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3 DA DIDÁTICA VIVA À PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA: VISLUMBRANDO

5.2 Categorias de análise: concepções de ensino e dimensões didáticas

5.2.2 Dimensões didáticas

5.2.2.3 Compreender que o processo ensino-aprendizagem acontece sempre numa cultura

organização social em que vivem

Para esse questionamento, dos 40 participantes da pesquisa, quatro (10%) responderam “nunca”; três (7,5%) “quase nunca”; um (2,5%), “eventualmente”; seis (15%), “quase sempre”; e 26 (65%) “sempre”, conforme Tabela 15.

Tabela 15: Compreender que o processo ensino-aprendizagem acontece sempre numa cultura especifica, trata

com pessoas concretas que tem uma posição de classe definida na organização social em que vivem. Compreender que o processo

ensino-aprendizagem acontece sempre numa cultura especifica, trata com pessoas concretas que tem uma posição de classe definida

na organização social em que vivem Frequência Percentagem 1 2 3 4 5 4 3 1 6 26 10,0 7,5 2,5 15,0 65,0 Total 40 100,0

Fonte: Instrumento de pesquisa (2020)..

Por meio desses números inferimos que 65% dos professores de Didática elegeu a dimensão política como de fundamental relevância em sua prática pedagógica, admitindo assim, que a educação é um ato inerentemente político. Desse modo as ações humanas são permeadas o tempo todo pela política, sendo “impossível pensar em qualquer um dos setores de nossa vida em que a influência da política, de uma forma ou de outra, em maior ou menor grau, não se faça presente” (ARANHA, 2013, p. 221).

Nessa mesma perspectiva, Gramsci evidencia a impossibilidade de dissociar educação e política, uma vez que a primeira é elemento essencial na formação política do indivíduo e, a segunda, noção necessária para o sujeito compreender os conflitos existentes na sociedade capitalista. No reforço de Schlesener (2009, p. 107):

A dimensão política da educação se expressa no reconhecimento dos conflitos de classes que constituem a base da sociedade moderna e da necessidade de as classes trabalhadoras criarem a sua identidade e a sua cultura no processo de construção da hegemonia.

Reconhecer e propor uma nova ordem social e política é associar educação e política com o propósito de criar uma nova sociedade, como diz Schlesener (2009) “política e educação se entrelaçam.” (p. 61).

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Aranha (2013) e Schlesener (2009), acerca da impossibilidade de dissociar política e educação, iluminam a necessidade premente da dimensão política na formação e prática educativa, tendo em conta que a educação é um bem social que, traduzido em direito, não pode ser negado pelos entes federados responsáveis em provê-lo.

Nessa pesquisa, intencionamos nos distanciar categoricamente do conceito neoliberal de bem comum, e assumir a defesa de bem comum como algo que se constrói coletivamente, superando as contradições presentes na concretude dos contextos sociais, na instalação da possibilidade de igualdade na diferença que, enquanto bem coletivo, não resulta da soma de experiências individuais de bem-estar, nem da posse de bens materiais socialmente valorizados, conforme acepção de Rios (2003, p.87).

Por isso mesmo, uma análise das políticas sociais se obrigaria a considerar não apenas a dinâmica do movimento do capital, seus meandros e articulações, mas os antagônicos e complexos processos sociais que com ele se confrontam. Compreender o sentido de uma política pública reclamaria transcender sua esfera específica e entender o significado do projeto social do Estado como um todo, além das contradições gerais do momento histórico em questão (SHIROMA, 2004, p. 09). Observamos que a competência de análise das políticas públicas sociais defendida por Shiroma (2004), onde se insere a educação, reflete uma ação complexa que requer um cabedal de conhecimentos, responsabilidade e comprometimento na profissão docente, requerendo, dessa maneira, uma formação com uma forte conotação política, que conscientize o docente das contradições e desafios imbricados na sua ação pedagógica, que se comprometa com a emancipação social, por meio da promoção de práticas educativas/formativas que contribuam para a construção do conhecimento.

