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Alegações Finais – Estupro de Vulnerável – Depoimento Infantil Fantasioso

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ... VARA CRIMINAL DE ...

Protocolo nº ... Alegações Finais

Acusado: ...

..., já qualificado, nos autos da ação penal, que lhe move a justiça pública desta comarca, via de seu defensor in fine assinado, permissa máxima vênia, vem perante a conspícua e preclara presença de Vossa Excelência, ao tempo do artigo 403, do Código de Processo Penal com a redação dada pela Lei 11.719/2008, apresentar

ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAL

face aos fatos, razões e fundamentos a seguir perfilados;

SÍNTESE DOS FATOS

O Ministério Público chancelou ação penal em desfavor do Acusado, imputando-lhe a prática de conduta subsumível na norma proibitiva dos artigos 217-A, do Código Penal Brasileiro, com a nova redação dada pela Lei 12.015 de 07.08.2009, se propondo, na vestibular acusatória, a provar durante a instrução criminal os seguintes fatos delituosos in verbis:

“Consta do incluso inquérito policial (autos ...) que, no dia ..., por volta das ..., em sua residência, o acusado constrangeu a menor ... (... anos de idade), a permitir que praticasse com ela ato libidinoso.

Segundo se apurou, no dia dos fatos, ..., mãe da vítima deixou a mesma na casa do acusado, enquanto ajudava a esposa do mesmo, a levar a empregada desta ao Hospital.

Apurou-se, ainda, que no momento em que a vítima dormia, o acusado puxou sua calcinha e ficou passando a língua em sua vagina. Momento em que a vítima acordou e o acusado disse a mesma que não contasse a ninguém o ocorrido, pois se o fizesse ele negaria.

Ao chegar em casa, a vítima contou todo o ocorrido a sua mãe, a qual levou o fato a conhecimento da Autoridade Policial.”

Ao ser submetida a exame de corpo de delito, (fls. ...) logo em seguida a suposta ocorrência do fato, os senhores peritos não encontraram qualquer vestígio, como mancha de saliva na calcinha nem na vulva da infante periciada, como também não houve constatação de edemas,hiperemia vulvar ou eventual irritação de pele ou mucosa próxima a genitália da pretensa vítima, pois consoante depoimentos das testemunha ouvidas em juízo, naquela época, o Acusado encontrava-se com sua barba por fazer, a qual é crespa, o que induvidosamente irritaria a pele sensível da criança caso houvesse um contato direto com ela.

É importante salientar que conforme noticiou a testemunha ..., ouvido as fls..., o perito que realizou o exame de corpo de delito, foi categórico em dizer que se eventualmente houvesse acontecido os fatos noticiados pela suposta vítima, inevitavelmente haveriam vestígio detectáveis, o que não ocorreu:

“Que, conversou com o perito por ocasião da realização do exame de corpo de delito; que, o perito disse para o declarante que não havia nenhum tipo de sinal na criança, esclarecendo que foi informado que não haviam trocado a roupa dela, nem lhe dado banho, tendo ele dito que, se houvesse algum tipo de contato, ainda que fosse um beijo, seria possível constatar a presença de saliva, o que ele não encontrou durante o exame, tendo dito, ainda, que ela não apresentava nenhum tipo de sinal; que, ao acompanhar o exame, sua intenção não era proteger o acusado, porque se houvesse a constatação de alguma coisa seria o primeiro a acusa-lo e ficar do outro lado, uma vez que o seu relacionamento com os familiares da vítima era muito bom,...”

Por outro lado, no relatório de avaliação social de fls..., a própria mãe da pretensa vítima, relata para a Assistente Social “que os familiares não acreditam que ... foi abusada, dizem que a menina inventou toda a história”, dando mostras de que embora muito nova a vítima teria capacidade suficiente para fantasiar os fatos atribuídos ao Acusado narrados na denúncia.

Pelo conjunto de provas coligido para os autos percebe-se que não há provas suficientes para a condenação do Acusado.

O Acusado, trata-se pessoa de excelente conduta social e familiar, é tecnicamente primário, possui bons antecedentes, é trabalhador conforme noticiaram todas testemunhas ouvidas por este Ilustrado Juízo.

DO DIREITO

Consoante o entendimento doutrinário-jurisprudencial dominante, a hipótese levantada na proemial acusatória para que tenha repercussão jurídica deve ser amplamente provada durante a instrução criminal desenvolvida sob o manto da garantia constitucional do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal assumindo a acusação oficial o ônus probandi da autoria, da materialidade e de todas as circunstâncias do fato.

