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3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO

5.4 Questão aberta

5.4.1 Importância da Didática na formação e prática docente

5.4.1.1 Didática relacionada ao suporte teórico

Na formação docente, esta perspectiva privilegia o conhecimento teórico, pressupõe que a formação, principalmente a inicial, deve favorecer a aquisição dos conhecimentos acumulados pela humanidade, o que é realizado a partir do estudo sistemático dos diversos autores considerados clássicos e/ou de renome no campo educacional, sem, contudo focar a resolução dos problemas inerentes à prática educativa. É essa a ideia presente nos depoimentos dos professores ao reportarem a importância da Didática na formação e prática docente cujas falas estão descritas abaixo:

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P-2: “Tem a importância de proporcionar aos futuros professores a aquisição de um suporte teórico capaz de criar as condições que viabilizem um diálogo sistematizado entre os sujeitos no processo de ensino-aprendizagem”.

P-9: “De suma importância por vai ajuda-lo na transmissão dos conhecimentos”. P-13: “Imprescindível, pois permite ao professor comunicar-se melhor e buscar meios de atingir os objetivos”.

P-38: “De suma importância para dar o embasamento minimo esperado para assumir a sala de aula”.

Os depoimentos mostram que na formação de professores há uma nítida prevalência dos aspectos teóricos que são pautados na cultura universal, mas são dissociados do contexto no qual se encontra inserido. Trata-se da Didática teórica que, na acepção de Martins (2002), é aquela desenvolvida nos programas da disciplina, segundo pressupostos científicos que visam à ação educativa, mas distanciados desta, ou seja, abstratos que se acumulam sobre o processo de ensino para torná-lo mais eficiente.

Na visão do P2, a importância da Didática encontra-se em proporcionar um suporte teórico que viabilize um diálogo sistematizado entre os sujeitos no processo ensino- aprendizagem, embora em sua fala ele admita a necessidade de uma sistematização do processo — o que remete à necessidade também de articulação de um suporte teórico- metodológico que concretize a viabilização desse diálogo em sua prática docente — essa necessidade não é externada na fala do professor. Contudo, há uma ampliação em sua compreensão ante as afirmativas de que a Didática “vai proporcionar o suporte teórico para ajudar o professor para a transmissão dos conhecimentos”, isto é, “um embasamento mínimo esperado para assumir a sala de aula”, conforme expressam as falas dos professores P9 e P38.

Nesse sentido, a Didática abarca um papel normativo e prescritivo que orienta a prática docente separando teoria e prática:

Dentro desse esquema, corresponde aos “teóricos” pensar, elaborar, refletir, planejar e, aos “práticos”, executar, agir, fazer. Cada um desses polos tem sua lógica própria. A teoria “atrapalha” aos práticos, que são homens do fazer e a prática “dificulta” aos teóricos, que são homens do pensar. (CANDAU e LELIS, 2008, p.60).

Na sociedade atual, com toda a sua complexidade decorrente das mudanças que ocorreram no mundo, essa perspectiva não atende às exigências da formação do professor e, menos ainda, as diversas exigências que comportam o ensinar, atividade inerente a seu ofício. É inadmissível a compreensão de que ensinar se resume em transmitir conhecimentos, tampouco a de que o professor só precisa de um embasamento mínimo para assumir a sala de aula.

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Por certo que houve períodos na história da educação brasileira quando professores sem a formação adequada tanto para ensinar quanto para formar os futuros docentes, atuavam no contexto educativo, causando assim a deterioração da profissão.Segundo Oliveira (2013, p.30), essa deterioração se deu não só por falta de um maior investimento na educação, mas pela criação de faculdades isoladas de ensino.

Ademais, com o aumento de alunos nas escolas, foi dada permissão a pessoas sem formação específica para lecionar, os chamados “professores leigos”, ou seja, aquela pessoa sem preparação específica para ensinar ou mesmo para formar professores.