Esse horizonte de formação e prática pedagógica prescinde de uma maior preocupação com o desenvolvimento da consciência crítica do professor, envolto pela crença do poder que a educação encerra e, sobretudo, da vitalidade da sua própria prática educativa, bem como das múltiplas possibilidades que as instituições de ensino apresentam, em seus diversos níveis, de transformá-la em instrumento de luta contra a exclusão social.

Contudo, é preciso considerar que, o saber em si não é suficiente para que as mudanças ocorram efetivamente, é preciso principalmente querer, como bem adverte Sánchez Vásquez (1968):

[...] a teoria em si não transforma o mundo. Pode contribuir para a sua transformação, mas para isso tem que sair de si mesma, e, em primeiro lugar, tem que ser assimilada pelos que vão ocasionar, com seus atos, reais, efetivos tal transformação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se insere um trabalho de educação das consciências, de organização dos meios materiais e planos

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concretos de ação: tudo isso, como passagem indispensável para desenvolver ações reais, efetivas (p. 206).

Freire (2011) compartilha com essa ideia, ao advogar que, dentre os saberes necessários à prática educativa, está presente o de que ensinar exige a convicção de que a mudança é possível. Segundo o mesmo autor:

[...] o mundo não é, o mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com quem dialeticamente me relaciono, meu papel não é apenas constatar o que ocorre, mas intervir como sujeito ativo, protagonista da história, e não objeto dela. No mundo da história, da cultura e da política, constato não para me adaptar, mas para mudar (FREIRE, 2011, p.75).

Para Saviani (1996), a educação mostra-se como uma atividade mediadora na prática social, “uma teoria é prática na medida em que materializa, através de uma série de mediações, o que antes só existia idealmente, como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de sua transformação”.

A discussão supra, acerca da importância da dimensão política na formação docente no Brasil, situa-se no âmbito da Pedagogia Histórico-Crítica que nasce da insatisfação com as análises crítico-reprodutivistas da educação, cujos reflexos foram legitimados e concretizados por imposição durante o período da ditadura militar. A ideologia dominante, dentre outras determinações, encarregou-se de dirimir dos currículos do ensino de primeiro e segundo graus, e do ensino superior, as disciplinas de caráter crítico, promovendo assim a neutralidade da prática pedagógica nos cursos de formação de professores, imprimindo sérias consequências à educação brasileira. O modelo gerencial das empresas passa a dominar as escolas e universidades e o tecnicismo educacional é implantado emtodo o seu vigor, advindo, assim a luta pela sua superação.

Recorremos a Kincheloe (1997) que, para ilustrar a supremacia da linguagem, da eficiência e da lógica das técnicas e esquemas de contabilidade que ignoram as questões culturais na formação de professores, enfatiza que a orientação técnica dos programas de formação dos professores não estuda as dimensões de poder, inserindo os estudantes em faculdades e currículos vocacionalmente dirigidos sob a lógica de que essas oferecem um maior prestígio, o que leva a um ensino onde o professor tem um conhecimento abstrato e teórico. Desse modo, não estudam os aspectos sociopolíticos da escolarização, culpando as vítimas das iniquidades do poder por suas faltas. Sem empatia, o círculo vicioso da exclusão econômica e educacional se perpetuará. Silva (2010) coaduna com essa visão ao afirmar que:

[...] compreendemos, assim, que com a atual configuração política e econômica de uma sociedade globalizada e de um capitalismo em estágio neoliberal, a dimensão coletiva não tem se apresentado como marca ou preocupação eminente e efetiva

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nesta sociedade, pelo contrário, parecem querer dominar, ainda que não estejamos em âmbito comercial propriamente dito, as relações de mercado.

Percebemos, nas ideias expressas por Kincheloe (1997), bem como em Silva (2010), que há uma camuflagem da dimensão política na formação de professores, o que se encontra expresso na negação das questões culturais, das dimensões de poder e dos aspectos sociopolíticos da escolarização, características prementes em um modelo reprodutivista de sociedade e de educação.

