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QUESTÕES AMBIENTAIS NA ECONOMIA CLÁSSICA

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 57-59)

ECONOMIA, MEIO AMBIENTE E AGRICULTURA: ALGUNS QUESTIONAMENTOS

QUESTÕES AMBIENTAIS NA ECONOMIA CLÁSSICA

A organização de um sistema econômico, independente de qual princípio o oriente, tem como elementos centrais o setor de produção e o setor de consumo. Nos sistemas ditos de “livre mercado”, as decisões do que produzir e do que consumir, são tomadas em virtude das relações de forças do mercado, ou seja, o quanto o setor de produção está disposto a produzir e o quanto o setor de consumo está disposto a consumir a um determinado preço, tentando atender aos seus próprios interesses. A inexorável lei da oferta e da procura.

Dois aspectos podem ser levantados desta constatação. O primeiro diz respeito à ação sobre terceiros que a atuação dos produtores e consumidores ocasiona, para atender interesses próprios. Este fenômeno, em economia, se chama de externalidade, que é caracterizada quando a produção de uma firma ou o consumo de um indivíduo afeta terceiros de forma positiva ou negativa (Foladore, 1999). O efeito na forma de uma externalidade é de difícil controle pelo sistema econômico de livre mercado, pois não é levada em consideração quando da tomada de decisão do produtor e do consumidor. Ou seja, se a externalidade for positiva, quem a provoca não irá receber nada em troca de quem está se beneficiando, mas também não o indenizará quando estiver prejudicando.

Por outro lado, os problemas de alocação e distribuição de bens, serviços e recursos de maneira eficiente são resolvidos quando estes passam pelos mercados competitivos sob condições de concorrência perfeita, onde os preços irão guiar a melhor alocação alternativa. No entanto, partindo da premissa de que a degradação ambiental e os resíduos de produção e consumo não têm preço, ou são de difícil valoração, o mercado não consegue resolver os problemas de sua alocação e distribuição de forma ótima e eficiente, exatamente por não possuírem um valor de troca para seus donos, que acabam lançando-os ao ambiente ou computando custo zero para produtos provenientes da extração de determinado recurso, vislumbrando apenas a acumulação de capital.

Para resolver estas questões, têm sido despendido esforços tentando atribuir valor a tudo que até então não o tinha. Para ilustrar, está sendo atribuído um valor de R$ 4 trilhões à biodiversidade brasileira, conforme cálculo de um grupo de técnicos do Instituto

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Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) , mesmo sem saber qual realmente é o tamanho em números da nossa biodiversidade. Outro caso é o dos 16 grandes ecossistemas terrestres, avaliados em 33 trilhões de dólares pelos benefícios

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que proporcionam aos seres humanos, segundo estudo publicado pela revista Nature . No entanto, será possível, com um aporte financeiro, reverter a perda de uma determinada espécie? Recompor um ecossistema por completo?

Integrantes desta corrente teórica dominante passam a dizer, segundo Eli da Veiga (2000, p.18) que,

“o valor de troca e o valor de uso são apenas duas partes de um valor total formado por outros tipos de valores, entre os quais o 2

Correio do Povo, 10/07/2000, p.10.

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Citado por Eli da Veiga (2000, p.26).

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Mais comentários sobre ecotaxas podem ser vistos em Veiga (2000).

'valor de existência'. (...) se algumas pessoas conseguem satisfação somente por saber que algum ecossistema particular existe em condições relativamente intocadas, o valor resultante de sua existência é tão real como qualquer outro valor econômico, seja de uso ou de troca”.

Da mesma forma, preocupados com o aquecimento global do planeta, há tentativa de estipular uma carga total de poluição suportável, com a alegação de limitar o efeito estufa, e estudam a instituição do comércio de cotas para poluir. Foi o acontecido com o protocolo de Kyoto, em que alguns países – que são responsáveis pela maior carga de gases na atmosfera – relutaram em assinar ou não assinaram. Desta forma, países ricos poderiam comprar dos países mais pobres, que não atingem sua cota, o “direito” a poluir.

