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Constituída as categorias de análises, passamos para a seleção do corpus. Como já mencionado, ao delimitarmos os tipos de dispositivos e conteúdo a serem utilizados e eliminando vídeos em 360º, as opções foram bastante reduzidas. Sem um volume expressivo para analisar, passamos a considerar uma coleta de amostras de forma intencional, partindo para a valorização de qualidades que pudessem revelar novos problemas ou características da pesquisa.

Nesse contexto, o número de componentes da amostra é menos importante que sua relevância para o problema de pesquisa, de modo que os elementos da amostra passam a ser selecionados deliberadamente, conforme apresentem as características necessárias para a observação, percepção e análise das motivações centrais da pesquisa (FRAGOSO et al., 2011, p. 67).

Primeiro fizemos uma ampla pesquisa das possibilidades de amostra para depois passarmos à seleção. O acesso aos conteúdos envolvendo práticas jornalísticas a partir da tecnologia de RV é feito a partir de quatro formatos de consumo: 1) O streaming, que é a transferência de grandes volumes de dados multimídias pela internet, modelo utilizado pelo YouTube; 2) lojas digitais, como Apple Store, Google Play, Steam, Oculus Store, PlayStation Store entre outros, que na

verdade disponibilizam o acesso à download de aplicativos que são posteriormente instalados no dispositivo do operador, podendo ser um smartphone, um computador ou um videogame; 3) navegadores e páginas de internet com capacidade para execução de experiências em RV, também chamados como webVR e podem ser acessados em ambientes como o Guri22, o A-Frame23, e 4) as páginas comuns de internet onde podem ser armazenados arquivos em vídeos ou conteúdos a serem instalados.

Realizada essa primeira delimitação dos ambientes para a coleta, é necessário fazer algumas considerações a respeito dos materiais localizados no YouTube e nos ambientes de webVR. Na plataforma YouTube estão armazenados exclusivamente vídeos em 360º. Desse modo, em razão dos argumentos já elencados aqui e apontamentos futuros sobre a relação imprecisa desse formato audiovisual com a RV, nós excluímos esses conteúdos da fase de possibilidade de coleta e posterior análise. A respeito dos conteúdos disponibilizados por meio do formato webVR, talvez, em razão de sua ainda evolução enquanto linguagem e plataforma de desenvolvimento, durante o período da coleta foram localizadas poucas experiências, que mais pareciam com testes de viabilidade da plataforma do que conteúdos finalizados. Nenhum dos conteúdos localizados trazia abordagens que pudéssemos aproximar do discurso jornalístico.

O destaque para fase de amostragem e localização dos conteúdos da análise foram as lojas virtuais. Como esses ambientes basicamente hospedam jogos e aplicativos digitais, nós realizamos buscas com as mesmas palavras chaves dos alertas, retirando o nome dos equipamentos, que acabariam com redundâncias na pesquisa. Além da localização ativa dos conteúdos, também foram incluídos os resultados recomendados pelas plataformas por títulos semelhantes às palavras- chave que nós utilizamos nas buscas. Em nenhuma das experiências foi localizado o termo “jornalismo”. O mais próximo das palavras-chave e das descrições contidas nas aplicações estava o termo “documentário”. A partir disso, nós realizamos testes com todas as experiências localizadas.

Identificamos que em alguns desses conteúdos havia limitações semelhantes aos vídeos 360º, não permitindo qualquer interação do operador durante a experiência, além da movimentação da cabeça. Isso nos levou a criar um segundo 22 Disponível em: https://gurivr.com/. Acesso em: 4 nov. 2019.

fator para exclusão dos conteúdos que seriam analisados, o que nós chamamos de passividade. Para que o conteúdo pudesse avançar na nossa análise, deveria haver pelo menos um recurso que permitisse a movimentação na cena digital ou a possibilidade de atividade com algum objeto dentro desses ambientes. Esse critério surgiu também a partir trabalho de Janet Murray (2003, p. 127) a respeito das possibilidades de navegação nos conteúdos digitais, definida por agência: “capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de nossas decisões e escolhas”.

No quadro abaixo (Quadro 1) apresentamos a relação dos títulos localizados e do resultado da capacidade de agência dentro dos ambientes. Todos os títulos que contêm um dos recursos de navegação ou interação permaneceram para a fase de análise. É importante mencionar que essa lista foi recebendo novos títulos à medida que eles eram disponibilizados e era possível o acesso por meio dos dispositivos. Em nenhum dos casos abaixo nossa avaliação partiu da definição tomada a partir de vídeos no YouTube, reviews ou qualquer outro modo de sugestão dos conteúdos, mas sempre a partir da empiria do uso e realização da experiência pelo autor.