Na lição sempre abalizada de Maria Lúcia Karam,1 pode-se conceituar a prova como um

instrumento de demonstração da veracidade de afirmações feitas a propósito da ocorrência ou da inocorrência de fatos, em que alegadamente fundamentada uma pretensão exposta no processo, de modo que o juiz, formando seu convencimento, esteja apto a resolver as questões àquelas

relativas (isto é, as questões de fato), sobre as quais controvertem as partes. Assim entendida a prova, é fácil perceber que a distribuição do ônus a ela relativo, tanto no processo penal como no processo civil, deverá partir da premissa de que é sobre a parte que alega um direito que irá recair a incumbência de demonstrar a existência dos fatos dos quais o pretende fazer derivar. É o que dispõe a regra contida no art. 156 do CPP, ao estatuir que “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”,regra que, como já advertia Frederico Marques, a rigor, não apresenta diferença substancial com as que norteiam a matéria no processo civil.2

Originando-se dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, tanto a garantia da presunção de inocência ou de não-culpabilidade quanto o princípio in dúbio pro reo dela derivado, rigorosa e efetivamente aplicados, constituem importantíssimos instrumentos de contenção do poder de punir e, assim, de contenção do Estado policial.

A garantia da presunção de inocência ou de não-culpabilidade e o princípio in dúbio pro reo dela derivado implicam na atribuição ao autor da ação penal condenatória - isto é, àquele que ocupa a posição da Acusação - do ônus de demonstrar, de forma induvidosa, a existência da infração penal e de sua autoria, na medida em que somente a certeza quanto a esta existência poderá conduzir a um pronunciamento de procedência do pedido de condenação.

Como assinala aqui também, Julio Maier, a ausência da certeza representa a impossibilidade do Estado de destruir a situação de inocência, construída pela lei (presunção), que ampara o acusado, razão por que conduz à absolvição qualquer outra posição do juiz a respeito da verdade, a dúvida, ou mesmo na probabilidade, impedindo a condenação e havendo de desembocar na absolvição.3

Esta exigência da certeza para a condenação, materializadora do princípio in dúbio pro reo, vem preconizada, em nosso ordenamento jurídico, nas regras que asseguram a efetividade da garantia constitucional inscrita no inc. LVII, do art. 5º, da Constituição Federal, bem como no inciso VII do artigo 386, do Código de Processo Penal determinam que seja o réu absolvido quando , “não existir prova suficiente para a condenação”. (Inciso acrescentado pela Lei nº 11.690, de 09.06.2008 - DOU 10.06.2008)

A respeito obtempera Heleno Cláudio Fragoso4,que a condenação exige certeza e não basta,

sequer, a alta probabilidade , que é apenas um juízo de nossa a mente em torno da existência de certa realidade. Mesmo a íntima convicção do Juiz – pondera Sabatine – como sentimento da certeza, sem o concurso de dados objetivos de justificação, no lugar da certeza, em espécie tal, tem simples crença . Desta forma, uma condenação somente terá lugar quando o exame sereno da prova conduza a exclusão de todo motivo sério para duvidar.

Assim, durante a instrução criminal, quando se realiza reconstituição dos fatos alegados pela parte autora da ação penal, que se pode chegar a uma conclusão de certeza da prática da infração penal imputada ao réu ensejando a imposição da pena respectiva, ou, caso contrário, quando pela prova ali produzida, se estabeleça uma dúvida e acenar uma possibilidade de inocência, por mínima que seja, impõe-se a absolvição.

No caso vertente, a versão apresentada pela suposta vítima, que de acordo com a jurisprudência dominante, possui acentuado relevo e valor probante quando plausíveis, coerentes, equilibradas, harmônicas e apoiadas em outros elementos ou circunstâncias que direcionem quanto a pratica delituosa. Porém, aqui se mostrou inverossímil e fantasiosa, além do que, a defesa do Acusado, demonstrou com os depoimentos das testemunhas inquiridas na instrução criminal e o exame de corpo de delito, a impossibilidade do Acusado ter agido da forma descrita na denúncia. colocando em dúvida razoável a existência e a autoria do fato denunciado.

Caso fosse verdadeira a estória apresentada pela pretensa vítima, da ação atribuída ao Acusado, haveriam de ser detectados vestígios da prática delituosa, por mínimos que fossem, porém, nada foi constatado, colocando por terra a versão por ela apresentada, tornando-a insuficiente para ancorar decreto condenatório.

