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Albrecht Durer Vista do Vale do Arco, 1495

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 112-116)

No Renascimento, e no que respeita à representação, já demos conta por vezes da inexistência do referente no mundo, de que começámos por falar na abertura deste capítulo. Tal como Christopher Wood começa por se interrogar, não sabemos de onde vêm as obras e paisagens que na Renascença começam por tornar-se visíveis. As vis- tas com base no enquadramento ou através da janela designada por Alberti, não são portanto reproduções naturalistas do vísivel que Alberti destacava.

O enquadramento ou a janela, proposta por Alberti, é como sugere A.Friedberg

“(...) uma metáfora visual, a janela funciona para reinscrever a sua imagem sobre outra imagem, a pintura. A relação de imagens neste circuito é bidirecional: a janela é como uma pintura que enquadra a abertura para o mundo e a pintura é como uma janela, uma técnica para construir perspetiva, e o pintor deve enquadrar a vista.”139

Um dos aspetos importantes do contributo desta autora para a nossa temática é esta interpretação da janela e da visão renascentista. A janela é uma metáfora, substitui algo por outra coisa, sem que esse processo se traduza numa imitação. Como a autora acrescenta, “as metáforas são virtuais; residem na imaterialidade da linguagem, po-

rém referem-se ao mundo material.”140 Estamos de acordo com a linha teórica desta

autora, na medida em que considera que “Alberti, usou a janela predominantemente

como uma metáfora para o enquadramento, a relação de um observador fixo com a vista enquadrada - e não como uma janela “transparente”, “janela para o mundo”, como tem sido largamente promovido por historiadores de arte e teóricos dos me- dia.”141

É nesta medida que o termo virtual, tal como privilegiado por Friedberg, vai ao encontro da nossa análise. A nosso ver, o virtual não substitui o real como uma cópia, nem se dispõe como uma representação baseada na imitação fiel. Já abordámos aliás alguns destes aspetos acerca da representação, e é importante compreender que a sua riqueza, enquanto interpretação sujeita a convenções, é potenciada pela imagem vir-

139 Friedberg, A. (2006). The Virtual Window, MIT, p. 12. 140 Ibidem.

tual. Como indica A.Friedberg o termo “virtual serve para distinguir qualquer repre-

sentação ou aparência (quer seja ótica, tecnológica, ou produzida artesanalmente) que seja “funcional ou efetiva mas não formalmente” da mesma materialidade que representa.”142

A virtualidade tem por isso caraterísticas essencialmente dinâmicas no que se refere à entidade que representa, contrariando a ideia de uma mera duplicação de um corpo.

E A.Friedberg continua:

“Imagens virtuais têm uma materialidade e uma realidade mas

de um tipo diferente, uma materialidade de segunda ordem, li- minarmente imaterial. Os termos “original” e “cópia” não se aplicam aqui, porque virtualidade da imagem não implica uma mimesis direta, mas uma transferência - uma espécie de metá- fora - de um plano de significado e aparência para outro.”143

A janela formulada por Alberti inclui já indícios de uma virtualidade que con- duz para um algures ficcional, uma vista imaginária com as suas próprias variáveis espácio-temporais, que difere portanto do realismo ou de uma visão direta das coisas. Também aqui não há o "olhar inocente" da expressão de Gombrich, e a janela de Alberti afigura-se afinal não apenas uma metáfora visual, mas também uma media- ção. De facto, a virtualidade de um objeto ou imagem digital, que hoje descobrimos em simulacros construídos e livres de um referente real, começa por ser já ensaiada no modelo de Alberti, com base na mediação proposta pela sua janela. Mesmo que o interesse seja à partida o real e o visível, a verdade é que, como diria Gombrich, “o

que um pintor investiga não é a natureza do mundo físico, mas a natureza das nossas reações a esse mundo. Ele não se preocupa com as causas, mas com o mecanismo de certos efeitos”144.

142 Friedberg, A.(2006). The Virtual Window, MIT, op.cit.p. 11. 143 Ibidem..

3.2.2.1 Perspetiva, véu-quadrícula e a imagem bit-map

Nas propostas de Alberti podemos encontrar uma sistematização de algumas ideias de Brunelleschi, o precursor da perspetiva que, como é conhecido, comprovou as suas descobertas através de uma visualização do Batistério de S.João através da ilusão da pintura do edifício refletida num espelho (1415). Ambos os arquitetos esti- veram portanto na origem do desenvolvimento dos novos processos de representação. Alberti terá portanto compilado as fórmulas geométricas para criar o espaço represen- tacional da perspetiva, método que consiste num dos processos mais importantes de construção e visualização concebidos até hoje.

A perspetiva mudou além disso consideravelmente o modo como vemos e re- presentamos o ambiente e a paisagem, instaurando um espaço homogéneo que remete para um observador único num ponto fixo.

As representações anteriores tinham por base uma visão não unificada, ou seja, os objetos eram representados de forma independente sobretudo com base no conhe- cimento e não tanto no modo como eram vistos. Como é conhecido estas fórmulas encontram-se na atualidade traduzidas em algoritmos que configuram esses sistemas de representação da perspetiva contidos nos softwares 3D e de criação de ambientes.

Tal como sugerido por A.Friedberg, a conceção da janela de Alberti constituía portanto uma metáfora do retângulo do desenho em perspetiva, o enquadramento do plano do quadro. Estes postulados já antecipavam de facto as imagens de síntese digi- tal ou as que hoje são possíveis através do software 3D. De acordo com as determina- ções de Alberti, o pintor devia ver o quadro através da referida janela ou de um véu, aquilo que se entende pelo plano do quadro, de forma a que os raios de luz que vão do modelo para os olhos do espetador, ao transpor o véu, desenhassem o modelo.

Este processo ótico, com base no feixe dos raios de luz e que o método da perspetiva pretende abarcar, foi exemplificado numa gravura de Dürer que retrata precisamente uma máquina de produzir perspetivas com base em procedimentos ma- nuais e num mecanismo simples (Fig.29). Nessa máquina, o desenhador deve repetir o procedimento de esticar um fio até ao modelo através do plano do quadro, registando posteriormente essa posição através de um dispositivo de réguas que, por sua vez, permite perfurar, na superfície da representação o ponto correspondente ao modelo. É preciso porém fazer a ressalva, de que a ótica humana não se explica por completo através da perspetiva, como sugerem alguns argumentos de Wittgenstein, Goodman

e Merleau Ponty. Contudo, admitimos que existe uma certa correspondência entre a ótica humana e a sua reprodução mecânica através destes dispositivos antigos, que têm por base os princípios da perspetiva.

Para o nosso estudo, devemos porém ter presente que um dos aspetos mais rele- vantes a reter da referida introdução da perspetiva na arte do Renascimento, é o facto de encontrarmos estes mesmos princípios na configuração de imagens digitais em 3D. Como sugere I.As e D. Schodek, “este tipo de correspondência de pontos é na

verdade semelhante aos processos que observamos hoje nos dispositivos de captura de imagens da atualidade. Por exemplo, nos procedimentos ray-tracing, um raio é en- viado do ponto de vista para o objeto. O raio é então traçado de volta e mapeado no plano do quadro. A informação é por sua vez traduzida num valor inteiro que define a cor de um pixel em particular”145.

Os autores fazem igualmente referência à máquina de perspetiva de Dürer (Fig.30) e à sua correspondência com a tecnologias de visualização atuais:

145 As,I; Schodek, I.(2008) Dynamic Digital Representations in Architecture - Visions in Motion,Taylor & Francis, p.16.

Fig

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