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3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO

5.2 Categorias de análise: concepções de ensino e dimensões didáticas

5.2.2 Dimensões didáticas

5.2.2.2 Considerar que quem sabe, automaticamente sabe ensinar Ensinar significa ministrar

mostrar na prática como se faz

Para esse questionamento, dos 40 participantes da pesquisa, 23 (57,5%) elegeram uma posição de negatividade, ou seja, “nunca” e “quase nunca”, 12 (30%), “eventualmente” e cinco (12,5%) “quase sempre” e “sempre” conforme demonstra a Tabela 14.

Tabela 14: Considerar que quem sabe, automaticamente sabe ensinar. Ensinar significa ministrar grandes aulas

expositivas ou palestra de determinado assunto dominado pelo conferencista e mostrar na prática como se faz. Considerar que quem sabe,

automaticamente sabe ensinar. Ensinar significa ministrar grandes

aulas expositivas ou palestra de determinado assunto dominado pelo conferencista e mostrar na

prática como se faz.

Frequência Percentagem 1 2 3 4 5 12 11 12 2 3 30,0 27,5 30,0 5,0 7,5 Total 40 100,0

Fonte: Instrumento de pesquisa (2020)..

Constatamos, a partir deste indicador, que os professores de Didática não fundamentam a sua ação educativa em práticas docentes que privilegiem a racionalidade técnica e a reprodução dos conhecimentos no contexto da formação. É premente, no cenário educativo atual, a defesa da necessidade de uma formação profissional docente que promova o desenvolvimento integral do professor, de modo que reflita positivamente também na formação do aluno. Desse modo, a docência deve ser considerada uma ação educativa intencional e complexa, requerendo assim a articulação de diversas dimensões relevantes para que o processo ensino-aprendizagem alcance os seus objetivos.

Nesse processo, a dimensão técnica na formação docente universitária tem um papel a desempenhar, tendo em vista que o domínio de conteúdos e a aquisição de habilidades básicas, bem como a busca de estratégias que viabilizem a ação docente nas situações concretas de ensino se constituem em desafio a ser considerado enquanto instrumento articulador da organização e efetividade da formação docente.

Segundo Behrens (2005), a abordagem tecnicista enfatiza a organização racional dos meios, pela qual o alcance dos objetivos nos processos de ensino é assegurado por meio do planejamento e controle, desconsiderando assim, a figura de professor e aluno. A metodologia

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é baseada em modelos que devem ser seguidos de acordo com o comportamento que se espera modelar ou reforçar. Nessa ótica, privilegia a transmissão/reprodução dos conhecimentos acumulados pela humanidade, cuja ação elege os meios e estratégias, objetivando a eficácia no ensino.

Em nossa prática pedagógica na docência universitária, observamos que há certo desconforto de professores com relação a assunção do privilégio da racionalização dos meios em sua prática pedagógica. Esses professores, optam por assumir em seus discursos por perspectivas inovadoras de ensino. Dessa maneira, tecem críticas em relação à dimensão técnica no cotidiano de sala de aula. Acreditamos que esta repulsa encontra suas bases no próprio contexto histórico repressor no qual essa concepção foi implantada, e nas mudanças organizacionais nas quais as instituições de educação, em todos os níveis de ensino, tiveram que adotar.

Segundo Behrens (2005, p. 49), o professor tecnicista caracteriza sua prática pedagógica pela transmissão e reprodução do conhecimento. Utiliza sistemas instrucionais para tornar sua ação educativa eficiente e efetiva, convertendo-a em uma busca incessante de comportamentos desejáveis por meio de condicionamento arbitrário. Diz ainda que a influência cartesiana transforma o professor em determinista e racional, servindo de elo entre a ciência e o aluno que assume o papel de expectador condicionado, responsivo e acrítico.

Na concepção de Ramalho, Nuñez e Galthier (2003), esse modelo de profissionalismo, baseado em uma utopia científica universitária reducionista, mostra suas limitações por várias razões:

A formação do professor era descontextualizada e com isso os professores formadores não dominavam suficientemente a realidade dos meios escolares. [...] a formação era fragmentada, havendo um abismo entre a formação acadêmica e o trabalho prático, inexistia pesquisa que fornecesse um referencial para a prática docente, recaindo assim na separação teoria-prática. [...] impossibilidade de executar um programa elaborado por outros, para o trabalho com pessoas (RAMALHO; NUÑEZ e GAUTHIER, 2003, p.58).