Quadro 1 – Relação de experiências localizadas

Nome / Dispositivo Desenvolvedor / Ano Navegação/

interação

1943 Berlin Blitz / Oculus Rift BBC (2018) Sim

6 x 9 / Google Cardboard The Guardian Não Across the line / Oculus Rift Emblematic Group (2017) Não After solitary / Oculus Rift Emblematic Group (2019) Não Air Rage / Oculus Rift Emblematic Group (2016) Não

A VR Spacewalk / Oculus Rift BBC (2017) Sim

Blindfold / Oculus Rift Ink Studios (2017) Sim

Chernobyl VR / PSVR The Farm 51 (2017) Sim

DeathTolls / Oculus Rift Ali Eslami (2018) Sim

Greenland Melting / Oculus Rift Emblematic Group (2019) Sim

Harvest of Change / Oculus Rift The Des Moines Register

(2014) Sim

Hunger in LA / Oculus Rift Emblematic Group (2017) Não

I am a man / Oculus Rift Derek Ham (2018) Sim

Nome / Dispositivo Desenvolvedor / Ano Navegação/ interação

Explore VR / Oculus Quest National Geographic (2019) Sim

Nothing to be writen / Oculus Go BBC (2018) Sim

One Dark Night / Oculus Rift Emblematic Group (2016) Não Project Syria / Oculus Rift Emblematic Group (2016) Não

Fonte: o autor (2019).

Após essa nova delimitação, das 19 experiências localizadas, nosso corpus foi reduzido para 11 aplicações com capacidades de análise dentro do nosso propósito. Além de servir como um fator de corte, a experimentação desses conteúdos contribuiu para a transformação da pesquisa, já que foi durante a fase empírica que surgiram elementos problemáticos e não planejados no início da investigação. Essa emergência de questões parecia reforçar a necessidade, ou benefício, em enquadrar a pesquisa a partir das premissas da teoria fundamentada. Mas antes de determinar a quantidade de experiências a serem analisadas, nós resolvemos definir os elementos de análise para assim poder estimar quantas experiências seriam avaliadas na análise. A definição do modo de constituição das categorias e seu formato de análise será realizado na etapa cinco. De modo resumido, o trabalho está distribuído do seguinte modo:

• Etapa 1 – introdução, problema e método;

• Etapa 2 – histórico da evolução das tecnologias da RV; • Etapa 3 – estado da arte sobre jornalismo e RV;

• Etapa 4 – ruptura do conceito de RV e os processos de simulação no jornalismo; • Etapa 5 – proposta de matriz e análises;

• Etapa 6 – considerações.

Realizada a apresentação do nosso trabalho, passamos para o desenvolvimento do objeto da RV e nosso percurso para realizar o cruzamento com as práticas jornalísticas. Nós começamos o trabalho apresentando suas origens históricas e a recorrente disputa envolvendo a questão da ilusão, da simulação chegando até o capítulo atual da interatividade.

2 DA ILUSÃO À SIMULAÇÃO: BREVE HISTÓRIA DA REALIDADE VIRTUAL

Nesse capítulo nós propomos uma estruturação cronológica da história das tecnologias de ilusão, simulação e interatividade. Nosso foco será compreender o histórico sobre os diferentes desenvolvimentos de linguagens que levarão à técnica da perspectiva e das ilusões óticas ao que hoje denominamos como RV. Howard Rheingold, pioneiro no estudo sobre a tecnologia nos anos 1990, descreve seu surgimento do seguinte modo

A realidade virtual, quando surgiu, foi emocionante para o público por várias razões. Antes de tudo, a ideia de mergulhar em um mundo artificial parece realizar um sonho que provavelmente começou com pinturas rupestres e deu um grande salto com a invenção do cinema. A ideia de combinar o poder do cinema para criar mundos artificiais e o poder dos computadores para colocar a perspectiva de um usuário humano nesse mundo capturou a imaginação do público. A outra razão para a excitação inicial foi a possibilidade de que essa fosse a próxima inovação nas interfaces humanas - não clicávamos mais nos ícones, mas na verdade navegávamos e manipulamos as representações tridimensionais24 (RHEINGOLD, 2014, p. 155, tradução nossa).

Em razão da multidisciplinaridade de estudos, delimitaremos essa história da RV dentro de aplicações voltadas à comunicação. A partir disso, elaboramos uma evolução que parte desde as paredes romanas, passando pelo panorama, à miniaturização do processo a partir da estereoscopia, às tentativas do cinema que envolveram as tecnologias do filme 3D. A necessidade de iniciarmos esse percurso ocorre pelas diversas referências consultadas sobre a história da tecnologia e que normalmente remetem a um desses períodos da arte e da ciência. O objetivo aqui é construir uma base histórica que permita compreender os motivos de produção de imagens ilusórias em uma fase anterior ao período digital contemporâneo. Esse capítulo tem sua conclusão com o cenário atual e as problemáticas envolvendo os modos de acesso e as limitações de compartilhamento de conteúdos entre os dispositivos de RV disponíveis ao mercado consumidor.

24 No original: “Virtual Reality, when it first came along, was exciting to the general public for several reasons. First of all, the idea of immersing oneself in an artificial world would seem to fulfill a dream that probably started with cave paintings and made a huge leap with the invention of cinema. The idea of combining the power of cinema to create artificial worlds and the power of computers to place the perspective of a human user within that world captured the imagination of the public. The other reason for the early excitement was the possibility that this was the next breakthrough in human interfaces — we would no longer click on icons, but actually navigate through and manipulate three dimensional representations.

2.1 ORIGEM E TÉCNICA DA PERSPECTIVA COMO REPRESENTAÇÃO DA