O magistério é uma profissão e não uma atividade que se possa assumir com amadorismo ou como bico, com vistas a aumentar seus ganhos ou ocupar horas vagas, porquanto, requer uma formação adequada que resulte na construção da identidade profissional, como bem admitem as autoras Pimenta e Anastasiou (2014):

A identidade não é um dado imutável. Nem externo, que possa ser adquirido como uma vestimenta. É um processo de construção do sujeito historicamente situado. A profissão de professor, como as outras, emerge em dado contexto e momento históricos, como resposta às necessidades apresentadas, pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade (p.76).

Percebemos que o “ser” professor vai muito além de deter conhecimentos e destreza em comunicação, pois se trata de um processo de construção contínua que requer um conjunto de saberes que torne eficaz o processo de ensino-aprendizagem. Na perspectiva de Tardif (2007, p. 23):

[...] um professor de profissão não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele estrutura e a orienta.

No que diz respeito a sua identidade profissional, pode-se dizer que o professor tem de ser mais do que um auxiliar no ensino, que seduz e tem a atenção do aluno - tem que provocar situações em que os discentes tenham competências de construir-se e reconstruir-se a partir de uma educação epistemologicamente científica que assegure ao aluno um ensino produtivo e significativo cognitivamente, estabelecendo uma relação estreita com a solidariedade, a democracia e o desenvolvimento humano enquanto ser social e histórico.

Assim, sendo sujeito de sua própria prática, o professor constrói sua história a partir dos valores e atitudes que o guiam no seu dia a dia, como cidadão, justificando assim sua identidade. Tardif (2002) chama a atenção ainda, para o fato de que os saberes dos professores

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são plurais, compósitos e heterogêneos, trazendo no bojo da sua ação, conhecimentos e manifestações do saber fazer e do saber ser muito diversificados e resultantes de fontes variadas, e, provavelmente de natureza diferente.

A compreensão acerca dos saberes necessários à prática docente, descritos acima, remetem à necessidade, das instituições de formação docente, de abarcar em suas diversas áreas, com seriedade, o conjunto de saberes precisos, balizados pela consciência de que, incorporados à prática, podem transformar-se em prática científica, em tecnologia da aprendizagem.

Importa ressaltar que as teorias são construções humanas, cujos reflexos se fazem sentir de acordo com o momento histórico vivido pela sociedade e trazem na sua essência uma constituição dúbia, ou seja, a completude e a incompletude, que dentro de sua dinamicidade, podem ou não se renovar.

As teorias são produtos dos seres humanos, e estes, como seres sempre dinâmicos, vivem em interação com as condições e circunstancias cotidianas, também históricas. Elas têm suas lógicas enredadas com outras lógicas remanescentes. Na vivência, na confrontação com as práticas, as teorias se transformam, se interpenetram, se diferenciam e se configuram, ou não, em outras teorias. (SANTOS, 2010, p.64).

Independentemente da concepção teórica adotada pelo professor, a sua ação educativa é permeada por diferentes formas de interação, que no espaço de sala de aula pode se dar de forma geral, quando ele se dirige simultaneamente a toda a turma, ou individualmente, quando se dirige especificamente a um determinado aluno. Nesse processo, a comunicação se constitui como fator primordial, tendo em vista que é através dela que, basicamente, serão trabalhados os conhecimentos.

Entretanto, os objetivos traçados poderão ser alcançados ou não, pois as maneiras de se comunicar e/ou de comunicar os conhecimentos em sala de aula apresentam-se de forma diversificada e eivada de significados.

A comunicação está constantemente no centro da ação pedagógica. Ela não é algo que vem somar-se a ação, mas é a própria ação como a vivem os professores e os alunos. Este simples fato permite, sobretudo, compreendermos porque as qualidades expressivas e comunicacionais da personalidade dos professores exercem um papel tão importante na docência: trata-se de qualidades que remetem a natureza comunicacional da ação pedagógica na qual a personalidade do professor se torna um meio de comunicação, um instrumento de trabalho (TARDIF e LESSARD, 2014, p.253).