Neste sentido é o entendimento jurisprudencial dominante no Tribunal de Justiça de Goiás:

“EMENTA: “APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO - PALAVRA DA VITIMA RESERVA - ABSOLVIÇÃO - INSUFICIÊNCIA DE PROVAS’.I - A PALAVRA DA VITIMA DE CRIMES SEXUAIS REPRESENTA A VIGA MESTRA DA ESTRUTURA PROBATÓRIA. E EXATAMENTE PELA SUA RELEVÂNCIA, ESSA PROVA DEVE REVESTIR-SE DE CREDENCIAIS IDÔNEAS PARA AFIRMAR O JUÍZO DE CERTEZA, POIS SE EXISTIR DUVIDA, AINDA QUE ÍNFIMA, NO ESPÍRITO DO JULGADOR, DEVE, NATURALMENTE, SER RESOLVIDA EM FAVOR DO RÉU. II - RECURSO IMPROVIDO.” (Grifei)

“EMENTA: “APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. PRELIMINARES DE NULIDADE. DENUNCIA NÃO RATIFICADA NO JUÍZO COMPETENTE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PARA A ACUSAÇÃO. UNIDADE E INDIVISIBILIDADE DOS ÓRGÃOS DO MINISTÉRIO PUBLICO. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA SEM FUNDAMENTAÇÃO. FUNDAMENTOS CONCISOS E SUFICIENTES. MÉRITO. PROVAS. NEGATIVA DE AUTORIA. ATO SEXUAL CONSENTIDO. PALAVRA. CONTRADIÇÕES. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. IN DÚBIO PRO REO. INCIDÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. I - O MINISTÉRIO PUBLICO E UNO E INDIVISÍVEL NADA IMPEDINDO O PROCESSAMENTO, NO JUÍZO COMPETENTE, DE AÇÃO INTENTADA POR DENUNCIA OFERECIDA EM OUTRA COMARCA, MORMENTE SE PREJUÍZO ALGUM EXPERIMENTOU A ACUSAÇÃO. II - INCABÍVEL A ANULAÇÃO DE JULGADO QUE, EMBORA SUCINTAMENTE, FACA A INDICAÇÃO CLARA DOS MOTIVOS DE FATO E DE DIREITO QUE SUSTENTAM A DECISÃO. III - APALAVRA DA VITIMA EM CRIMES SEXUAIS, CONSTITUI EXCELENTE MEIO DE PROVA, MAS, ISOLADA E CONTRADITÓRIA, NÃO AUTORIZA A EDIÇÃO DE DECRETO CONDENATÓRIO. IV - IMPÕE-SE A APLICAÇÃO DO PRINCIPIO IN DÚBIO PRO REO SE NÃO SE TEM, NOS AUTOS, PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. V - RECURSO PROVIDO”.

Da forma preconizada pela jurisprudência dominante, a palavra da vítima para assumir o papel preponderante na escala da valoração da prova deve sempre se apresentar de forma verossímil, coerente, segura e harmônica com os demais elementos de convicção produzidos na instrução criminal, o que não aconteceu no presente caso, em que a pretensa vítima, traz à lume uma versão fantasiosa dos fatos, impossível de existir no campo e na esfera da realidade.

Por outro lado, Excelência, a doutrina especializada tem de forma contundente, proclamado que o depoimento infantil deve ser analisado com redobrada e elevada cautela devido vários fatores de ordem psico-fisiológicos, próprios da falta de amadurecimento, sugestionabilidade, fertilidade da imaginação, percepção distorcida e fantasiosa, etc., comumente verificadas nas primeiras fases da vida humana.

legislações de outrora já traziam consigo o direito de testemunhar. O Código de Manu, o direito romano, bem como o direito bárbaro prescrevia que os menores eram absolutamente incapazes de prestar testemunho, nesse caso seus testemunhos eram equiparados aos alienados mentais (Código de Manu, Liv.III).

As Ordenações Filipinas, germe do direito penal brasileiro, em seu Livro III titulo 56, nº 6, já proclamava essa incapacidade:

“Os menores de 14 anos não podem ser testemunha em nenhum feito.”

