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2.9 CENÁRIO CONTEMPORÂNEO DA REALIDADE VIRTUAL

2.9.3 Dispositivos móveis com operação independente

Em maio de 2018, a Oculus lançou um novo modelo de HMD chamado Oculus Go. O dispositivo tem uma tela integrada, com sistemas de processamento dedicados e desenvolvidos especialmente para as necessidades da RV. O equipamento tem limitações no rastreamento do objeto no espaço, mas que podem ser diminuídas a partir da conexão com acessórios que permitem ampliar as capacidades do equipamento60. A HTC Vive também possui um dispositivo HMD independente chamado HTC Vive Focus. Nesse equipamento, o rastreamento já ocorre a partir de sensores nativos do aparelho e, segundo algumas avaliações da imprensa e analistas especializados (BYFORD, 2018; SAWH, 2018; SKARREDGHOST, 2018), parecem representar uma grande evolução entre os dispositivos de RV.

Seguindo essa tendência de HMDs independentes, a Oculus lançou em 2019, um modelo intermediário entre os modelos Oculus Go e o Oculus Rift S, chamado Oculus Quest. Essa nova atualização não exige o uso de fios, consegue realizar o rastreamento total do ambiente por meio de sensores montados no próprio dispositivo e conta com telas e sistema operacional próprios e desenvolvidos especificamente para aplicações em RV. Na crítica especializada, a avaliação do equipamento é que ele representa o próximo grande passo em direção à RV, e é capaz de oferecer experiências que fazem os outros HMDs atuais parecerem desajeitados em comparação com o Oculus Quest (BRADLEY, 2019; WONG, 2019). Scott Stein (2019), editor de outro importante portal dedicado à análise de dispositivos tecnológicos escreveu que o “Oculus Quest foi a melhor coisa que ele testou no ano de 2019”.

59 Disponível em: https://www.vive.com/eu/wireless-adapter/. Acesso em: 26 set. 2018. 60 Disponível em: https://www.nolovr.com/index. Acesso em: 26 set. 2018.

Nesse capítulo identificamos que a produção de imagens imersivas, em seus primórdios, tinha por objetivo proporcionar pontos de vistas com objetivos de contemplação ritualística. A evolução dos recursos da imagem, como o domínio da técnica da perspectiva tem seu auge com o panorama e, nessas obras, supõe-se, por parte dos seus produtores, conhecimento sobre limites na imersão, a partir do controle no uso de elementos gráficos relacionados à violência, como foi o caso da reprodução da Batalha de Sedan, com suavização no uso de sangue.

Também é possível perceber que, desde a origem das imagens imersivas, os proprietários ou financiadores desses recursos possuíam poder na decisão dos motivos, das mensagens e dos temas a serem produzidos. Por vezes, esses patrocinadores precisaram recorrer a tecnologias consideradas sem potencial para tentar conquistar novas audiências já saturadas com determinado meio. O cinema 3D é um claro exemplo desse movimento cíclico.

Atualizando para a contemporaneidade, é de se perguntar quais tipos de imagens e seus sentidos serão agora financiados quando os patrocinadores não são mais as forças vinculadas à fé ou à defesa, mas empresas de alta tecnologia. Além disso, identifica-se uma certa repetição dos temores, mais ou menos incisivos, a respeito da potencialidade que a ilusão, proporcionada pelas imagens imersivas, poderia representar enquanto opção de fuga da realidade. No final do século 19, o estereoscópio foi uma solução para a necessidade de mobilidade dos dispositivos imagéticos, demonstrando que a busca por mobilidade dos meios não é um fenômeno da contemporaneidade.

Por fim, procuramos demonstrar, os problemas conceituais em não separar conteúdos em vídeo 360º de produções em RV. O uso indiscriminado do termo pode reduzir a potencialidade desse conceito, sobretudo no momento que o vídeo em 360º é observado como exemplo de algo com propriedades parecidas, porém distintas e que despertam a sensação de imersão com interatividade, com ação pelo público. O objetivo não foi definir que o conteúdo capturado com uma câmera de vídeo em 360º não seja uma linguagem imersiva, mas compreender diferentes potenciais determinados por capacidades e limitações tecnológicas intrínsecas ao meio de origem.

Defendemos que a conceituação do termo RV parte do princípio de que essa tecnologia ainda está em fase de constituição. Mas para a consolidação da potencialidade das suas linguagens, ela é caracterizada, em primeiro lugar, pelo

preenchimento integral da visão do usuário. Essa é uma premissa básica que tem por objetivo excluir a relação da RV com o simples ato do uso de um computador, ou videogame ou a navegação em uma rede social, por exemplo. O esperado sentido imersivo prometido por esses dispositivos somente é alcançado, em sua totalidade, por meio da geração de imagens computadorizadas que devem obedecer à atividade espacial do usuário e que não podem ser atendidas pelas restrições temporais do produtor do conteúdo. Os recursos estereoscópicos permitidos por essa tecnologia devem ser perseguidos de acordo com os objetivos de cada abordagem narrativa. Por fim, espera-se que os conteúdos em RV permitam modos de manipulação dos ambientes e objetos, sendo essa característica mais determinante do que a representação integral dos ambientes.