O aspecto comunicação foi fortemente elucidado na compreensão da importância da Didática defendida pelo professor P13, ao afirmar que a Didática é “imprescindível por permitir ao professor comunicar-se melhor e buscar meios de atingir os objetivos”, o que

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encaminha à ideia de que é o professor quem detém o poder de informar e conduzir os alunos, visando alcançar os objetivos.Logo, é o responsável pela transmissão do conhecimento, colocando-se como mediador entre os alunos e o conhecimento científico, visando a sua reprodução.

Embora o P13 não explicite claramente o modelo de comunicação adotado em sua prática docente, inferimos que se trata de uma relação unilateral, em que o professor, detentor dos conhecimentos, os transmite aos alunos que, de forma passiva, os assimilam para reproduzir posteriormente. Nesse caso, a responsabilidade pelo insucesso no aprendizado recai unicamente na pessoa do aluno. Desse modo, essa compreensão converge com a ideia de que os professores, além de interpretar, impõem sentidos na direção da comunicação pedagógica e orientam a ação docente de acordo com suas próprias significações, assim a comunicação pedagógica se dá de forma desequilibrada e balizada por relações de poder (TARDIF e LESSARD, 2014).

Não obstante, Shulman (2005, p.12), ao enfatizar a formação acadêmica na disciplina a ser ensinada, reporta a importância da comunicação, ao elucidar que os professores têm uma responsabilidade excepcional com relação aos conteúdos que ensinam, por se constituir na fonte principal de compreensão da matéria para os alunos. Dessa maneira, a forma como são comunicados os conteúdos, transmite aos estudantes o que é importante ou não na matéria. Tendo em vista a diversidade de alunos, o docente deve ter uma compreensão flexível e multifacetada que lhe possibilite explicações alternativas acerca dos mesmos princípios. Os professores também comunicam, conscientes ou não, novas formas de buscar conhecimentos de determinada área, bem como uma série de atitudes e valores que influem significativamente na compreensão dos alunos. Libâneo (2011) compartilha essa ideia ao afirmar:

[...] para ajudar um aluno a internalizar, uma capacidade, um comportamento, o professor precisa saber conversar, recorrer às palavras, para “puxar” o que o aluno já sabe e ligar com o que não sabe, articular conceitos cotidianos com conceitos científicos e, desse modo, promover mudanças qualitativas nos processos cognitivos (p.23).

Embora haja uma nítida divergência entre a visão do P-13 e as considerações feitas por Shulman (2005) e Libâneo (2011), supracitadas, comporta admitir que a temática relação comunicacional constitui um tema clássico no âmbito da Didática, contudo, o P-13 inovou ao ressaltá-la sob o ponto de vista da importância da Didática, ao situá-la em situações de práticas docentes nas salas de aula e em contextos institucionais do ensino superior onde elas ocorrem conforme observado por Pimenta e Anastasiou (2014).

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Verificamos que a importância da Didática elucidada pelos professores participantes dessa pesquisa, conforme enumerados, relaciona-a a perspectivas tradicionais e reducionistas de educação e ensino, que emergem do próprio contexto histórico do desenvolvimento dessa disciplina nos cursos de formação de professores em nosso país. A visão percebida a partir da expressividade dos participantes denota que, na atualidade, a perspectiva tradicional ainda vigora, revelando a necessidade de uma reflexão sobre os caminhos possíveis para a sua superação no contexto das instituições de ensino superior responsáveis pela formação docente. Há que se considerar também, o entendimento da Didática como aporte que traz para o ensino as contribuições da teoria da educação, da teoria do conhecimento, da Psicologia do Desenvolvimento e da aprendizagem, dos métodos e dos procedimentos do ensino e outros campos como a antropologia, a teoria da comunicação da cultura e etc.

Ademais, urge elevar o pensamento dos professores a uma compreensão de comunicação como instrumento interativo de compartilhamento de ideias, atitudes, valores e etc., em que seja respeitada a diversidade cultural, econômica, religiosa étnico-racial de todos os participantes do processo, ou seja, de forma que o ensino não seja somente um ato comunicativo, mas um ato intencional e transformador, comprometido com a criação.