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Yu JinHui;Luo GuoMing;Peng QunSheng, Pintura de paisagem chinesa e recolha de BSTP,

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 100-103)

pincelada, de névoa ou sombreado (Fig.23). Este sistema, ao contrário do formulado pela artista Christin Bolewski, não é aplicado em conjunção com uma cenografia 3D, mas procura a ilusão apenas com base num espaço 2D. Contudo, os investigadores revelam as potencialidades em aberto num espaço 3D, em virtude da qualidade dos resultados alcançados.

Como concluem os autores “O sistema fornece uma ferramenta aos utilizadores

exigindo-lhes o mínimo de treino e possibilitando a criação de imagens de qualidade com uma complexidade invulgar”120.

Apesar dos seus objetivos terem em vista aplicações sobretudo na animação, educação e indústria do entretenimento, existem elos de contacto com a nossa investi- gação, no âmbito do impacto dos novos média na estética da paisagem. Em suma, para além de outras referências à pintura chinesa neste capítulo, que analisámos, verifica- -se o seu contributo para a atualização da prática pictórica na nossa época.

Como veremos, algumas das aproximações aqui mencionadas, partilham princí- pios comuns que estão na base do software de ambiente 3D TerraRay, ao qual recor- remos em algumas criações pessoais que serão também analisadas nesta investigação.

3.2.2 Em parte nenhuma. A paisagem renascentista entre a imaterialidade e a ficção

Geralmente o período do Renascimento é apontado como o momento fundador da noção de paisagem na arte ocidental, ainda que possamos referir pinturas anteriores da Antiguidade, como é caso das paredes das vilas de Pompeia, mas o que está aqui em questão é a paisagem como género aceite e reconhecido, tal como E.Gombrich começou por fazer notar num ensaio de referência, acerca da elevação da paisagem no Renascimento121.

Existe realmente um aspeto algo paradoxal nesta génese, mas que provavel- mente carateriza a própria noção de nascimento, que congrega toda a parcela temporal na qual se contrapõe o que não existia com aquilo que passou a existir. E é por isso que

120 JinHui Y.; GuoMing L.;QunSheng P. (2003). Image-Based Synthesis of Chinese Landscape Painting, in Journal of Computer Science & Technology - Jan. 2003, Vol8, No.1, op.cit.p.27.

121 Cf. Gombrich, E.H. (2007). A Teoria da Arte no Renascimento e a elevação da Paisagem, in Concer-

a progressiva revelação da paisagem no séc.XV começa com o aparente descrédito pela paisagem na cultura renascentista, enquanto arte em si mesma, embora por vezes não seja possível dar pela falta de uma ausência que se desconhece. O pouco interesse pela paisagem, em particular pelos pintores da Renascença italiana, não se deve po- rém a tudo o que ela abarca. Rejeita-se sobretudo os seus valores intrínsecos e o modo de retratar a paisagem do natural, ou se quisermos ser mais precisos, a paisagem e os seus múltiplos componentes, como as árvore, núvens e rochedos, não têm assunto ou significado suficientes, e como tal não se justifica por si só retratá-los em função de um lugar preciso. Talvez por isso, as pinturas de paisagem que se revelam e começam a destacar-se no Renascimento, inaugurando o novo género artístico, na verdade não se referem a lugar algum. São afinal sítios inexistentes, meras ficções.

Contrariamos portanto a ideia de que a teoria de arte do Renascimento italiano propõe retratar e imitar a realidade com fidelidade. É verdade que Alberti, na sua obra

De Pictura, propõe o método de representação através da perspetiva, para auxiliar

o pintor a retratar somente o que é visível, e este imperativo do “visível” é repetido várias vezes na introdução da obra, na medida em que deve consistir no único propó- sito do pintor122. O visível porém obedece a uma compreensão, uma narrativa ou um

processo intelectual sujeito a convenções, a uma Istoria, e devemos acrescentar que também se cruza com a imaginação.

Imagens que iluminam certamente a “invenção” da paisagem são alguns dese- nhos de Leonardo da Vinci, que no seu Tratado de Pintura faz o elogio da beleza da natureza e da pintura de paisagem, porém a interpretação de Leonardo é desde logo muito pessoal, e a sua visão da natureza vai certamente mais além de uma simples apreensão. Nos seus textos sobre pintura, Leonardo destaca aliás o ato criativo e o po- der da imaginação do artista, comparável ou superior à harmonia das próprias coisas. Gombrich e Simon Schama são aliás unânimes em identificar em Leonardo alguns destes aspetos. A minúcia da representação de relevos e rochedos por Leonardo pode iludir quanto a uma suposta ciência que reproduz com exatidão um local preciso. Em boa verdade, por vezes Leonardo está longe disso. Como indica Simon Schama: “um

dos mais extraordinários desenhos de Leonardo regista o horizonte alpino, visto do Lago Maggiore, com o primeiro plano virtualmente eliminado, como se o olhar do

artista se elevasse acima na sua imaginada máquina voadora”123 (Fig.24). A inven-

ção de Leonardo para além do existente é deste modo notória. Schama refere ainda o estudo de A.Richard Turner, no qual se descreve o processo artístico meticuloso de Leonardo que, aparentemente, retrata de forma ostensiva e fiel as fisionomias das montanhas, mas que afinal se revela, em grande medida, produto da sua fértil imagi- nação. Como acrescenta S.Schama,

“O seu relato do Monte Taurus, por exemplo, descreve primeiro

a paisagem exuberante, em seguida, florestas de abetos e faias e finalmente “ e o ar escaldante sem qualquer vestígio de vento”. A topografia despojada do pico do Monte é realmente bem vinda e um afastamento dos vestígios dos paraísos alpinos, mas é contudo uma espécie de ficção uma vez que Leonardo, ao que se sabe, nun- ca em nenhuma altura esteve sequer perto do monte Taurus.”124

123 Cf. Alberti, L.B. (1991). On Painting, Penguin Classics.

124 Schama,S. (2004). Landscape and Memory, Harper Press, p. 426.

Fig

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