma forma de interação elementar, pudemos chegar a uma noção importante: “a da convicção da realidade”. No entanto, os movimentos de nossa cabeça estão muito aquém de constituir nossas únicas possibilidades motoras. Para maior integralização da representação, é ainda preciso percorrer outras etapas (CADOZ, 1997, p. 27).

Cadoz separa a representação entre icônica, simbólica e semiótica. Na primeira delas temos uma tentativa de reprodução fiel entre representante e representado. Na representação simbólica partimos do uso de elementos para remeter a outros significados, caso do uso de uma balança de pesos para representar a justiça. E para a representação semiótica, segundo o autor “que associa de forma arbitrária e convencional um elemento significante a um elemento significado”.

Diante da força da expressão, é possível, portanto, compreender representação como uma substituição do objeto ou fenômeno real por outro elemento derivado do processo chamado de modelagem por Cadoz: “Ela substitui os objetos iniciais por outros objetos, construídos sobre outra substância, e estabelece a correspondência através de um processo complexo de análise e de verificação pela experiência, que implica o homem” (CADOZ, 1997, p. 89). A modelagem a que o autor se refere é algo que Lanier (1995, p. 48) identificava como uma dificuldade para a tecnologia da RV, que era o software para desenvolvimento de ambientes virtuais. Hoje essa barreira está eliminada, como já dito, em razão das chamadas engines. A representação possibilitada pela capacidade de modelagem dos computadores permite que o oferecimento desses mundos virtuais não seja passivo, como ocorre com os outros meios, instaurando um novo modo de compreensão do mundo e permitem aquilo que Biocca, Levy (1995) e Pryor (2002a, 2002b, 2004) esboçavam para o jornalismo. Seu novo paradigma está em permitir o recurso de interação com o ambiente simulado.

O surgimento da modelagem interativa dá ao processo de modelagem uma força e uma legitimidade definitivas. O fato de que possamos não mais somente ver e ouvir objetos modelados, mas também tocá-los, modificá-los, manipulá-los concretamente, é uma situação sem precedentes, radical para o conhecimento (CADOZ, 1997, p. 92).

Também é relevante tratar sobre as características de reprodução que envolvem a representação. Diferentemente da necessidade de um detalhamento completo de pessoas e acontecimentos, o importante é que a representação opere dentro do modelo de fidelidade relacional e não visual, conforme descreve Gombrich:

Aqueles que compreendem a notação não vão tirar nenhuma informação falsa do desenho [...] Não é o registro fiel de uma experiência visual, mas a construção fiel de um modelo relacional. […] Nem a subjetividade da visão nem o império das convenções podem levar-nos a negar que tal modelo possa ser construído com o requerido grau de exatidão. O que é decisivo aqui é, claramente, a palavra

“requerido”. A forma de uma representação não pode estar divorciada da sua finalidade e das exigências da sociedade na qual a linguagem visual dada tem curso (GOMBRICH, 1995, p. 96).

Uma última consideração a respeito da substituição do termo realidade está na proposta de Licínio Roque (2017), que divide a história dos dispositivos de RV em seis gerações159, com esses dispositivos finalmente conseguindo atender requisitos que podem torná-los “novos meios de expressão”.

A quinta geração começa pela proposta de ser mais simples, alguma coisa praticável e que a tecnologia tornou possível. Essencialmente, o surgimento dessa geração se explica somente porque se tornou possível, mas essa mesma geração é marcada pela dúvida do que é possível fazer com isso. Esse é o grande desafio da pesquisa. Novamente, são os jogos que nos dizem algo do que é possível fazer com a realidade virtual (ROQUE, 2017).

Roque considera que o primeiro passo para resolver os problemas da expectativa com a RV está não apenas na supressão do termo realidade, mas nas relações gerais com todo o movimento do realismo. Esse movimento se faz necessário porque independentemente do tipo de tecnologia usada, seja ela realidade virtual, aumentada ou misturada, para o autor “estamos sempre pesquisando a criação de aparências”. Roque propõe como solução, ou caminho para a questão do que fazer com as assim chamadas tecnologias de RV, uma aproximação ao enunciado de Marshall McLuhan (1995, p. 21) a respeito da condição das mensagens estarem diretamente relacionadas e determinadas pelos meios em que elas são propagadas. E essa mensagem, para Licínio Roque (2017), passa pelas ações relacionadas aos jogos digitais: “O jogo é um tipo de mensagem que pode nos ajudar a imaginar o futuro da virtualidade, e o jogador é o seu conteúdo”.

Antes de passarmos para o desenvolvimento das categorias que permitam criar elementos de compreensão para a RV e seu cruzamento com o jornalismo,

159 A primeira geração contempla tanto pesquisadores e idealizadores para as tecnologias nos anos 1960, como Ivan Sutherland e Hugo Gernsback, respectivamente. A segunda fase é representada pelas experiências lideradas da NASA voltada à imersão, telepresença e telemanipulação nos anos 1980. Essa geração estava muito voltada a transferência de atividades de risco ou de distância por meio de sentidos hápticos. A tentativa de tradução desses esforços para a indústria de brinquedos, com a produção da PowerGlove ela Nintendo, reforça a expectativa de operação com que as tecnologias dessa época foram testadas. A terceira geração é formada pelas Caves, sistemas surgidos nos anos 1990. A quarta geração, resultado das frustrações com os resultados não atendidos pela terceira geração, concebe as primeiras experiências com a realidade

aumentada, propondo o fim do isolamento dos usuários. A quinta e atual geração é a formada pelas tecnologias atuais da RV, sendo a sexta geração definida por dispositivos em fase de testes, com destaque para os dispositivos de realidade aumentada Magic Leap e Hololens.

acreditamos ser necessário incluir uma última reflexão a respeito do tema que envolve a chegada de novas tecnologias ao jornalismo. Nosso esforço terá foco nas questões que cercam o uso da computação gráfica e de como a relação de construção de realidades a partir de imagens sintetizadas foi destacada pelo jornalismo. Tomando como base os exemplos expostos na sequência, acreditamos que a RV enfrentará barreiras e desfechos semelhantes aos observados nessa investigação.

4.7 APROPRIAÇÕES TECNOLÓGICAS DO JORNALISMO: HIBRIDISMOS E