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Dois formatos do Vidro de Lorrain, 1750-1770

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 131-134)

res, e que colocado diante da vista alterava a to- nalidade da cena para a qual se olhasse (Fig.33). Muito semelhante era também o

Espelho de Lorrain, que consistia por sua vez num pequeno espelho convexo com

uma coloração escurecida, que esbatia os cambiantes cromáticos das cenas refletidas, colocando ainda em destaque um motivo, através do ponto de focagem da superfície convexa. Ambos os dispositivos, que parecem as duas faces de uma mesma ideia, ti- nham por função auxiliar os pintores que tinham em vista obter um efeito semelhante ao das pinturas de Claude Lorrain. Logo à partida acrescentava-se assim à imagem refletida uma qualidade próxima da pintura, e na realidade este dispositivo teve gran- de popularidade, sobretudo em Inglaterra no final do séc. XVIII. Estes artefatos torna-

ram-se veículos privilegiados do conceito de pitoresco, que efetivamente caraterizou uma determinada estética da paisagem inspirada em Claude Lorrain - ou seja, uma estética da cena nostálgica que combina a vista idílica campestre com edíficios antigos ou algumas ruínas. O pitoresco tinha-se tornado atrativo não apenas para artistas, mas igualmente para viajantes, turistas e sobretudo para especialistas em paisagem. A tec- nologia rudimentar do Vidro de Claude era assim amplamente utilizada por estes vá- rios agentes que tinham a paisagem e eventualmente a arte como interesse comum.

Nos nossos dias, o Vidro de Claude é visto como um precursor dos filtros de Photoshop ou mesmo do Instagram, e tal como estes efeitos têm os seus apologistas e detratores, também estas lentes, que simulavam na altura as pinturas de Claude, eram severamente criticadas por alguns entendidos ou críticos de Arte. Robert Willim, que analisa este mesmo tema - o Vidro de Claude, e a sua antecipação de tecnologias de mediação contemporâneas - destaca por exemplo, mais uma vez as aversões de John Ruskin, neste caso no que se refere a estes artefatos175. A abordagem de Ruskin, de

facto privilegiava uma noção de pitoresco que divergia em parte do conceito deste a partir de Lorrain. Ruskin, defendia como já foi dito, uma via empírica com base na observação do mundo natural, que justifica a sua rejeição dos efeitos, e meios de visualização, com base em “filtros”. “De acordo com Ruskin, estes dispositivos con-

tribuíam para “falsificar a natureza, para arruinar e degradar a arte”176. É por isso

que, para Ruskin, o Vidro de Claude era uma das invenções mais infames que alguma vez esteve ao alcance do artista.

Nocivos ou não, a verdade é que estes dispositivos, inspirados nas paisagens de Claude Lorrain, antecipam de facto modos de visualização próprios dos media digitais. Como sugere Robert Willim, “aplicações e ferramentas como o Instagram

e o Vidro de Claude eram baseadas na sua capacidade de transformar e filtrar ima- gens ou vistas. Um filtro (ou efeito digital) é um dispositivo para transformação e mediação.”177 Existem, como é compreensível, precursores mais próximos dos filtros

digitais que o autor ainda refere, “As aplicações digitais, foram explicitamente basea-

das em efeitos chamados filtros que os utlizadores podiam fazer uso. Muitas destas

175 Cf.Willim, R. (2013). Enhancement or Distortion - From the Claude Glass to Instagram, in Sarai Reader 09:Projections, Sarai Reader 09, Editorial Collective - http://lup.lub.lu.se/luur/download?func=- downloadFile&recordOId=3349524&fileOId=4057934

176 Ibidem, p. 357. 177 Ibidem, p. 354.

transformações emularam o aspeto de tecnologias analógicas anteriores, low-fi ou câmaras de brinquedo, como a Russa LOMO ou a chinesa Holga”178. Contudo, o pre-

cedente criado pelo Vidro de Claude apresentava desde logo uma maneira pela qual os media ou, neste caso, um dispositivo ótico podia transformar a imagem de uma paisagem, e mesmo a impressão emocional transmitida. Como deduz Willim

“(...) utilizando vidros com várias colorações, podiam ser evocados diferentes registos emocionais ou variações tempo- rais. Um tom sepia podia despertar uma atmosfera amena, enquanto um vidro azul podia estar associado a uma vista noturna e assim por diante. As semelhanças concetuais com alguns filtros digitais disponíveis nos séculos posteriores são impressionantes.”179

Por fim o autor propõe uma análise importante que fica em aberto, na qual se interroga sobre os ataques a que certas tecnologias, como o Vidro de Claude, foram objeto ao longo da História. Ainda que refira a resistência natural às novas tecnologias em função das estéticas normativas, a verdade é que parece haver tantas razões a favor como contra a introdução de novas tecnologias. Estas oferecerem novas possibilida- des que podem incrementar as aptidões do utilizador ou, por outro lado, bloquear al- gumas capacidades. “Para compreender até que ponto o recurso às tecnologias pode

favorecer ou distorcer a prática artística, é preciso perceber como certas tecnologias de visualização são utilizadas em diferentes contextos.”180 Nesta linha, podemos su-

gerir uma peça do séc.XXI, que recupera de forma explicita os artefatos óticos que simulam a estética paisagista de Claude Lorrain. Consiste numa obra que dá pelo mesmo nome do Vidro de Claude, com um écran LCD circular e escurecido e que, por intermédio de um sistema computorizado e software embutido, simula a passagem do tempo numa paisagem de síntese digital (Fig.34). Segundo a descrição dos criadores - Commonplace Studio-, esta obra carateriza-se por

178 Ibidem.

179 Willim, R. (2013). Enhancement or Distortion - From the Claude Glass to Instagram, in Sarai Reader 09:Projections, Sarai Reader 09, Editorial Collective, p. 357.

“(...) um espelho negro, que liga as reflexões digitais da paisa- gem com as reflexões do observador em questão. Cada minu- to da paisagem cénica muda, revelando as transformações ao minuto das condições do dia. Virando o objeto no sentido dos ponteiros do relógio, é possível acelerar o tempo e as viagens no decorrer da noite ou no dia seguinte, ou virando no sentido oposto é possível inverter o tempo. (...) Este Vidro de Claude expande as suas possibilidades através das tecnologias recen- tes, convidando cada um a experienciar estações alternativas e as suas caraterísticas distintas”181.

Encontramos ainda adaptações destes antigos dispositivos óticos, através da adaptação de um IPhone, de modo a constituir-se como um Vidro de Claude con-

181 http://commonplace.nl/claudeglass

Fig

No documento Reinventar a paisagem na era digital (páginas 131-134)