• Nenhum resultado encontrado

Conclusões: práticas, discursos, desafi os

Anos de pesquisa sobre cavaleiras brasileiras em diversos meios de esporte e lazer me revelaram que a relação entre estas mulheres e meninas e seus equinos são vivenciadas por elas como fornecendo rotas singulares para a experiência e a expressão. Por exemplo, para as meninas e as mulheres que apenas duas décadas atrás foram aceitas como parceiras e participantes no rodeio campeiro do sul do Brasil, são estas atividades que as permitem viver a valorização de tradições equestres rurais cuja história foi construída discursivamente (mas com signifi cativas brechas na pratica) como mas- culinas (ADELMAN; BECKER, 2013). As mulheres que competem no hipismo clássico, esporte de elite, nos níveis amadores e profi ssionais foram muito contundentes em rejeitar tentativas masculinas de diferenciar e mi- nimizar seus talentos e habilidades como amazonas. Elas enfatizaram tanto o desafi o quanto o prazer em fazer parte deste tipo particular de conjunto humano-animal e o quanto essa experiência havia servido de força motriz às suas vidas, permitindo, inclusive, a defi nição recorrente das amazonas como um tipo de “mulher extraordinária” que, por suas atitudes relativas ao risco, à coragem e à ousadia, as distinguia das mulheres mais convencionais da mesma classe social (ADELMAN, 2004).

Diferenças e ambivalências abundam. As mulheres podem reproduzir visões normativas sobre sua relação com os equinos (como cuidadoras, ou como lindas Godivas, entre outras), mas podem também construir represen- tações mais transgressivas dela, identifi cando-se implícita ou explicitamente com “a natureza selvagem” e com a desobediência às regras patriarcais que fazem esforços constantes para domesticar e conter seus corpos e mentes. Como uma vez sugeriu Teresa de Lauretis, ao falar sobre as difi culdades que as mulheres encontram ao querer se libertar de formas hegemônicas de “signifi car a mulher”, mesmo na nossa luta para expandir as possibilidades e horizontes e subverter defi nições limitadoras, a liberdade e a emancipação são sempre elusivas: estamos sempre e simultaneamente “dentro” e “fora” dos controles ideológicos do poder patriarcal. Neste sentido, é possível que a contribuição deste “Outro animal” seja de um enorme valor – revelando- -se nos momentos em que o cavalo e a cavaleira se unem, tornando-se um, tornando-se um um-outro”, numa junção que, mesmo temporária e parcial, ofereça uma fuga daquilo que é puramente convenção humana.

136

Miriam Adelman

Figura 1 – Irmãs paranaenses

Crédito da imagem: Miriam Adelman.

Referências

ADELMAN, M.; KNIJNIK, J. Introduction − Women, men and horses: looking at the equestrian world through a ‘gender lens’ In: ADELMAN, M.; KNIJNIK, J. (Orgs.) Gender and equestrian sport: riding around the world. Heidelberg: Springer, 2013. p. 1-14.

ADELMAN, M. BECKER, G. Tradition and transgression: women who ride the rodeo in southern Brazil In: ADELMAN, M.; KNIJNIK, J. (Orgs.). Gender and eques-

trian sport: Riding around the world. Heidelberg: Springer, 201. p. 73-90.

ADELMAN, M. O desafi o das amazonas: a construção da identidade de mulheres como atletas e amazonas do hipismo clássico (salto) brasileiro. In: SIMOES, A.C.; KNIJNIK, J. (Org). O mundo psicossocial da mulher no esporte. São Paulo: Aleph, 2004. ARLUKE, A.; BOGDAN, R. Taming the wild: rodeo as human-animal metaphor. In: GILLETT, J.; GILBERT, M. (Orgs.). Sport, animals and society. New York: Routledge, 2014. p. 15-34.

BLANTON, H.F. Ethel Tweedie: Could her simple ride tear Victorian society apart? Disponível em: <https://ladiesindefi ance.com/2013/01/14/ Ethel-tweedie-could-her- simple-ride-tear-victorian-society-apart>.

BOGAN, L. Women. Disponível em: <https://www.poetryfoundation.org/poems-an- d-poets/poems/detail/43693)>.

Capítulo 8 – Mulheres, cavalos, vidas cruzadas: domadxs, domesticadxs, selvagens?

