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Paisagem do jogo Guild Wars II

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 188-193)

da natureza e em particular no binómio natureza-cultura que constitui a paisagem, e que caraterizam as imagens que traduzem as suas múltiplas interpretações na pintura moderna. O teórico, e estudioso da paisagem, Horacio Fernández refere precisamente como é ilusório colocar um fim na arte da paisagem:

“Desde esta ideia de final perspetivada pelo historiador de

arte, a história da paisagem no ocidente (ou a história da pin- tura) começa nos Países Baixos e acaba depois do Impressio- nismo, quiçá no Midi francês, com os últimos quadros e de- senhos de Paul Cézanne, ainda que também possa ser aceite que a paisagem reapareça tempos depois, apoteoticamente, na obra de alguns pintores abstratos norte-americanos da segun- da metade do século passado, tal como argumentado por Ro- bert Rosemblum”263

Esta referência de Fernández a estudos que contribuem para a reabilitação da pintura de paisagem, como ocorre com Roseblum, justifica-se, uma vez que Rosen- blum fez por mais de uma vez um enfoque esclarecido sobre este género artístico no séc. XX. Como nos sugere Fernández, este final não se justifica de facto, pois “em

qualquer caso, o final da paisagem não é assunto que possa resolver-se num aponta- mento como este. Além disso, tão pouco seria assunto interessante e o mais provável é que seria entediante, voltar uma vez mais à questão da morte de algum tema das artes.”264 Concordamos assim com esta leitura, de que há uma certa continuidade

da paisagem nas artes visuais e que não se pode tomar a parte pelo todo. A própria história da paisagem transforma-se quando se vai além da pintura e se descobrem explorações de outra ordem no cinema e na fotografia. Também é certo, como indica ainda Maderuelo, que a pintura revela surpresas quando se procura e investiga um pouco mais, mas precisamos sobretudo de compreender a paragem no tempo de algu- ma criação artística à qual a pintura está associada, em parte por descolar das mudan- ças operadas na sociedade, um desfazamento que afetou necessariamente a pintura de paisagem no séc. XX.

263 Fernández, H. (2007). Antiguas Novedades. Reapariciones del paisaje en las artes visuales, in paisaje y arte Dir. Javier Maderuelo, CDAN, p. 167.

Aquilo que pode ser definido como uma espécie de fracasso das vanguardas do séc. XX, que tem um sentido mais abrangente que a pintura de paisagem, foi aliás des- crito de forma magistral por Eric Hobsbawm. Essa análise não parte do ponto de vista de um esteta ou historiador de arte, mas de um investigador de História Universal com um espetro mais largo. Nessa sua reflexão dedicada à arte no séc. XX, Hobsbawm tra- ta precisamente do “insucesso histórico que experimentaram no nosso século as artes

visuais que Moholy-Nagy, da Bauhaus, descreveu uma vez como estando “confinadas à moldura e ao pedestal"”265. Na sua argumentação, o autor fala de uma espécie de ba-

talha que as vanguardas artísticas terão perdido face à tecnologia. Nas suas palavras, “muito mais do que qualquer outra arte criativa, as artes visuais sofreram com a sua

obsolescência face à tecnologia. Estas artes, e especialmente a pintura, não foram capazes de adequar-se ao que Walter Benjamin chamou de “a idade da reprodutibi- lidade técnica””.

É destacado, nesta linha, o impacto da fotografia, na medida em que

“desde meados do século XIX, - isto é, desde a época em que

podemos reconhecer na pintura movimentos de vanguarda conscientes - embora este termo ainda não tivesse entrado na linguagem das artes -, que as artes visuais tiveram noção tanto da concorrência da tecnologia, sob a forma da câmara fotográfica, como da sua incapacidade para sobreviver a esta concorrência”266.

Sabendo que estas palavras de Hobsbawm não têm mais de duas décadas, con- sideramos que têm algo de verdade e ao mesmo tempo de exagero. Com efeito, a pintura soube mudar o seu posicionamento, desde há muito, face à fotografia e a outros avanços, nos seus próprios termos, a pintura tem uma temporalidade diferente daquela que encontramos nas câmaras fotográficas. Talvez por isso o autor reconheça que as vanguardas visuais do séc.XX (como os impressionistas, pós-impressionistas que insistiram na liguagem da pintura) encontraram na fotografia uma concorrência

