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AGRICULTURA E AMBIENTE

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 60-64)

ECONOMIA, MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA: ALGUNS QUESTIONAMENTOS

AGRICULTURA E AMBIENTE

A agricultura, após seu surgimento, teve como função básica a segurança alimentar da população, evitando o caráter nômade ou as migrações das civilizações. Para isso, capta energia luminosa do sol e a transforma em matérias primas e alimentos através da fotossíntese, assumindo um papel estratégico para a humanidade.

Com a última grande revolução no processo produtivo, iniciado no final do último

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Uma melhor análise dos impactos da modernização da agricultura sobre o ambiente pode ser vista em Altieri & Masera (1997).

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Para exemplificar o uso da tese Malthusiana, podemos citar a recente discussão a cerca dos organismos geneticamente modificados. Os defensores desta técnica têm usado o argumento de que irão faltar alimentos à população, como justificativa para a adoção desta tecnologia.

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Citado por Paulus (1999, p.87), onde podem ser observados outros exemplos de outros autores, no cultivo de batata e milho crioulo.

século, culminado com a Revolução Verde nas décadas de 60 e 70, a agricultura entrou numa fase considerada de modernização. Esse padrão moderno trouxe consigo, principalmente, um grande consumo de energia e materiais não renováveis e uma mudança radical no padrão tecnológico, com alto grau de externalidades negativas ao ambiente e também as de ordem social. Por conta disto, o setor agropecuário vem sendo considerado

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hoje, o maior responsável pela degradação e poluição ambiental .

Conforme Paulus, (1999, p.32), a agricultura moderna, praticada no pós-guerra, não só reduziu cada vez mais a captação de energia (solar), como ainda contribui para acelerar o esgotamento dos recursos energéticos não renováveis, num processo altamente entrópico. Esse processo torna a balança energética (relação insumo/retorno energético) cada vez mais negativa.

Outra conseqüência da modernização acelerada da agricultura, de acordo com o mesmo autor, foi a intensificação da erosão do solo, e mais gravemente ainda, a erosão genética, que levou à perda irreparável da biodiversidade animal e vegetal de certas

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regiões . A intensificação da utilização de agrotóxicos, adubos químicos e da mecanização contribuíram para a expansão das grandes lavouras com monocultivos que, além de causarem prejuízos ambientais, causaram uma redução do nível de emprego rural, aumento da concentração da posse da terra e aceleração, em conseqüência, do êxodo dos pequenos agricultores, parceiros e arrendatários (Paulus, 1999, p.33), que engrossaram os bolsões de miséria das grandes cidades acarretando em mais problemas ambientais de cunho urbano.

Partindo destas constatações, fica um questionamento acerca das vantagens econômicas que vêm sendo atribuídas a esse padrão que, de certa forma, até justificou sua adoção. Foram contabilizados os enormes volumes de recursos necessários para a reparação destas externalidades? Quem assumirá tal prejuízo? E é realmente possível serem contabilizadas todas estas perdas?

O mito levantado pela tese Malthusiana de escassez de alimentos que justificou

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em parte essa “reforma tecnológica” da agropecuária, parece ter caído por terra . Primeiro porque a tecnologia não resolveu o problema da fome no mundo (que não decorre da falta de alimentos, o que pode ser explicitado por um simples cálculo matemático); e segundo, porque se mostra insustentável sob diversos aspectos, dentre eles o ambiental e também o econômico.

Para exemplificar estas situações, e sustentar que a opção pela “modernização da agricultura” como forma de desenvolvimento, inclusive econômico, é controversa, pode-

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se citar o trabalho de Drinkwater et al. (1998) que estudou comparativamente durante dez anos (1986-1995), três sistemas de manejo para cultivo de soja e milho em rotação. O primeiro sistema tinha por base o fornecimento de biomassa (gramíneas e leguminosas) para o gado de corte, utilizando o esterco como fonte de adubação; o outro sistema

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Entende-se por degradação ambiental quando a velocidade de retirada de recursos naturais é superior a velocidade de reposição deste recurso pelo ambiente; e por poluição ambiental quando a velocidade de despejo de dejetos (resíduos do processo produtivo) no ambiente é maior que a velocidade deste em assimilar ou processar este dejeto.

