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3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO

5.2 Categorias de análise: concepções de ensino e dimensões didáticas

5.2.1 Concepções de ensino

5.2.1.5 Considerar que se o aluno não aprendeu, significa que o professor não ensinou

No que se refere a essa questão, dos 40 participantes da pesquisa tem-se o seguinte resultado: cinco (12,5%) responderam “Nunca”; quatro (10,0%) “Quase nunca”; 19 (47,5%) “Eventualmente”; sete (17,5%) “Quase sempre”; e cinco (12,5%) “Sempre”.

Tabela 12: Considerar que se o aluno não aprendeu, significa que o professor não ensinou.

Considerar que se o aluno não aprendeu, significa que o professor

não ensinou Frequência Percentagem

1 2 3 4 5 5 4 19 7 5 12,5 10,0 47,5 17,5 12,5 Total 40 100,0

Fonte: Instrumento de pesquisa (2020)..

Nesse item, o escore predominante recaiu sobre o “Eventualmente”, 19 (47,5%) dos participantes da pesquisa, que mantiveram assim uma postura incerta com relação à afirmativa. Inferirmos assim que, para a maioria dos participantes, as circunstâncias em que ocorre a prática pedagógica é que determinarão se o aluno não aprendeu pelo fato do professor não ter ensinado.

Dessa maneira, ao posicionarem-se nessa perspectiva, os docentes admitem que o processo ensino-aprendizagem não recai tão somente na figura do professor, mas também como responsabilidade do próprio aluno, ou seja, são múltiplos fatores que determinarão a efetividade ou não dessa aprendizagem. Nessa compreensão, está implícita a ideia de que, independentemente do nível de atuação, a interação professor-aluno estará presente e se efetivará tendo como base a responsabilização de ambos em uma relação de complementariedade, remetendo a uma abordagem sociocultural. Segundo Vasconcelos (2000):

[...] toda educação formal gira em torno de professor e aluno, cujos papéis se complementam e tem características próprias. Se tais papéis se complementam a ponto de um ser razão e decorrência do outro, não há sentido no ensino voltado para o aluno, mas centrado no professor, que se considera muitas vezes, o “principal”, nessa relação, que deve ser, afinal, paritária. O ato de “ensinar” pressupõe o consequente ato de “aprender” (VASCONCELOS, 2000, p. 78).

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Ao analisarmos o que foi evidenciado, percebemos que essa abordagem enfatiza o papel do aluno na descoberta de relações e na construção de significados, contrastando, desse modo, com aquelas tendências, cujo centro do processo da relação ensino-aprendizagem é o professor e as interações não são consideradas como aspectos fundamentais.

Nesse contexto, como um dos principais representantes da abordagem sociocultural, Lev Vygotsky (1998) defende que a interação social está fundamentalmente envolvida no desenvolvimento da cognição, e destaca, como aspectos unificadores da sua teoria, a importância da cultura, o papel da linguagem e a relação professor-aluno.

Ao analisar a obra do psicólogo bielo-russo, Lefrançois (2016, p. 254-260), ressalta que:

A importância da cultura é decorrente da diferença entre as funções mentais elementares e as superiores. As funções elementares são tendências a comportamentos naturais, não aprendidos, durante o desenvolvimento do indivíduo, as funções mentais elementares são transformadas em superiores, como pensamento, resolução de problemas e imaginação – principalmente através das interações sociais que as culturas possibilitam.

O autor destaca que com a linguagem podemos interagir socialmente, o que proporciona o desenvolvimento cognitivo. Foi seguindo essa linha de pensamento que Vygotsky chegou à conclusão de que o discurso e o pensamento são inicialmente independentes, mas que a interação cultural e, especialmente, o nível de sofisticação da linguagem é determinante no nível de sofisticação conceitual que a criança atinge (LEFRANÇOIS, 2016, p. 257).

A teoria de Vygotsky marcou indelevelmente o panorama educacional, principalmente no que refere a interação entre aluno, professor, pais e demais adultos que convivem com a criança, estabelecendo uma relação horizontal de aprendizagens mútuas, tendo como mola propulsora a zona de desenvolvimento proximal.

A zona de desenvolvimento proximal é, por excelência, o domínio psicológico da constante transformação. Na atuação pedagógica remete a ideia de que a função do professor é provocar avanços que não ocorreriam espontaneamente sem uma interferência na zona de desenvolvimento proximal. Para Vygotsky (1998), o único bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento.

A esse respeito, Ferreira (2013) explicita que a relação de professor-aluno deve ser horizontal e nada lhes é imposto. O homem deve assumir a posição de sujeito de sua própria educação em um processo de conscientização do ser no mundo. Professores e alunos devem ser vistos em uma mesma atmosfera, ou seja, a do conhecimento:

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Um professor que esteja engajado numa prática transformadora procurará desmistificar e questionar, com o aluno, a cultura dominante, valorizando a linguagem e a cultura deste, criando as condições para que cada um deles analise seu contexto e produza cultura. [...] o professor procurará criar condições para que, juntamente com os alunos, a consciência ingênua seja superada e que estes possam perceber as contradições da sociedade e grupos em que vivem (MIZUKAMI, 1986, p. 99).

A ênfase é colocada na necessidade do professor, que mediante a sua práxis educativa proporcionará aos alunos a superação da consciência ingênua, ascendendo a uma posição de criticidade, o que remete ao educador Paulo Freire (2011), ao defender que o homem deve ser compreendido em sua totalidade, e não como sujeito isolado, em que pensar e agir criticamente à realidade, na busca de transformá-la, faz parte da sua natureza, no caminho da sua humanização.

Freire (2011) trabalha com o conceito de autonomia como a capacidade de agir por si, de poder escolher e expor ideias, agir com responsabilidade, com autonomia. O educador que se propõe a trabalhar na perspectiva realmente progressista está disposto a se reconhecer como parceiro do seu aluno e a promover desenvolvimento. Ao final, tal prática resultará em uma formação, dele e de seu aluno, libertária e autônoma.

De tudo o que foi exposto acerca da abordagem sociocultural e de suas relevantes implicações no contexto educativo, causa estranhamento o fato de nessa pesquisa – ao alinharmos os escores “Quase sempre” e “Sempre” na afirmativa, “se o aluno não aprendeu, significa que o professor não ensinou” – constatarmos que 30% dos professores de Didática posicionaram-se a favor da premissa de que ensinar se resume à mera transmissão de conhecimentos, tendo como centro o professor, revelando uma postura tradicional. Essa prática traduz-se em reducionismos que causam sérias consequências no contexto educacional, sobretudo em uma sociedade marcada por desigualdades sociais, políticas, econômicas e culturais, como é o caso do Brasil, devendo, portanto, ser enfrentada por concepções de educação emancipatórias cujo cerne seja a transformação social.