O motivo que levou os legisladores a considerar os menores absolutamente incapazes de depor e não permitir que se defira compromisso aos seus depoimentos é de fácil compreensão. As crianças, como é notório, não têm ainda uma total percepção dos fatos e a devida compreensão das coisas, em função do seu incompleto desenvolvimento orgânico. Além do mais não tem noção da importância do ato que irão praticar diante do magistrado. Como bem observa Binet, a criança “avalia mal a exatidão do que diz e do que faz; é tão inábil no espírito como o é nas mãos; é notável sua facilidade em satisfazer com palavras, ou em deixar de perceber que não está compreendendo. Sua inteligência se assemelha à de um imbecil adulto”5.

É nesse mesmo sentido que o insuperável mestre germânico Mittermayer:6

“Por maior que seja o valor que se dê a candura, nas suas ingênuas palavras, que, sem macular as consequências , só exprimem o que realmente caiu sob os seus sentidos, o legislador deverá recear da leviandade natural de seu espírito, da falta de seus meios de observação, do seu hábito de só verem as coisas superficialmente e se contentarem-se com as primeira impressões”.

Além dos enganos inerentes à idade, em que a criança pode incorrer, salienta-se que a facilidade ser enganada constitui outro motivo para que sempre se recebam com redobradas cautelas seus testemunhos. Acrescenta-se a isto tudo, poder de imaginação do infante. Como é sabido, fortis imaginatio generat casum (uma robusta imaginação cria acontecimentos por si mesma).

No caso em preço a vítima, de apenas quatro anos de idade atribui, ao Acusado, um fato de extremo relevo na resposta penal imposta pelo Estado, porém, sua versão restou isolada no contexto probatório, portanto insuficiente, por si só, para lastrear eventual decreto condenatório.

A Jurisprudência hodierna também tem reconhecido a fragilidade do depoimento prestado por crianças, como elemento único gerador da convicção judicial, principalmente para condenar, conforme os seguintes arestos:

“ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – NÃO CARACTERIZAÇÃO – DEPOIMENTO INFANTIL – Hipótese em que as informações ofertadas pelo menor na polícia e em juízo, não imprimem inteira confiança para efeito de incriminação e devem ser recepcionadas com cautela – Apresentação de versão diferente em cada uma das vezes em que ouvido – Prova recepcionada que não leva a certeza de ocorrência do crime, nem da culpabilidade do acusado – Réu absolvido com base no artigo 386, VI, do Código de Processo Penal. Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da

vítima, em crimes sexuais, tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando outros elementos probatórios se apresentam em conflito com suas declarações. Assim, existindo dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu apelo para absolvê-lo por falta de provas.” (TJSP – ACr 231.148-3 – General Salgado – 3ª C.Crim. – Rel. Des. Marcos Zanuzzi – J. 05.04.2000 – m.v.)

“ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – PROVA – DEPOIMENTO INFANTIL – O TESTEMUNHO INFANTIL, DE UMA GAROTA DE APENAS DOIS ANOS DE IDADE, MERECE ANÁLISE CRITERIOSA, TENDO EM VISTA A TENDÊNCIA À FABULAÇÃO E O PREDOMÍNIO DO IMAGINÁRIO NO PSIQUISMO DA CRIANÇA – Seu relato, para merecer credibilidade, há de ancorar-se, de forma sólida, nos demais elementos de convicção. – Não havendo a certeza de que os fatos imputados ao réu são verdadeiros, de rigor a absolvição.” (TJMG – ACr 100.031/4 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Alves de Andrade – J. 06.08.1998)

Desta forma, a aplicação do non liquet, ao que tudo indica, seria decisão mais sensata e de elevada lucidez, a ser aplicada ao caso em apreço, relambrando a sempre preciosa lição de La Bruyere: “Um culpado punido é exemplo para os delinqüentes; Um inocente condenado, Preocupação para todos homens de bem.”

O Acusado, conforme depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo, demonstrou ser pessoa trabalhadora, com família regularmente constituída, sustentada exclusivamente com os frutos de seu labor, goza no meio social em que vive do respeito e consideração de todos, não tendo personalidade voltada para senda criminosa, é radicado nesta cidade desde criança.

EX POSITIS,

espera o Acusado, ..., ora defendente, sejam as presentes alegações recebidas, vez que tempestivas e próprias, para final reconhecer as preliminares suscitadas e julgar improcedente a denúncia, decretando sua ABSOLVIÇÃO, nos termos da legislação pertinente, pois desta forma Vossa Excelência, estará como de costume editando decisório carregado de equidade, restabelecendo o império da Lei, do Direito de Excelsa JUSTIÇA.

Local, data.

_____________________

OAB

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