constituiu na incorporação de leguminosas ao solo previamente ao cultivo do milho; e o terceiro sistema baseou-se em métodos convencionais, com utilização de adubos químicos e pesticidas. Como resultado, o rendimento do milho foi, respectivamente, 7.140, 7.100 e

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7.170kg.ha , não apresentando diferenças significativas. Isto mostra que, ao longo do tempo, o sistema convencional, considerado de maior rendimento físico, se apresenta mais instável e, na média, não supera os sistemas alternativos. Ou seja, os sistemas alternativos podem até ter um decréscimo inicial em produtividade física, muitas vezes decorrente da condição de solos seriamente degradados que recebem, mas pelo melhor manejo dos agroecossistemas, recuperação da fertilidade dos solos, maior estabilidade dos cultivos com menores riscos em relação às intempéries, ao longo do tempo, mostram-se tão

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produtivos como os cultivos convencionais .

No tocante aos rendimentos econômicos, possivelmente o terceiro sistema seria o de menor lucratividade, visto que utiliza insumos de alto valor externos à propriedade, que não se revertem em maior produtividade. Se fossem contabilizadas ainda, todas as externalidades (erosão do solo, contaminação por agrotóxicos, assoreamento de rios, custo com tratamento de água, eventuais problemas de saúde, etc.) quiçá estaria próximo a rentabilidades negativas. Também será o sistema de menor eficiência quando calculado o balanço energético, devido à maior utilização de imputs externos e à reduzida capacidade de captação de energia fotossinteticamente ativa que este tipo de sistema de cultivo possui.

Os preços de mercado dos produtos agroecológicos, hoje, são levemente superiores aos convencionais. Depois de pontuadas as questões acima, podem parecer uma grande contradição. Porém, é um fato que merece uma análise mais aprofundada. Os produtos agroecológicos, por fazerem parte de sistemas complexos, tecnicamente despendem maior uso de mão-de-obra, um dos componentes que mais contribui para o custo de sua produção. Entretanto, esta não é uma característica pejorativa. Temos uma massa de desempregados no Brasil, e também no restante dos países pobres ou em desenvolvimento, que vem sendo um dos principais problemas a ser resolvidos pelos governos. Portanto, uma atividade que absorve maior quantidade deste contingente e pode, com isso, oferecer melhor distribuição de renda, não deve ser desestimulada por esta razão.

Outro fator que contribui para o desbalanço dos preços nos produtos agroecológicos diz respeito ao processo de comercialização. Weid (1988) afirma que a comercialização e transformação de produtos agroecológicos implicam em gastos maiores, sobretudo pela dispersão dos produtores, que impõem problemas logísticos decorrentes da escala de produção. Ou seja, o reduzido volume produzido e distribuído em locais distantes uns dos outros e também do mercado consumidor, gera custos elevados para transporte, armazenamento, distribuição, processamento, embalagens, etc. Na medida em que a proposta agroecológica se generalizar, os consumidores poderão ser beneficiados com a redução dos custos.

Se ainda não bastasse, os subsídios e incentivos, de toda ordem, concedidos à produção convencional confundem sobremaneira a comparação. Desde o início do processo de modernização da agricultura vultuosos recursos financeiros têm sido gastos para implementar esse modelo: programas de incentivo à pesquisa, a formação de um aparato de extensão rural e assistência técnica para fomentar a adoção da 'nova tecnologia',

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Outros estudos com esses mesmos resultados são citados em Weid (1988).

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Segundo a abordagem, práticas não conservacionistas diminuem a produtividade dos recursos ao longo do tempo, devendo ser atribuído um “custo de depreciação” comparativamente ao que é usado em uma máquina.

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Referem-se as externalidades negativas como danos às áreas de recreação, pesca e navegação.

