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Joachim Patinir, Paisagem com Condutor da Barca,1520-24

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 108-112)

expressão; numa fase inicial é algo periférico ou parergon, um termo citado por vários autores a partir Peacham (Oxford English Dictionary -1612).

Como refere Malcolm Andrews,

“a paisagem neste período tem apenas um papel complemen-

tar a desempenhar, é marginal ao assunto principal, humano ou divino, é parergon em relação ao argumento. Ocupa um status inferior na hierarquia dominada pela presença huma- na. A presença heroica humana ou divina confere dignidade e significado ao cenário natural; eleva-o e valida-o. Por outro lado o cenário natural pode dar substância contextual e força metafórica que corrobora o assunto e a narrativa humana ou divina.”132

Apesar do avanço na pintura dos fundos paisagistas no Norte da Europa, a ques- tão das origens não é, na verdade, totalmente clara, uma vez que nela não participa apenas o pictórico, mas também a assunção da palavra “paisagem” que confere o nome às composições. É Gombrich quem atesta ser em Veneza e não em Antuérpia que, pela primeira vez, um quadro específico recebe a designação de “paisagem”, mas se quisermos destacar os autores que erradicam verdadeiramente a presença humana, afirmando o mundo natural por si só, teriamos de referir Altdorfer (Fig.26,27) mais do que Lotto, como um dos legítimos precursores do género. Parece-nos contudo excessivo o modo como Gombrich coloca de parte as paisagens anteriores de Dürer, ou não as coloca no mesmo plano; ou seja, estas obras de Dürer não se enquadrariam na paisagem enquanto género institucional. As aguarelas topográficas de Dürer são, segundo Gombrich, “meros estudos que seria incapaz de vender em troca de dinheiro

honesto”133. Gombrich debruça-se portanto sobre a questão da paisagem enquanto ins-

tituição e não propriamente no que concerne à evolução estilística. Esta opção é aliás assumida pelo autor, reconhecendo que, do ponto de vista estilístico, Dürer terá sido um dos grandes pintores de paisagem, ainda que nunca tenha integrado a instituição da "pintura de paisagem". Sucede que, a nosso ver, estes aspetos estão interligados.

132 Andrews, M. (1999). Landscape in Western Art, Oxford University Press, p.28.

133 Gombrich, E.H. (2007). A Teoria da Arte no Renascimento e a elevação da Paisagem, in Concerto

Como vimos, a paisagem nasce do pano de fundo de certas pinturas da Renas- cença, num formato genérico e idealizado, mas em virtude também da estilização que serve uma retórica da qual se tenta emancipar. Para Gombrich, a paisagem enquanto prática artística aceite, ocorre finalmente na segunda metade do séc.XVI, quer sob a aparência de quadros, quer de gravuras. É somente quando testemunhamos paisagens “puras”, como ocorre em Breughel ou H.Jordaens, a chegar aos interiores das galerias, que a paisagem se torna supostamente uma instituição. Aqui certamente que Gombri- ch parece antecipar a teoria institucional da arte de George Dickie pelo menos no que se refere à paisagem, mas também é certo que esta mesma teoria de Dickie revelou recentemente algumas incoerências que obrigaram o autor a retificações. Nesse senti- do, o excesso de formalidade de Dickie ao propor que a obra (ou neste caso o género artístico) tem de agir em nome de uma certa instituição, dá lugar a uma conceção mais abrangente que considera que “a obra de arte é arte por causa da posição que ocupa

dentro de uma prática cultural”134. Pelo menos no que se refere a uma visão global da

arte, menos segmentada, justifica-se a nossa relutância em separar o aspecto institu-

134 Dickie, G. (2009). A Teoria Institucional da Arte, in Arte em Teoria - Uma Antologia Estética, Hú- mus, Universidade do Minho..

Fig

 s.26,27. Albrecht Altdorfer, Paisagem do Danúbio perto de Regensburgo, 1522-1525; Paisagem

cional do caráter estilístico. Assim, Dürer constitui um dos precursores do paisagismo na linha de uma abordagem concetual decisiva para a nossa compreensão do género artístico da paisagem. É assim que juntamente com Bernard Briard reconhecemos em Dürer

“(...) um verdadeiro paisagista, sobretudo nas suas aguarelas que são completamente autónomas como o prova a Vista do Vale do Arco. A vista eleva-se do primeiro plano no sentido de uma rocha central através de terrenos plantados de árvores azuladas, mais pequenas ao fundo, o que sugere uma impres- são de profundidade”135.

Dürer já alcança portanto essa profundidade que é afinal um dos aspetos deter- minantes na noção de paisagem, e que precisamente parece desvanecer-se um pouco nas paisagens 3D virtuais, aspeto que deverá merecer atenção numa análise posterior.

Por outro lado, como já referimos, também se pode considerar Altdorfer como um dos precursores do género. De algum modo existe aqui uma evolução em relação a Dürer e tal como diz Malcolm Andrews, a partir da obra de Christopher Wood sobre Altdorfer:

“Estas são aparentemente pinturas terminadas - óleo em per-

gaminho, colado a painéis - e não simplesmente esboços ou estudos de fundos ou composições mais ambiciosas. As pintu- ras foram esvaziadas de criaturas vivas, humanas ou animais, e, como Wood refere, não contam “histórias”. A chamada de atenção de Wood para as inovações de Altdorfer - “Ele trouxe a paisagem a partir da relação meramente suplementar para o tema central”136.

Por outro lado, a teoria da arte na Alemanha começa a gerar-se a partir da pró- pria descoberta e prática em torno do desenho de paisagem, pois como Christopher Wood indica num outro ensaio, mais geral, sobre a paisagem imaginada no séc.XVI, as linhas descritas nos desenhos de paisagem da época são “linhas que não se referem

135 Biard, B. (2013). La Peinture de paysage et son influence, des origines au XVII siécle, Georges Naef, op.cit.p.60.

sempre a qualquer coisa no mundo, mas mesmo assim têm significado”137. Ao que

parece, a teoria de arte, no verdadeiro sentido do termo, ou seja, escrita de acordo com uma metodologia estava, segundo Wood, um passo atrás em relação ao ritmo da experimentação artística:

“Paisagem, um modo de construção ficcional, que explicita-

mente se destaca do público e dos contextos imagéticos dirigi- dos por uma doutrina da imagem, constituía o modo privado, o acompanhamento flexível, um suplemento de diagnóstico, para a arte pública. Tal como vimos, a paisagem estava em posição de confrontar a pergunta fundamental das origens: o que é uma obra de arte e de onde terá ela vindo?”138

137 Wood, C. (2007). The Imagined Landscape - Autonomy, Fiction, Modernity, Peking - Tradition and Moderdity: Yale University Conference, Peking University Press, p. 543.

138 Ibidem.

Fig

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 108-112)