Na ilusão é fundamental que as miragens dos objetos e do mundo burlem suas aparências. Desse modo, a fidelidade do que é imitado deve ser extremamente bem desenvolvida para que o recurso de disfarce não seja percebido pelo público. Na ilusão não há explicação, mas uma demonstração. Na simulação ocorre o oposto, já que o seu sentido busca uma compreensão de como ocorrem os diversos elementos representados. Esse modo não exige um compromisso com a representação integral ou promessa de substituição da realidade. Antecipando as palavras de Ernst Gombrich (1995, p. 85) na etapa quatro desse trabalho: “aqueles que compreendem a notação não vão tirar nenhuma informação falsa do desenho [...] Não é o registro fiel de uma experiência visual, mas a construção fiel de um modelo relacional.”

Acreditamos que esse posicionamento delimitador é fundamental. Após mais de 50 anos de pesquisas, a RV finalmente chegou a um modelo de comercialização razoavelmente viável. Foram necessárias quatro gerações de pesquisadores, investidores e desenvolvedores para que essa tecnologia atingisse o status de um dispositivo de comunicação. Ainda existem limitações técnicas, como a necessidade de sistemas computacionais mais avançados e a invisibilidade do dispositivo.Ou seja, ainda em encontramos desafios na transformação da RV como a interface final. Mas essas barreiras, a nosso ver, não podem ser compreendidas como limitadoras da potencialidade da linguagem dessa tecnologia. No entanto, o uso indiscriminado da RV ainda pode causar fragilidades nos seus usos e aplicações.

3 MAPEAMENTO ENTRE A REALIDADE VIRTUAL E O JORNALISMO

No capítulo anterior, propomos um cenário histórico para compreender o processo de sucessão das tecnologias que participaram da idealização da RV contemporânea. Também definimos e delimitamos os tipos de dispositivos a partir dos objetivos da nossa pesquisa. Para a próxima etapa, localizaremos os estudos voltados às relações entre as tecnologias da RV enquanto meios de comunicação de massa, além de demonstrar que as propostas de relação entre a tecnologia de RV e jornalismo surgem já na primeira emergência nos anos 1990.

Nos estudos pioneiros sobre RV, como os empreendidos por Krueger (1991), Rheingold (1992), Hillis (2004), Heim (1993) e Wooley (1993), há um amplo reconhecimento dessa tecnologia de imersão como uma legítima forma de comunicação. Essa convicção é mantida e concretizada entre os estudos mais recentes, como os desenvolvidos por Jerald (2016), Bailenson (2018) e Lanier (2017). Buscas realizadas no IEEE Xplore Digital Library, principal banco de dados de pesquisas relacionadas à ciência da computação e áreas afins, com as palavras- chave “virtual reality” e “communication” apontaram aproximadamente 4.400 mil artigos. Mas quando delimitamos o campo da comunicação com o termo “journalism”, o resultado será de apenas uma dezena de estudos61. Assim, surge uma questão: como um suposto novo meio de comunicação pode ter poucos trabalhos expressivos publicados em uma das suas áreas?

É verdade que junto ao desenvolvimento dos mais recentes dispositivos de RV disponíveis no mercado, a partir de 2016, identifica-se uma ampliação de pesquisas voltadas à reflexão entre os campos da RV e da comunicação, principalmente com as práticas jornalísticas. Essa aproximação deve-se, acreditamos, ao trabalho de Nonny de la Peña (2010), sobre a conceituação do jornalismo imersivo. No entanto, essa emergência de estudos mais recentes, podem induzir aos pesquisadores uma sensação de um campo vazio, com poucos trabalhos desenvolvidos na área.

Que os trabalhos de Nonny de la Peña sejam fundamentais para o campo não há dúvida. Seu prestígio e pioneirismo no uso da tecnologia transformaram ela na “madrinha da RV” (VOLPE, 2015; HELMORE, 2015; KNOEPP, 2017). Veremos em

detalhes, nesse capítulo, uma ampla análise sobre seu trabalho e disseminação no campo científico. No entanto, como procuraremos demonstrar, a relação envolvendo o jornalismo e sua potencialidade a partir da RV é desenvolvida desde a década de 1990. Nossa opinião é que são fundamentais o reconhecimento e a revisão desses trabalhos em um momento em que discutimos a necessidade e constituição de uma linguagem própria para RV, questão problematizadora para o avanço dessa tecnologia nas visões de autores como Murray (2016) e Uricchio (2016a), por exemplo.