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Visto que, em alguns dos casos estudados, as práticas não conservacionistas de recursos recebem pesados subsídios, maiores do que os atribuídos às práticas poupadoras de recursos.

reestruturação dos cursos das ciências agrárias para formar profissionais capacitados para a nova função, financiamentos para produção e comercialização, entre outros que poderiam ser citados, contribuíram para reduzir o custo (ou melhor, os preços finais ao consumidor) da produção convencional. Por outro lado, não encontramos dados mostrando que a produção agroecológica tenha recebido investimentos na geração de conhecimentos e tecnologias dentro das universidades e institutos de pesquisa, que permitissem reduzir custos, bem como ter acesso a financiamentos subsidiados para custeio ou investimentos e tão pouco teve a difusão de sua proposta pelos órgãos estatais de extensão rural. As iniciativas neste campo, apesar de existentes hoje, são ainda muito modestas. Fica difícil comparar situações que se encontram em condições completamente diferenciadas.

Para completar o disparate, a sociedade como um todo tem assumido os custos com externalidades negativas (com a exaustão e degradação dos recursos naturais, gastos com saúde, perda de potencial pesqueiro ou de transporte de rios, etc.) provocados pela agricultura moderna. Esforços no sentido de criar modelos de contabilização das questões ambientais no processo produtivo têm sido despendidos. Desta maneira, poder-se-á fazer comparações em igualdade de condições. Um exemplo pode ser observado em Altieri (1998, p.75-102) que realizou uma análise dos custos ambientais das políticas agrícolas em termos físicos e monetários de modo que os custos e benefícios das políticas alternativas pudessem ser comparados. Foram realizados seis estudos em quatro países – Índia, Chile, Filipinas e Estados Unidos – onde, os autores compararam a rentabilidade em contextos políticos diferentes e a economia dos sistemas de produção convencionais e alternativos quando são incluídos os recursos naturais, objetivando quantificar os principais impactos ambientais ou sobre a saúde do sistema de cultivo predominante na área em estudo. Os temas comuns a todos os estudos foram os seguintes:

- a análise econômica que exclui o valor da mudança na produtividade dos

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recursos naturais ou os fatores externos aumentará o valor das práticas que degradará os recursos e reduzirá daquelas que os conservam. Se forem considerados os custos e benefícios, as práticas conservadoras de recursos podem, ao gerar benefícios significativos ou evitar grandes gastos, tornar-se a opção certa;

- as práticas de produção conservadoras de recursos podem concorrer econômica e financeiramente com as convencionais;

- as políticas que desprezam o uso da produtividade dos recursos naturais na agricultura podem diminuir a sustentabilidade e causar perdas econômicas e fiscais

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significativas .

Portanto, o argumento de que a agricultura convencional é mais rentável econômica e financeiramente se torna bastante questionável, pois

“os indicadores de produtividade física ou econômica, avaliam apenas a relação entre os 'imputs' (ingressos) do capital feito pelos humanos (sementes, fertilizantes, mão-de-obra, e outros) e os 'outputs' (resultado físico expresso pela produção) por

unidade de área. Em nenhum momento, é realizado o balanço do capital natural, (recursos considerados como bens livres), dada as dificuldades de mensuração e valoração dos mesmos. Porém, exatamente a desconsideração dos estoques do capital natural, tem levado inúmeras áreas do planeta ao esgotamento de alguns recursos naturais e sua conseqüente inviabilização agrícola já no tempo presente” (Aristimunha, 1997, p.37).

Quem absorve os prejuízos com a degradação do solo, poluição por pesticidas, redução do estoque de recursos não renováveis, emissão de gases na atmosfera, gastos com saúde humana devido às intoxicações por agrotóxicos, etc.? Partindo dos elementos até aqui levantados, parece óbvio que modelos de agricultura com enfoque agroecológico serão muito mais sustentáveis do ponto de vista termodinâmico, pois são minimizados o uso de recursos naturais não renováveis, os imputs energéticos externos e os impactos ambientais; e mais econômicos financeiramente, se forem atribuídos valores a todas as externalidades dos modelos convencionais, até mesmo partindo de uma análise clássica, pois trabalham de forma mais adequada os “recursos escassos” e evitam gastos futuros com recuperação ambiental.

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 60-64)