265 Hobsbawm, E. (2001). Atrás dos Tempos - Declínio e queda das vanguardas do séc.XX, Campo das Letras, p.13.

todavia estimulante. Neste caso, o privilégio da cor na pintura parece impor-se, como é visível no Impressionismo, tal como a emoção é de outra ordem nas formas de pintura mais expressivas que se destacaram aliás do Naturalismo (o exemplo de Van Gogh e Munch é sugerido por Hobsbawm que afirma por fim que também o cinema se mostrava capaz de competir nesta sensibilização do espetador). Na perspetiva de Hobsbawm, a aposta era neste caso uma nova compreensão do mundo com base em outros pressupostos epistemológicos e científicos, como também ocorre na era digital, ainda que nem sempre seja fácil hoje em dia distinguir a influência tecnológica dos avanços no conhecimento científico. Como indica Hobsbwam “Ainda assim, os ar-

tistas podiam pelo menos tentar ou pelo menos reinvindicar uma maior aproximação da realidade (...), apelando à ciência contra a tecnologia. Isto pelo menos foi o que afirmaram artistas como Cézanne, Seurat e Pissaro, ou o que divulgadores disseram da sua arte.”267

Importa recordar que a via da abstração foi aberta por precursores, em parte através de trabalhos sobre a paisagem, em virtude do novo posicionamento perante o mundo. Como indica Michel Collot, “ao desconstruir a perspetiva e a ilusão de

profundidade, a pintura moderna cultivou a bidimensionalidade da obra obturando a janela que era suposto abrir ao mundo”. Esta nova exploração da paisagem foi efe-

tuada por precursores como Turner, Cezanne e Monet, que a fizeram “interrogando

de forma cada vez mais radical aquilo que, na paisagem, não se reduz às convenções fixadas pela tradição pictórica desde o Renascimento: a atmosfera (Turner), o ritmo, a estrutura (Cézanne), a luz (Monet)”268.

Não obstante o cortejo de pintores de vulto que poderá fazer sentido evocar no contexto da pintura de paisagem do séc. XX (a par das inovações do mundo moderno), devemos destacar a figura do pintor Piet Mondrian - uma das referências maiores da arte do séc.XX, um artista no qual se observa um percurso surpreendente na aborda- gem da natureza e da paisagem, que culmina numa síntese extrema e na abstração linear dos temas retratados.

Este choque entre a natureza e o mundo moderno, empreendido pelo artista holandês, é também destacado por Robert Rosenblum, no âmbito de uma análise da

267 Hobsbawm, E. (2001). Atrás dos Tempos - Declínio e queda das vanguardas do séc.XX, Campo das Letras, p.33.

268 Collot, M. (2013). A Paisagem na Arte Moderna e Contemporânea, in Paisagem e Património, Dafne Editora, p. 113.

paisagem no séc. XX, que considera que a carreira de Mondrian

"(...) revela uma quase completa reviravolta, de um encontro

com a natureza até uma rejeição dessa mesma natureza em fa- vor de uma imagética implicada na cidade utópica concebida durante a Primeira Grande Guerra” . Estes últimos temas di-

zem respeito às suas abstrações com alusões à Broadway ou ao contexto urbano de Nova Iorque. Como assinala Rosenblum, “estas obras tardias são particularmente dramáticas em virtu-

de da sua obra inicial como pintor de paisagens”269.

Como é apontado, as suas pinturas iniciais têm uma expressão próxima de Van Gogh, como é o caso da sua obra Paisagem perto de Amesterdão. Esta fase revela um afastamento inicial da cidade que será contrariado pela obra tardia. Um aspeto que é particularmente importante, porque revela o modo como num mesmo artista se encontram abordagens tão contrastantes do impacto humano no meio envolvente, da natureza primordial à cidade moderna. Artista de absolutos, Mondrian mostra como os extremos se tocam. Somos surpreendidos pelos temas purificados ou mais longín- quos das influências civilizacionais, como nas suas paisagens das dunas das costas do norte, que sugerem uma imersão no vazio, mas como considera Rosenblum “tudo

isto é um grito face à invasão da indústria e imagens urbanas que caraterizam o seu trabalho tardio”.

Se estes diferentes polos abarcam o período de 1910 a 1942, de Broadway Boo-

gie-Woogie, a verdade é que muito antes já houvera a iniciativa de fazer face à nova

realidade da máquina e da indústria na pintura, mas com uma linguagem pictórica ainda radicada no Realismo. É o caso de F.Bonhommé que, retratando os temas da in- dústria metalúrgica, parece antecipar as opiniões do escritor e crítico Joris-Karl Huys- mans, que já apelara a um novo programa estético. Nesta proposta, os paisagistas deviam descobrir os novos mitos agora prefigurados pela indústria e a mecânica270.

A referência à indústria surge também, mas de modo mais subtil e integrada com o quotidiano ao ar livre, no estilo sintético de Seurat na sua célebre pintura “Le Grand

269 Rosenblum, R. (1994). The Withering Greenbelt: Aspects of Landscape in Twentieth Century Paint-

ing, in Denatured Visions: Landscape and Culture in the Twentieth Century, H.N.Abrams, p. 39.

Jatte”, em que a fábrica pode passar despercebida ao fundo, na paisagem, mas ganha

destaque num “remake” da pintura com o mesmo tema, pelo artista contemporâneo

Michael Craig Martin, Fig

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 188-193)