Contudo, Saviani (2012, p. 23) ao analisar o livro “Magistério de 1º grau: da competência técnica ao compromisso político”, de autoria de Guiomar Namo de Mello, ressalta que:

A escola está impregnada de ponta a ponta pelo aspecto político. Ela configura-se como um dos espaços em que os interesses contraditórios, próprios da sociedade capitalista entram em “disputa pela apropriação do conhecimento”. Mas, sua acuidade de análise leva-a mais além, a ver o sentido político da escola mesmo onde ele aparentemente não existiria, onde ele está oculto sob a aparência do estritamente técnico.

Nesse mesmo estudo, a autora anuncia uma tese na qual a função política da educação escolar se cumpre pela mediação da competência técnica e se constitui em condição necessária, embora não suficiente, para a realização desse mesmo sentido político da prática docente para o professor.

Inferimos que é essa a ideia defendida pelos professores de Didática participantes desta pesquisa tendo em vista que 65% optaram, por compreender que o processo ensino- aprendizagem acontece sempre em uma cultura específica e trata com pessoas concretas que tem uma posição de classe definida na organização social em que vivem. Daí a relevância da dimensão política na formação e prática do professor. Ao ressaltar a imprescindibilidade da dimensão política no exercício da docência universitária e no exercício da função, o professor não deixa de ser um cidadão:

[...] ele tem uma visão de homem, de mundo, de sociedade, de cultura, de educação que dirige suas opções e suas ações mais ou menos conscientemente. Ele é um cidadão, um “político”, alguém compromissado com seu tempo, sua civilização e sua comunidade e isso não se desprega da sua pele, no momento em que entra em sala de aula. Pode até querer omitir tal aspecto em nome da ciência que ele deve transmitir. Talvez, ingenuamente, entenda que possa fazê-lo de forma neutra. Mas o professor continua cidadão e político, e como profissional da docência não poderá deixar de sê-lo. (MASETTO, 2015, p.39).

Nesse caminho, convergem as determinações das DCNs para a formação inicial e continuada dos professores da educação básica que, ao legitimar a sua importância na concepção de docência, amplia a sua compreensão ao assegurar que, no exercício da

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docência, a ação do profissional do magistério é permeada por dimensões técnicas, políticas, éticas e estéticas por meio de sólida formação, envolvendo o domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens, tecnologias e inovações, contribuindo para ampliar a visão e a atuação desse profissional.

Não obstante, faz-se mister destacar que, embora a dimensão política conste enquanto dimensão importante na formação de professores, percebemos que os legisladores privilegiam-na apenas no sentido de fomentar políticas públicas a serem implementadas, relegando a segundo plano a compreensão de dimensão política enquanto princípio norteador da formação e prática do profissional docente. A exemplo do parágrafo 6ºdas DCNs, ao determinar que o projeto de formação deve ser elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o sistema de educação básica, envolvendo a consolidação de fóruns estaduais e distrital permanentes de apoio à formação docente, em regime de colaboração, devendo contemplar dentre outras, as questões socioambientais, éticas, estéticas e relativas à diversidade étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional e sociocultural como princípios de equidade.

Diante das argumentações tecidas, acerca da imprescindibilidade da dimensão política na formação docente, soa estranho que nessa pesquisa tenhamos constatado que (17,5%) dos professores de Didática, tenham uma posição negativa com relação à necessidade dessa dimensão na formação e prática docente, tendo em vista os problemas sociais enfrentados atualmente pela sociedade brasileira. Essa atitude revela a premência de uma reflexão profunda acerca da dimensão política na formação e prática pedagógica, tendo em vista que a posição que o docente universitário assume, a respeito da referida questão, poderá ter implicações desastrosas no contexto educacional como um todo.

5.2.2.4 Encaminhar à compreensão de ser um sujeito de princípios e condutas exemplares, a