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A literatura de ficção fez as primeiras aproximações de elementos constituintes da RV, mesmo ainda sem usar esse termo. Rüdiger (2008, p. 39) destaca que antes da narrativa contemporânea do cinema “tudo foi precedido ficcionalmente por outras soluções referentes à maneira de compor a relação entre homem e máquina como mundo e, portanto, universo de cibercultura”. Nesse sentido, é possível localizar uma série de obras que desenvolveram noções de mundos imaginários artificiais (WOLF, 2017, p. 192) acessados somente por meio de tecnologias imersivas.

43 Sigla para head mounted display, ou visor montado na cabeça. Em razão do uso constante da sigla HMD na bibliografia utilizada, o autor utilizara no decorrer do trabalho essa sigla no seu idioma original.

Muito antes de Neuromancer, obra de William Gibson (2006) e uma das mais influentes ao projetar a criação de realidades sintéticas construídas a partir de computadores, em 1935, é publicada a obra Pygmalion's Spectacles44, escrita por Stanley Weinbaum. Ela narra a história ficcional de Dan, o protagonista, que usa um conjunto elétrico de óculos com capacidades de levá-lo para o mundo de Paracosma, um ambiente artificial em que é possível ver, ouvir, cheirar e tocar objetos. Em 1964, é a vez de Simulacron-3, escrita por Daniel Galouye45, em que somos apresentados à possibilidade de vida simulada a partir de computadores. Veremos na sequência o aparecimento do conceito de RV e sua relação com tecnologias imersivas. Esses são alguns exemplos da literatura que flertavam com a constituição de ambientes e realidades operados por meio de tecnologias. Aqui ainda não há o uso do termo RV, e que será localizado somente a partir da década de 1930, mas já é evidente uma perspectiva de transferência de realidades que surge por meio da ficção científica.

O termo la réalité virtuelle aparece pela primeira vez, em francês, em 1938 a partir de um texto de Antonin Artaud. Diretor, ensaísta e autor de grande referência para os estudos sobre o teatro, a RV de Artaud diz respeito ao conjunto de elementos utilizados para a representação das histórias nos palcos.

Todos os verdadeiros alquimistas sabem que o símbolo alquímico é uma miragem assim como o teatro é uma miragem. E esta perpétua alusão às coisas e ao princípio do teatro que se encontra em quase todos os livros alquímicos deve ser entendida como o sentimento (do qual os alquimistas tinham a maior consciência) da identidade que existe entre o plano no qual evoluem as personagens, os objetos, as imagens, e de um modo geral tudo o que constitui a realidade virtual do teatro, e o plano puramente suposto e ilusório no qual evoluem os símbolos da alquimia (ARTAUD, 1984, p. 66).

Na década de 1950, Susanne Langer (1953) fez uma ampla discussão a respeito de objetos virtuais no campo da arte. A arte também será recurso usado por um dos pioneiros das experiências interativas entre humanos e computadores, Myron Krueger propôs, na metade da década de 1970, o termo realidade artificial (KRUEGER, 1991; WEXELBLAT, 1992). A instalação chamada Videoplace, (Figura 11), principal obra de Krueger, consistia em

44 Obra sem tradução para a língua portuguesa.

45 Simulacron-3 deu origem a produções cinematográficas como o seriado Welt am draht (1973), do cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder, e o filme The Thirteenth Floor (1999), realizações sem o poder comercial de Matrix (1999), mas que fazem provocações em elementos muito próximos aos desenvolvidos pelas cineastas Lilly e Lana Wachowski.

um ambiente de computação gráfica bidimensional; um circuito fechado clássico, que grava o observador em vídeo e projeta sua silhueta, manipulada digitalmente, em uma tela do tamanho de uma parede. O programa oferece muitos graus de interação, envolvendo o observador em uma estrutura do tipo de diálogo” (GRAU, 2007, p. 199).

Figura 11 – Instalação da obra Videoplace

Fonte: The Digital Age.com (1975).

Nessa instalação, ambientes virtuais gerados por computadores tornam-se responsivos a partir da interatividade humana em tempo real. Krueger ponderou que o novo ambiente virtual deveria ser observado como a ampliação do espaço para exibir os mais variados conteúdos conforme a interação do homem com a máquina, não apenas uma nova forma de fruição de conteúdo baseada em um óculos e luvas com sensores de movimento. Na abordagem de Krueger, a interatividade é tratada como um problema estético da arte. O autor propõe novas maneiras de interação entre pessoas e máquinas. A proposta de Krueger para ambientes interativos é similar à tecnologia desenvolvida por Cruz-Neira et al. (1992), denominada CAVE (Figura 12), sigla para Cave Automatic Virtual Environment, instalações compreendidas normalmente por quatro paredes com projeções que obedecem ao posicionamento e ponto de vista do usuário. Essas imagens, que podem ser projetadas no teto e no chão, obedecem a sensores instalados no dispositivo que o usuário utiliza para navegar nesse ambiente virtual (VINCE, 1998, p. 88).

Figura 12 – O sistema Cave

Fonte: Wikimedia (2001)46.

Já Jaron Lanier, considerado o criador do termo realidade virtual47 (RHEINGOLD, 1992; SHERMAN; CRAIG, 2003; RYAN, 2001), constituiu um conjunto de equipamentos vestíveis para usufruir de uma imersão completa do espaço virtual. Isto ocorreu, sobretudo, com o desenvolvimento de um sistema composto por uma roupa com sensores corporais, o DataSuite; uma luva, a DataGlove; e um HMD, o EyePhone. O kit foi desenvolvido pela empresa VPL, de propriedade de Lanier, e na sua concepção inicial, a RV partia da necessidade de integrar um vestuário computadorizado para usufruir do espaço virtual (Figura 13). Rheingold (1992, p. 114) define: “se você quiser visitar o ciberespaço, você precisa colocar luvas equipadas com sensores e cobrir seu rosto com um monitor montado na cabeça”. É essa característica, de substituição completa do que é possível ver e interagir, que faz a ideia original de Lanier ser mais adequada do que a proposta de Krueger. Mesmo passados quase 30 desde a afirmação de Rheingold sobre o modo de acesso à RV, ela ainda exige o uso de dispositivos muito próximos ao corpo, mais especificamente aos olhos.

46 Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/6d/CAVE_Crayoland.jpg. 47 Wolf (2017, p. 192) destaca que o termo realidade virtual na língua inglesa apareceu pela primeira

vez na obra de ficção Judas Mandala, publicada em 1982 e escrita por Damien Broderick. Em capas desse livro disponíveis na internet há referências que destacam que a obra cunhou o termo

realidade virtual. No entanto, até o momento de finalização da etapa atual da nossa pesquisa, não foi possível acessar essa obra e analisar a narrativa sobre o uso desse termo por Broderick.

Figuras 13 – Conjunto vestível Data Suit, desenvolvido pela VPL

Fonte: Wikipedia48 (1989).