BORDO, S. Twilight zones: the hidden life of cultural images from Plato to O.J. Berkeley: University of California Press. 1999.

BROWNMILLER, S. Femininity. Walpole: Hunter Publishing, 1986.

BRUMBERG, J. Th e body project: an intimate history of American girls. New York:

Vintage. 1998.

BIRKE, L.; THOMPSON, K. (Un)stable relations: horses, humans and social agency (Routledge Human-Animal Studies Series) New York/London: Routledge, 2017. CHEVALIER, S. P. Popular horse stories and the invention of the contemporary human-horse relationship through an alter ego paradigm. Journal of Sports Science, v. 5, p. 119-137, 2017.Doi: 10.17265/2332-7839/2017.02.007.

DAVIS, D. L; MAURSTADT, A. Th e meaning of horses: biosocial encounters. London/

New York, 2016.

DE MELLO, M. Animals and society: an introduction to human-animal studies. New York: Columbia University Press, 2012.

DONOGHUE, D. Lady Godiva: a literary history of a legend. London: Wiley- Blackwell, 2002.

ELIAS, N.; DUNNING, E. Quest for excitement: sport and leisure in the civilising process. Collected Works of Norbert Elias (Book 7). Dublin: Univ College Dublin Press, 2009.

ESTES, C. P. Women who run with the wolves: myths and stories of the wild woman

archetype. New York: Ballentine Books, 1996.

FILHO, J.A.; MANOEL, L.S. História e ficção: desconstruindo as ‘Marias’ a partir das personagens Maria Bonita e Maria Moura. XIII Encontro da ABRALIC Internacionalização do Regional 10 a 12 de outubro UEPB/UFCG – Campina Grande, PB. 2012. Disponível em: <http://www.abralic.org.br/anais/arquiv- os/2012_1434243287.pdf>.

FORREST, S. If wishes were horses: a memoir of equine obsession. London: Atlantic Books, 2012.

HALBERSTAM, J. In a queer time and place: transgender bodies, subcultural lives. New York: New York University Press, 2005.

HALBERSTAM, J. Th e wild: the aesthetics of queer. Disponível em: <anarchy/https://

www.youtube.com/watch?v=ZDP4lcoZ9s4>.

HALBERSTAM, J Wildness, loss, death. Social Text, 121, Winter. 2014.

HODGSON, B. No place for a lady: tales of adventurous women travelers. Berkeley: Ten Speed Press, 2002.

JORDAN, T. Cowgirls: women of the american west. Lincoln, NE: Bison Books, 1992. KAPLAN, E. A. Women and film: both sides of the camera. London/New York: Routledge, 1991.

LISPECTOR, C. Seco estudo de cavalos. Disponível em: <https://www.revistaprosav- ersoearte.com/seco-estudo-de-cavalos-clarice-lispector/>.

138

Miriam Adelman

McEWEN, C. Jo’s girls: tomboy tales of high adventure, true grit and real life. Boston: Beacon, 1997.

MIDKIFF, M.D. She fl ies without wings: how horses touch a woman’s soul. New York: Dell. 2004.

MULVEY, L. Visual pleasure and narrative cinema. Film theory and criticism: intro- ductory readings. In: BRAUDY,L.; COHEN, M. (Orgs.). New York: Oxford UP, 1999. p. 833-844.

PIERSON, M.H. Dark horses and black beauties: animals, women, a passion. New York: W.W. Norton, 2001.

RAYMOND, C. Women photographers and feminist aesthetics. London/New York: Routledge, 2018.

RITVO, H. On the animal turn. Daedulus. Out. 2007, p. 118-122. SANT’ ANA, E. A cavalo, Anita Garibaldi! Porto Alegre: AGE, 1993. SERRANO, S. Mulheres viajantes. Lisboa: Tinto da China, 2014.

SIBILIA, P. Autenticidade e performance: a construção de si como personagem visível.

Revista Fronteiras – estudos midiáticos, v. 17, n. 3, p. 353-364 set./dez. 2015.

SINGLETON, E. Romancing the horse: adventure and femininity in juvenile equine fi ction for girls. In: ADELMAN, M.; KNIJNIK, J. (Orgs.). Gender and equestrian sport: riding around the world. Heidelberg: Springer, 2013. p. 91-110.

C A P Í T U L O

‘Nova’ política de produção da posição