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Alguns apontamentos fi nais

Após esse percurso analítico, entendemos que as mulheres, ao pos- tarem suas experiências esportivas, passam a educar o olhar do outro, na constituição de uma pedagogia que ensina ao olhar de quem vê. Os pontos sofi sticados de valor das postagens vêm com referências, com valores sig- nifi cativos do que se vive, que, por meio das hashtags, adentram na comu- nicação horizontal, a qual possibilita a criação de um meio de expressões pensando os signifi cados esportistas. Deleuze e Guattari(1992) denomina- ram como agenciamentos coletivos de enunciações estas articulações que partem do sujeito e se relacionam aos formatos de visibilidade e narração no território das experiências, que aqui se espraiam pelas redes.

Neste caso, consideramos que isso diz muito sobre as lógicas contem- porâneas de representação do eu, sobre os modos de subjetivação, de ser e estar em rede. O sujeito forma-se a partir de relações dialógicas que vivencia com as signifi cações, sendo as relações potencializadas pelas diferentes me-

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diações contemporâneas. Este trabalho pondera que as postagens e o uso da #Mulheresquetreinam reverberam os modos de produção subjetiva em territórios digitais que há bem pouco tempo não existiam, possibilitando uma mobilização das mulheres em diferentes lugares.

Com a utilização das hashtags na constituição de uma foto, na cap- tura de ‘uma cena do mundo vivido’, pensamos no quanto uma postagem do Instagram com a #Mulheresquetreinam pode ser pensada a partir do conceito da dobra de Deleuze (1998) na constituição de uma subjetividade. A subjetividade se dá na dobra do lado de fora no lado de dentro. O lado de fora, que seria as culturas, dobra para dentro, constituindo pregas, em uma relação de força consigo, em um poder de afetar-se. Essas dobras são o que Foucault chama de processos de subjetivação. Essa força do fora, ao dobrar-se, cria um forro, uma dimensão interna e própria na qual o sujeito vai constituir-se (MARTINS, 2016).

Isso aponta o quanto somos afetados por elementos do fora, do co- tidiano, das relações, da vida, e como tudo isso direciona as conduções das condutas das posições individuais, pensando-se aqui a condução de uma conduta coletiva esportiva por mulheres mediante as aprendizagens cultu- rais, como as de Mariana, muitas outras têm postado. Essas aprendizagens são um conjunto de signifi cados, incluindo imitação, representação, recepti- vidade, expressão e apresentação do eu em inúmeros processos de formação e de autoformação. Fundamentadas nos corpos e nos sentidos, abarcam as imagens, os esquemas de movimentos pertencentes à esfera da ação prática. A aprendizagem cultural efetiva-se, em grande parte, de maneira inconscien- te, fato que produz efeitos no campo educativo, desdobrando-se do campo da cultura e do coletivo para o campo subjetivo/individual (WULF, 2009). Uma ‘aprendizagem cultural como a esportiva’ converte-se no mundo cultural por meio de postagens, fotos e enunciados e transfere-se para um mundo interior/subjetivo de imagens. Assim, cada sujeito é capaz de orga- nizar ativamente aquilo que a cultura lhe deu (WULF, 2009). São processos de aprendizagens culturais de educabilidades, que dizem respeito às relações sociais, às formas de ação, às encenações e às representações do social.

Nessa perspectiva, ao elencarmos alguns pontos sofi sticados de valor nas postagens no Instagram, tivemos a intenção de mostrar como o mo- vimento de uso das hashtags tem possibilitado uma nova política de ação e comunicação por parte das mulheres, envolvendo diferentes estratégias via redes digitais, o que promove signifi cações, mobilização, valorização, igualdade e direito de participação das mulheres na esfera esportiva. Mais

Capítulo 9 – ‘Nova’ política de produção da posição de mulheres como esportistas a partir de hashtags no Instagram

do que promover via rede digital, a mobilização esportiva vem fomentando a circulação das mulheres em espaços públicos para a realização de certas práticas, potencializando o esporte de mulheres como ‘habitável’.

As refl exões teórico-analíticas no contexto das análises aqui empreen- didas e, mais especifi camente, no funcionamento discursivo das hashtags esportivas podem ser compreendidas como um espaço de possibilidades de deslocamentos na relação das mulheres contemporâneas e as práticas esportivas. As hashtags remetem a uma permanente disputa pelo sentido na sua relação com a quebra de um silêncio para a visibilidade, que atravessa a relação das mulheres e os esportes no Brasil. Pensamos as hashtags como ações de uma nova política e produtoras de educabilidades.

Por fi m, sendo este um movimento de análise da #Mulheresquetreinam, é importante destacar o quanto, contemporaneamente, os pontos sofi sti- cados de valor têm se mostrado constitutivos das postagens em rede, pro- duzindo estratégias para formação de mulheres esportistas. Mais do que promover signifi cações, as hashtags e suas postagens conduzem a quebras e rupturas, em uma espécie de resistência, nas quais as mulheres podem ocupar espaços públicos e esportivos.

Que outras hashtags, como algumas demarcadas no início do tex- to, possam ocupar as diferentes mídias digitais e destacar o movimento de valorização do esporte de mulheres. Afi nal, parafraseando a poesia do #JogaQueNemMulher,‘treinar forte, se engajar nas práticas esportivas, con- dições que as representam, para ser um novo sujeito político, elas podem também ser, mulheres que treinam’.

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