No pensamento dos autores supra, estão presentes características relevantes, nas quais se pautam uma prática docente instrumental resultante da experiência, relacionada ao papel do professor, aos conhecimentos e habilidades necessários ao desempenho profissional, onde o aluno é totalmente silenciado, em nome de um modelo de educação cuja ótica recai “na transmissão/reprodução dos conhecimentos, assim como comportamentos éticos, práticas sociais, habilidades consideradas básicas para a manipulação e controle do mundo” (MIZUKAMI, 1986, p.27).

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Chama a atenção na prática docente racionalizada, o desprezo para com a pessoa do aluno, atitude tão combatida por Freire (2011), por considerar que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assume-se como sujeito também da produção do saber e convença-se definitivamente que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (2011, p.24).

A posição acrítica e secundária de professor e aluno na prática docente remete à concepção de ensinar que, segundo Mizukami (1986):

Consiste num arranjo e planejamento de contingência, de reforço sob as quais os estudantes aprendem e é de responsabilidade do professor assegurar a aquisição do comportamento. Por outro lado, consiste na aplicação do método científico tanto à investigação quanto à elaboração de técnicas e intervenções, as quais, por sua vez, objetivam mudanças comportamentais úteis e adequadas, de acordo com algum centro decisório (MIZUKAMI, 1986, p.30).

Essa forma de conceber o ensino, o conhecimento, o aluno e o professor na docência superior, reflete na organização curricular dos cursos de graduação.

Nesse aspecto, os cursos em geral, primam por treinamentos em que disciplinas teóricas são separadas das práticas e os professores pressupõe que, ao priorizar os conteúdos, os alunos conseguirão adequá-los à prática.

Masetto (2015) amplia a discussão ao considerar que:

De modo geral, até hoje a docência universitária enfatiza o processo de ensino, consequentemente a organização curricular continua fechada e estanque, as disciplinas são altamente conteudísticas, privilegiando aspectos técnicos e profissionalizantes dos cursos, com pouca abertura para as demais áreas do conhecimento e quase nenhuma para a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade, e, quase nada de incentivo à pesquisa na graduação (MASETTO, 2015, p.45).

Ainda segundo Masetto (2015), a metodologia, em sua quase totalidade, está centrada na transmissão ou comunicação oral, ou de temas e assuntos acabados por parte dos professores (aulas expositivas), ou leitura de livros e artigos seguidos de atividades de repetição, pois há um programa a ser cumprido. A avaliação denota a averiguação, baseado em provas tradicionais, de cunho classificatório, aprovativas ou não. No que tange ao corpo docente, ressalta que esse:

[...] ainda é recrutado entre profissionais dos quais se exige um mestrado ou doutorado que os torne mais competentes na comunicação do conhecimento. Deles, no entanto, ainda não se pedem competências profissionais de um educador no que diz respeito à área pedagógica a à perspectiva político-social. A função continua sendo a do professor que vem para “ensinar os que não sabem”. (MASETTO, 2015, p.45).

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As diversas considerações até aqui tecidas acerca da dimensão técnica na formação e prática docente universitária nos levam a certificar que essas não condizem com a perspectiva defendida pelos professores de Didática que participam deste estudo, pelo fato de que se posicionaram negativamente, adotando os escores “nunca” e “quase nunca” diante da assertiva “quem sabe, automaticamente sabe ensinar. Ensinar significa ministrar grandes aulas expositivas ou palestra de determinado assunto dominado pelo conferencista e mostrar na prática como se faz”.

Assumindo essa postura, os professores colocam-se, também, na contramão da visão enfatizada por Veiga (2015), ao afirmar que:

O tecnólogo do ensino parece ser a figura dominante dentro da reforma educacional brasileira detalhada nas DCNs, que define o tecnólogo do ensino a partir das relações de poder constituído que busca adequar a formação de professores às demandas do mercado globalizado, para o qual o professor nada mais é que um reprodutor de conhecimentos.