O trabalho de Rheingold (1992) é um estudo fundamental para a compreensão tanto da história como para as projeções da tecnologia. Os fatos mais atuais da RV, envolvendo as primeiras experiências com ambientes de grande participação de usuários demonstram que a obra permanece obrigatória para todo trabalho envolvendo o tema. No entanto, a obra de Rheingold não é voltada exclusivamente para o campo da comunicação, mas aberta a uma multidisciplinar emergência de usos, da engenharia espacial às adaptações pela indústria de brinquedos. Para localizar o primeiro estudo voltado exclusivamente para a RV e seus usos pela comunicação, devemos iniciar nosso percurso a partir do volume 42, número 4, do Journal of Communication, publicada em 1992 e que destacava a ausência de estudos aprofundados sobre o tema:

[...] apesar das mudanças históricas que estão ocorrendo, a maioria dos estudiosos da comunicação sabe pouco mais sobre a realidade virtual do que o que eles leram em seu jornal de domingo ou viram no filme Lawnmower Man. A realidade virtual é importante demais, maravilhosa demais, poderosa demais para permitir a ignorância contínua do meio. Portanto, nós decidimos dedicar uma edição inteira do Journal of Communication a esse fenômeno emergente. É, acreditamos, a primeira consideração da realidade virtual na literatura da comunicação62 (LEVY, 1992, p. 3, tradução nossa).

Nessa edição do Journal of Communication, seis artigos e uma entrevista propõem uma série de cruzamentos envolvendo diferentes campos da comunicação. Biocca (1992a) introduz o que autor denomina como a "realidade participatória" do universo virtual e esboça algumas possibilidades de pesquisa a partir de paradigmas tradicionais da comunicação. Importante aqui começarmos a realçar os termos 62 No original: Yet despite the historic changes that are occurring, most communication scholars know

little more about virtual reality than what they’ve read in their Sunday newspaper or seen in the movie Lawnmower Man. Virtual reality is too important, too wondrous, too powerful, to permit continued disciplinary ignorance. We decided therefore to devote an entire issue of the Journal of Communication to this emerging phenomenon. It is, we believe, the first consideration of virtual reality in the communication literature.

adotados pelos estudos pioneiros, com destaque para a capacidade ou intenção de participação mencionada pelo autor. Já no artigo seguinte, Biocca (1992b) propõe um tutorial do meio, voltado ao desenvolvimento dos diversos conceitos que estruturam a nova tecnologia, como, por exemplo, as definições de presença, imersão, HMD, entre outros. A partir de diversas articulações, o pesquisador relaciona os novos conceitos da época, surgidos com os equipamentos da nova tecnologia de RV para sugerir, ou apostar, como seriam os novos meios de comunicação. Steuer (1992) compõe definições para o conceito de RV, voltado principalmente para os sentidos de presença e telepresença, culminando nas possibilidades de estudo do meio, para o autor, a partir da vivacidade e interatividade. Shapiro e McDonald (1992) abordam as decisões de usuários de tecnologias de RV enquanto produtoras de sentidos que podem fazer do mundo virtual indistinguível do mundo real. Essa questão de um suposto embaralhamento entre realidades receberá atenção na próxima etapa da nossa investigação. No entanto é oportuno alertar que essas mitificações acompanham todas as tecnologias em seu surgimento e contam com importante papel do jornalismo para sua idealização. Voltaremos ao tema em breve.

Já nos dois artigos finais do Journal of Communication, Nilan (1992) sugere que a RV poderá ser uma importante ferramenta para gerenciar a imensa quantidade de informação multimídia, e Regian, Shebilske e Monk (1992) apresentam um caso empírico do uso de RV como meio de instrução e aprendizado. Ao final do volume, é apresentada uma transcrição de entrevista realizada por Frank Biocca a Jaron Lanier, com destaque para a visão de Lanier sobre a RV nos campos do entretenimento e da comunicação, bem como os diferentes tipos de uso que a RV poderá ser utilizada. Em uma das visões de Lanier (1992, p. 171, tradução nossa) “Não tenho dúvidas de que a realidade virtual será usada tão mal quanto os livros63”.

Nesse rápido resumo sobre os trabalhos publicados do Journal of Communication, é possível notar uma abordagem ampliada a respeito do cenário de oportunidades para a comunicação. Há a identificação de um campo potencial para produção de sentidos, mas ainda sem aproximações com qualquer tipo de prática ou discurso que envolva o jornalismo. Essa relação será projetada alguns anos mais tarde por Biocca e Levy na obra pioneira a tratar dessa relação, Communication in the Age of Virtual Reality, publicada em 1995.