Esta alternativa de atribuir preço para bens, que até então o mercado não considerava, tem algumas dificuldades, que, na visão de Foladore (1999), podem assim ser resumidas:

- dificuldades de fundo: como os ritmos naturais da biosfera não têm nenhuma relação com os ritmos econômicos, impor preço à depredação ou à poluição não garante a sustentabilidade destes recursos ou bens, pois existe uma contradição entre a tendência de um crescimento ilimitado da economia capitalista e da escala ótima de capacidade de carga de uma população ou ecossistema;

- dificuldades teóricas ou técnicas: como determinar um preço que não existe quando se trata de avaliar os custos de situações que não existem? Diferentes metodologias têm levado a resultados muito distintos que acabam perdendo credibilidade;

- dificuldades éticas: é eticamente muito discutível outorgar preço ao grau de exploração de recursos que utilizarão gerações que não estão presentes para negociar e expressar suas preferências;

- dificuldades políticas: a valoração de um recurso sem preço no mercado é sempre arbitrária, e as externalidades se mostram negativas para alguns e positivas para outros, implicando que as decisões políticas acarretam em beneficiados e prejudicados.

Uma outra linha de pensamento se faz presente na ciência econômica hegemônica para tratar as questões ambientais. Para ela, estas são questões menores, suscetíveis de serem resolvidas por um leve ajustamento do sistema econômico, ou seja,

“é uma simples questão de correção de um leve defeito de alocação de recursos, por meio da cobrança de taxas de poluição”

(Beckermann, 1972 apud Passet, 1995)

Dessa forma, muitas “ecotaxas” estão sendo instituídas para arrecadar fundos das

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atividades danosas ao ambiente, para que possam ser revertidas em ações de recuperação . No entanto, se uma atividade for financeiramente rentável, essas taxas serão apenas mais um dos componentes dos custos para seu empreendedor, não garantindo, portanto, que teremos uma preservação ambiental. A lógica permanecerá a mesma.

Essa é uma fórmula que o capital vem encontrando para penetrar nas questões ambientais. Se os recursos naturais adquirirem preço, as forças de mercado irão tratar de fazer o melhor uso possível.

5Diz-se que uma atividade ou um organismo é entrópico quando há a necessidade de aporte constante de uma quantidade de

energia para mantê-los funcionando. Em cessando o aporte de energia esta atividade ou organismo tende ao nível mínimo de energia, ou seja, o sistema se desorganiza e sucumbe. Como exemplo, podemos citar os seres vivos. O ser humano necessita diariamente ingerir uma quantidade alimento (energia) para manter o funcionamento do corpo. Caso não se alimente, o sistema se desorganiza e tende ao nível mínimo de energia – a morte. A mesma relação pode ser feita na agricultura, onde determinados sistemas necessitam de grande quantidade de energia externa à propriedade. Se este aporte de energia não for feito, o sistema não funciona.

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Para um aprofundamento dos preceitos da economia ecológica ver: Martínez Alier, J. Da economia ecológica ao ecologismo popular. Blumenau:Furb, 1998.; e Martínez Alier, J.; Schlüpmann, K. La ecología y la economía. México: Fondo de Cultura Económica, 1993.

No entanto, o mundo real é, na verdade, um mundo econômico imperfeito, onde se quer o livre mercado se materializa. Ou seja, de fato, este sistema não existe. Temos oligo e monopólios e os preços, demandas e ofertas são influenciados por outras forças que as exclusivamente de mercado, como os Estados, os governos e, principalmente, os grandes grupos econômicos, tornando dessa forma o sistema imperfeito.

Portanto, o modelo de livre mercado tem se mostrado falho na resolução dos problemas que qualquer sistema econômico tem que resolver, quais sejam: o que, quanto,

como, e para quem produzir, além de o que reservar (garantia de produção futura), pois, “a expansão econômica, ao manter sua lógica de acumulação

acelerada, implica inexoravelmente em degradação ambiental''

(Canuto, 1998, p.73), ou seja,

“La organización de la producción, distribución, y consumo por

la vía del mercado es el mecanismo naturalmente mas antiecológico que puede existir”

(Foladore, 1999, p.154-155).

ECONOMIA ECOLÓGICA: SE CONTRAPONDO

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 57-59)