A pesquisa ressalta ainda que 30% dos professores defenderam que dependendo das circunstâncias nas quais se desenrola o processo educativo é que a dimensão técnica pode ser privilegiada, ou seja, só eventualmente, colocando-se assim em uma atitude de neutralidade com relação à assertiva.

A atitude relacionada a esses professores, no que tange a dimensão técnica, converge a análise realizada por Tardif e Lessard (2014), que ao tratarem sobre os fundamentos interativos da docência, elaboram um quadro comparativo entre o trabalho industrial e o trabalho docente no âmbito das tecnologias. Nesse caminho advogam que:

[...] diferentemente dos trabalhadores, cuja especialidade se baseia nas ciências naturais e aplicadas, os trabalhadores cuja especialidade advém exclusivamente das ciências humanas e sociais não possuem, assim, um saber tecnológico poderoso, que ofereça um controle eficaz e instrumental sobre as tarefas do trabalho. A maior parte do tempo eles precisam ou manter um discurso muito relativo- “isso depende”- ou recorrer a outras fontes de “saberes”: o senso comum, a experiência, ideologias, crenças e etc. (TARDIF e LESSARD, 2014, p. 263).

Diante da problemática, optamos por inferir que os professores que demonstraram uma atitude de negatividade em relação à dimensão técnica em sua prática docente, o fizeram por não concordarem com uma visão meramente instrumental da Didática, através da qual prevalece o uso da técnica pela técnica, os meios dissociados dos fins, em suma, uma abordagem que não tem significado no cotidiano real da prática educativa.

Por outro lado, o grupo de 30% dos professores que defende que dependendo das circunstâncias onde ocorrem os processos educativos é que a dimensão técnica pode inserir-se

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de forma proveitosa, admitem a possibilidade de uma visão diferenciada da dimensão técnica na prática pedagógica, sobretudo em uma sociedade marcada por transformações instantâneas em todos os âmbitos sociais, defendendo, portanto, que o momento histórico exige a busca de superação desse modelo de educação.

Tal como Cardoso (1995, p. 45), adotamos a superação:

[...] no sentido dialético estabelecido por Hegel; para quem superar não é fazer desaparecer, mas progredir qualitativamente, conservando o que há de verdadeiro no momento anterior e levando-o a um complemento, segundo as novas exigências históricas.

É premente que no ensino superior vigora uma grande preocupação em superar os paradigmas educativos baseados na racionalização técnica mecanicista e reprodutores do conhecimento como forma de organização dos processos formativos. Mazzetto (2003) reitera esta preocupação com a formação do professor, tratando o ensino desta fase como:

[...] uma preocupação total e exclusivamente voltada para a transmissão de informações e experiências, iniciou-se um processo de buscar o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos; de aperfeiçoar sua capacidade de pensar; de dar significado para aquilo que era estudado, de perceber a relação entre o que o professor tratava em aula e sua atividade profissional; de desenvolver a capacidade de construir seu próprio conhecimento, desde coletar informações até a produção de um texto que revele seus conhecimentos. (MAZZETTO, 2003, p. 19-20).

Diante dessa preocupação, sem desconsiderar que a competência técnica é imprescindível à prática docente na docência universitária, cabe ressignificá-la para que atenda aos anseios da educação na contemporaneidade.

Trata-se da assunção de atitudes condizentes com uma teoria que busca a emancipação humana, que almeja a superação de formas fragmentadas de conhecimentos, de ações fora do contexto social, bem como da formação de docentes conscientes da função da Educação, não sendo meros reprodutores de conhecimentos historicamente construídos, mas sim produtores de ideias, com foco na transformação social, como sujeitos sociais, produtores e produtos desta história.

Nesse horizonte, Behrens (2005), ao admitir a necessidade de superar modelos reprodutivistas do conhecimento e de repensar a prática pedagógica dos professores na universidade, prima pela adoção de paradigmas inovadores na produção do conhecimento, cuja base está alicerçada na visão de totalidade, resultado da articulação entre “os pressupostos da visão sistêmica, da abordagem progressista e do ensino com pesquisa, instrumentalizada pela tecnologia inovadora” (BEHRENS, 2005, p. 57).

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5.2.2.3 Compreender que o processo ensino-aprendizagem acontece sempre numa cultura