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2 DA DIDÁTICA UNILATERAL À DIDÁTICA HUMANA: PERSPECTIVAS

2.6 Algumas considerações

Nesta seção, analisamos os desdobramentos históricos da Didática e suas implicações ao ensino. A nosso ver, essa compreensão histórico-social é fundamental para explorar os objetivos centrais e específicos desta investigação, tal como propostos na Introdução, por isso julgamos oportuno sintetizar os principais aspectos que tangenciaram o percurso histórico da Didática, sobretudo no Brasil.

A abordagem tradicional, desde a sua origem, é alicerçada na transmissão/ assimilação dos conhecimentos acumulados pela humanidade e privilegia o professor em torno do qual o processo de ensino está centrado. Nessa perspectiva, a Didática se restringe à veiculação de normas e regras prescritivas para as atividades docentes.

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A Didática inicia um movimento de transformação epistemológica, a partir do processo de modernização do país (1920-1930), que provocará uma ruptura do paradigma de ensino então vigente, inclusive passando a ser componente curricular nos cursos de formação de professores em nível superior. A Escola Nova tece severas críticas à tendência tradicional na medida em que aponta para uma educação onde a valorização do universo psicológico do aprendiz torna-se central na organização do ensino.

A abordagem comportamentalista de educação adota um modelo de gestão organizacional de ensino voltado para o atendimento dos interesses político-culturais do governo, bem como para atender aos grandes empresários. Isso explica o fato de que ensinar na educação básica e superior, nesse contexto, significa submeter-se a um arranjo curricular afinado à ideologia política das categoriais sociais que ocupam os espaços de poder. A responsabilidade do professor consiste em assegurar a aquisição do comportamento desejado pelos diversos centros decisórios; sendo assim os docentes se mantêm alheios às instituições de ensino, responsáveis por desenvolver o processo educativo.

A Didática acompanha o movimento tecnicista de formação de mão-de-obra na sociedade que requer trabalhadores qualificados para atuação em diferentes áreas comerciais e industriais, porém essa abordagem passa a ser questionada ainda no final dessa década (1930- 1940), o que apontava para mudanças que serão pautadas em uma pedagogia crítica de educação, tendência que se fortalecerá a partir de então.

O enfoque humanista representou uma ruptura na organização epistemológica da educação, uma vez que deslocou o centro do processo de ensino-aprendizagem do professor para o aluno, que aqui deve ser valorizado em sua individualidade. A escola tem como função oferecer todas as condições necessárias para facilitar a capacidade de aprender a aprender que resulta, ao que se espera, no desenvolvimento integral da criança.

Entretanto, essa abordagem é criticada por secundarizar a transmissão dos conhecimentos e por enfatizar, sobretudo, o método. A Didática, ao acompanhar essa dinâmica teórico-metodológica, privilegia a dimensão técnica do processo ensino- aprendizagem e ignora o contexto social, político e econômico onde ele se efetiva.

Embora considere a importância dessa abordagem no contexto educacional brasileiro, a Didática vai sofrer um forte impacto, visto que avança para uma concepção de tecnologia educacional como processo que formará a base da organização do ensino na década seguinte (1940-1950).

Percebe-se que uma das grandes contribuições do interacionismo de Piaget (1896- 1980) reside na pretensão de superar as concepções inatistas e comportamentalistas de

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educação e suas respectivas formas de analisar a construção do conhecimento humano, tal como mencionamos acima. Essa abordagem recebeu inúmeras críticas, sobretudo as que se referem a sua ênfase aos aspectos cognitivos em detrimento dos aspectos sociais, afetivos e linguísticos. Isso refletiria diretamente na interpretação do conhecimento dos estágios de desenvolvimento da criança, tomado por muitos como único critério para a ação educativa, minimizando, dessa forma, os aspectos sociais e políticos intrínsecos ao ato de ensinar.

Contudo, a sua concepção de que o aluno é um sujeito ativo no processo ensino- aprendizagem permitiu a percepção de que o professor deve agir como um facilitador da aprendizagem e, por isso, incorre no respeito ao aluno e ao atendimento às suas necessidades educacionais específicas. Em outras palavras, a Didática passa a conceber o aprendiz como protagonista do processo de ensino-aprendizagem, perspectiva que se fortalece com Vygotsky (1896-1934) para quem o campo de experiências sociais do educando é fundamental no processo de ensino-aprendizagem. Trata-se de uma abordagem analítica que amplia a noção do sujeito aprendente no âmbito das pesquisas em Educação.

A despeito dos esforços de inúmeros pedagogos em (re)pensar o ensino, a Didática segue, em linhas gerais, com a busca de um professor tecnicamente competente e comprometido com os “pacotes educacionais”, em geral, afinados com os programas político- econômicos do Brasil, o que se torna evidente no I Encontro Nacional de Professores de Didática (1972).

O processo de redemocratização brasileira, ou seja, o processo de abertura política, que findou o regime militar instalado em 1964, foi marcado pelo I Seminário “A Didática em Questão” (1982) que fomentou, por sua vez, significativas clivagens no campo da Didática. As novas palavras de ordem passam a ser: 1. unidade teoria-prática, partindo-se sempre da prática profissional; 2. compromisso político com as categorias menos favorecidas economicamente e alijadas das instâncias de poder. Tais propostas requerem professores mais comprometidos com a transformação social e com as demandas das camadas populares, cada vez mais frequentes nas instituições escolares da educação básica e do ensino superior.

Em linhas gerais, a partir da década de 1980, parte-se da Didática instrumental para a Didática fundamental, em que se busca compreender a íntima relação entra a prática escolar e a estrutura social que a envolve, por isso se percebe um fomento aos estudos do cotidiano escolar como fonte para a Didática. Trata-se de uma importante dissociação entre o discurso sobre o que deveria ser a Didática e a Didática ‘vivenciada’, articulada com a realidade das escolas da educação básica e do ensino superior e com os interesses e necessidades práticas da maioria da população, o que permite até mesmo reconstruir as teorias já enunciadas a partir da

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prática, por isso as próximas gerações de pesquisadores intensificarão o movimento de revisão crítica e reconstrução da Didática no Brasil, entre as quais nos situamos.

3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO