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3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO

5.2 Categorias de análise: concepções de ensino e dimensões didáticas

5.2.2 Dimensões didáticas

5.2.2.5 Capacitar sob o ponto de vista dos fundamentos para a organização do ensino

integral

Para essa afirmativa, dos 40 participantes da pesquisa, dois (5,0%) responderam “quase nunca”; três (7,5%) “eventualmente”; oito (20%) “quase sempre”; e 27 (67,5%) “sempre”, conforme Tabela 17.

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Tabela 17: Capacitar sob o ponto de vista dos fundamentos para a organização do ensino expressando um

caráter sistêmico, razão pela qual devem ser vistos e considerados de forma integral. Capacitar sob o ponto de vista dos

fundamentos para a organização do ensino expressando um caráter sistêmico, razão pela qual devem ser vistos e considerados de forma

integral. Frequência Percentagem 1 2 3 4 5 0 2 3 8 27 0,0 5,0 7,5 20,0 67,5 Total 40 100,0

Fonte: Instrumento de pesquisa (2020)..

A concordância com essa categoria mostra que os professores de Didática advogam que a formação e prática docente devem considerar a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem. Do total de participantes, 67,5% responderam “sempre”, que relacionada a alternativa “quase sempre”, ou seja, 20% do total, nos leva a inferir que os professores de Didática desenvolvem a sua ação profissional em uma perspectiva multidimensional.

Alicerçada na multiplicidade de saberes que a Didática engloba, partimos do pressuposto de que o novo cenário educativo requer uma preparação profissional, que permita mobilizar diversos recursos cognitivos (saberes, procedimentos, técnicas, atitudes), para o enfrentamento de situações complexas e não previstas, associado ao reconhecimento da formação como um processo permanente, bem como da compreensão de que a aquisição das competências necessárias à prática docente passa pelas dimensões técnicas e humanas, pelo contexto político-econômico e ético.

Nesses termos, consideramos que um projeto de formação de professores se justifica pela possibilidade de contemplar uma visão holística que proporcione uma ampla formação, que fortaleça a profissionalização docente através do comprometimento sociopolítico em um espaço de diversas alternativas educacionais.

A atualidade evidencia uma ampliação significativa na concepção de educação e, consequentemente, os processos formativos extrapolam os espaços considerados convencionais de ensino. Conforme orienta a LDB - Lei Nº 9394/96, em seu artigo primeiro, a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na

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convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

Partindo do artigo descrito, apreendemos que em todas as situações e espaços em que haja interações com vistas a estabelecer relações de ensino e aprendizagem, a educação formal será manifestada, inclusive, podendo ser objeto de avaliação para aproveitamento por parte das instituições de ensino. Essa ideia é reforçada por Libâneo (2004) ao afirmar que:

[...] são atividades educativas formais também, a educação de adultos, a educação sindical, a educação profissional, desde que nelas estejam presentes a intencionalidade, a sistematicidade e condições previamente preparadas, atributos que caracterizam um trabalho pedagógico-didático, ainda que realizado fora do marco escolar. (LIBÂNEO, 2004, p.89).

Dessa maneira, os processos formativos extrapolam os ambientes institucionais considerados de praxe e legitimados para tal fim, passando a viger em espaços de múltiplas possibilidades.

Nessa concepção de educação está implícita a imprescindibilidade de acolhimento de um trabalho pedagógico didático, cujo cerne contemple o desenvolvimento integral do ser humano, baseado em processos formativos que privilegiem a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem, que deverá incidir diretamente na formação profissional docente. Isto implica compreender no que se constitui uma formação multidimensional, quem são os responsáveis por promovê-la, e, ainda, como se efetiva na concretude dos espaços de formação docente.

No Brasil, a preocupação em estabelecer processos de ensino-aprendizagem em uma perspectiva multidimensional surge imersa a intensas discussões acerca do papel da Didática na formação de professores, o que ocorreu permeada por interesses de grupos que intencionavam estruturá-la visando seus próprios interesses. Assim as dimensões humanas, técnicas, éticas e políticas estiveram na ótica das discussões, sendo legitimadas, negadas, afirmadas, silenciadas, superpostas umas às outras e criticadas de acordo com o momento histórico e político vigente, onde pairava uma desarticulação entre essas dimensões didáticas.

No findar da década de 70 e início dos anos 80, a crítica à visão exclusivamente instrumental da Didática evidencia a necessidade de uma articulação, tendo em vista que a prática pedagógica requer competência técnica, política, compromisso ético e preocupação com a subjetividade do indivíduo, daí o anseio por uma Didática fundamental, que “assuma a multidimensionalidade do processo ensino-aprendizagem colocando a articulação das três dimensões, técnica, humana e política no centro configurador de sua temática” (CANDAU, 2011).

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Neste mesmo caminho, Barbosa e Oliveira (2013) corroboram com a afirmação de que não há sobreposição de uma dimensão sobre a outra, nem uma determinação hierárquica, mas a necessidade de compreender e valorizar a articulação e a tessitura que precisa acontecer entre as dimensões de formação da pessoa e também do professor na pessoa.

Observamos o reclame por uma perspectiva de educação que rompa com os reducionismos, a fragmentação e a reprodução do conhecimento em prol de uma ação docente que implique na emancipação social, pautada em uma visão de totalidade.

A ação pedagógica que leve à produção do conhecimento e que busque formar um sujeito crítico e inovador precisa enfocar o conhecimento como provisório e relativo, preocupando-se com a localização histórica da sua produção. Precisa estimular a análise, a capacidade de compor e recompor dados, informações e argumentos, bem como valorizar a ação reflexiva (BEHRENS, 2005, p.55).

Franco (2012) amplia a discussão ao considerar que nas práticas docentes e nas práticas didáticas, atividades formativas dos sujeitos que ensinam e que aprendem, há múltiplas dimensões pedagógicas que incluem e extrapolam a sala de aula. Daí, entendemos que seria apropriado denominar essa Didática, que tem seu suporte na teoria pedagógica que parte da práxis educativa e a ela retorna, de Multidimensional. A autora, expressa ainda que:

Quando falamos em multidimensionalidade, falamos de convergência, de fundamentos pedagógicos que subsidiam a proposta multirreferencial. Entendemos que há uma relação dialética entre multirreferencialidade e multidimensionalidade. A multirreferencialidade permite a compreensão das totalidades no todo e a multidimensionalidade do todo às totalidades. O multirreferencial nos ajuda a compreender a educação em sua complexidade e totalidade; já a multidimensionalidade foca o ensino na perspectiva da totalidade (p.10).

Compreendemos que a efetividade de uma Didática que milita numa perspectiva multidimensional é premente na sociedade brasileira, entretanto, vislumbramos também os desafios a serem enfrentados pelas instituições de ensino, pelos alunos, bem como pelos professores, tendo em vista que as maiores responsabilidades sobre os resultados da educação recaem sobre eles. Contudo, Gonzaga, Castanho e Machado (2010), acreditam que estudar as dimensões política, ética e técnica no processo ensino-aprendizagem se justifica pela possibilidade de realizar um ensino de qualidade, pautado na ética da solidariedade entre alunos e professores, no reconhecimento de que o processo ensino-aprendizagem se constrói dialeticamente e de forma cooperada, e por possibilitar a compreensão de que as práticas educativas pautadas na afetividade e na ética proporcionam o desenvolvimento da autonomia, da crítica, da autoestima e do respeito mútuo, fortalecendo a consciência política e ética essenciais numa sociedade genuinamente humana.

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Para que essa prática ocorra em conformidade com o descrito acima, dentre outros aspectos, é premente o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a estruturação de currículos para os cursos de formação de professores que contemplem e efetivem esta perspectiva, acrescida ao fato de que, conjuntamente, é preciso que haja a intencionalidade por parte dos professores, que se expressa a partir do compromisso político, social e ético na formação e prática docente. Faz-se necessário igualmente, que o professor tenha consciência das contradições e dos desafios que permeiam a sua prática pedagógica e que tenha, como compromisso, a transformação social e a busca de práticas educativas que se ajustem aos princípios de construção do conhecimento. Esta ideia está presente também em Morosini (2010), ao enfatizar que a articulação entre tais dimensões passa prioritariamente pela consciência política que os docentes têm do seu papel na sociedade e da competência científica e pedagógica para o exercício da profissão.

Nesse viés, Borges (2002), acrescenta que, para que isso ocorra, a formação inicial e continuada de professores precisa ser repensada, uma vez que o trabalho do professor enquanto mediador do conhecimento e do desenvolvimento da cidadania ocorre imerso a um processo gradativo de superação do fracasso e das desigualdades sociais. A confluência de pensamento acerca da efetividade de uma didática multidimensional na formação e prática dos professores, enfatizada pelos autores acima destacados, aponta-nos para uma responsabilidade coletiva em que professores, alunos e instituições formativas devem assumir pautados por um objetivo que atenda ao bem comum, conforme significado por nós anteriormente nessa pesquisa.

No cenário atual da educação, não há espaço para a desarticulação das dimensões técnica, política, humana e ética, pois cada uma tem sua importante contribuição para esclarecer o papel sociopolítico da educação, da escola e, mais especificamente do ensino e da aprendizagem. (MOROSINI, 2010, p.25).

Observamos que é essa a compreensão que permeia o pensamento dos professores de Didática que participam dessa pesquisa, tendo em vista que 67,5% defendem que a formação e prática docente se traduz em capacitar sob o ponto de vista dos fundamentos para a organização do ensino expressando um caráter sistêmico, razão pela qual devem ser vistos e considerados de forma integral, em relação com a complexidade dos processos de ensino.

Em consonância com as determinações das DCNs para a formação inicial e continuada de professores para a educação básica, há a necessidade de assegurar a base nacional comum, considerando a educação como processo emancipatório que articule teoria e prática e que leve em conta a realidade onde as instituições de ensino se inserem, conduzindo os futuros

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professores, dentre outras determinações, às dinâmicas pedagógicas que contribuam para o exercício e o desenvolvimento profissional através de uma visão ampla do processo formativo, seus diferentes ritmos, tempos e espaços, em face das dimensões psicossociais, histórico-culturais, afetivas, relacionais e interativas que permeiam a ação pedagógica reporta, desse modo à multidimensionalidade.

Apesar de considerarmos que essa seria a perspectiva ideal e necessária ao contexto de uma sociedade do conhecimento, as Diretrizes Curriculares para a formação de professores não contemplam o modo como essas determinações se concretizarão no contexto institucional de formação docente.

Contudo, todos convergem para a imprescindibilidade da articulação entre as diversas dimensões na formação docente, bem como na busca por caminhos para a sua efetivação. Com o intuito de ilustrar tal importância, destacamos um estudo realizado por Pimenta, Franco e Fusari (2014) intitulado Didática Multidimensional: da prática coletiva à

construção de princípios articuladores, onde intencionam aprofundar a construção teórico-

epistemológica do conceito de Didática multidimensional. Para tanto, indicam a interlocução entre a Pedagogia de Freire (2015), no que tange à curiosidade epistemológica, às pesquisas de Ardoino (1992), para conceituar a multirreferencialidade pedagógica, e às de Charlot (2000) referente às relações com o saber.

Dessa maneira, elaboraram uma proposta conceitual sobre Didática multidimensional estabelecendo princípios epistemológicos a partir das pesquisas, bem como dos processos formativos realizados ao longo dos últimos 20 anos:

1. As atividades que compõem o ensino resultam melhor quando envolvidas em processos investigativos. Alunos e professores ao se articularem como pesquisadores em ação passam a problematizar a realidade e a buscar alternativas de pensamento e reflexão;

2. Processos dialogais na sala de aula. Historicamente, esse sentido de diálogo proposto por Freire, foi sendo muitas vezes apropriado como senso comum. Há que se recordar que o diálogo precisa estar voltado à construção do conhecimento; 3. A construção de processos de práxis, na perspectiva freireana: a práxis, como reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.

4. Construção de processos de mediação. A mediação didática aí penetra ao dispor aos docentes perspectivas de análise que os ajudem a compreender os contextos históricos, sociais, organizacionais, culturais, nos quais os sujeitos estão em relação com o saber a ser re/aprendido;

5.E por último, considerando a complexidade do ato pedagógico de ensinar e aprender em contextos. Parece-nos relevante considerar que os saberes de várias áreas sejam mobilizados nesses contextos. À Didática Multidimensional compete considerar os processos de redes de saberes, dispondo os saberes da ciência pedagógica na criação das atividades dos ensinantes e dos aprendentes. (PIMENTA, FRANCO e FUSARI, 2014).

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Do exposto, percebemos que a sociedade contemporânea preconiza uma Didática que considere não somente a influência das tecnologias na educação, mas, sobretudo as contradições existentes e seus reflexos nos diversos âmbitos sociais, nas instituições de ensino em todos os níveis, nas políticas de formação e valorização profissional, bem como nas diretrizes que norteiam a educação e que fragilizam as práticas formativas e as instituições responsáveis por implementá-las, além do contexto no qual estão imersas as instituições, professores e alunos.

No cenário brasileiro atual, onde impera a exclusão social e onde a educação se constitui como ferramenta imprescindível de possibilidade para reverter essa situação, não há espaço para reducionismos, fragmentação e reprodução do conhecimento, demandando assim a imprescindibilidade da articulação entre as dimensões política, ética, técnica, estética e humana no processo de ensino e aprendizagem, ou seja, em uma perspectiva multidimensional da Didática, esta deve estar imbricada nas políticas de formação de professores, pois somente dessa forma se refletirá na prática docente universitária e consequentemente nas demais instituições de ensino.