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Considerações fi nais: desafi os para a construção de práticas equitativas no ensino de esportes

Este artigo problematizou o ensino de esportes coletivos às meninas na escola pública, tecendo refl exões sobre as relações de gênero que envol- vem a educação física escolar, a partir de três fi os condutores de sentidos coletados nas narrativas docentes: a participação nas aulas, a presença de uma estética esportiva e o posicionamento positivo docente diante do fazer esportivo das meninas na escola.

Nossas análises buscaram tecer refl exões sobre alguns elementos que enredam o ensino de esportes coletivos às meninas nas aulas, os quais con- fi guram enfrentamentos docentes e discentes cotidianos e urgentes para a construção de uma prática escolar da educação física equitativa, que consi- dere as meninas em suas necessidades de ensino.

A fi m de ensiná-las, docentes interagiram com as maneiras como suas alunas se apresentavam no cotidiano das aulas, e agiram oportunizando o estabelecimento de relações corporais pautadas pela efi cácia esportiva e não somente pela beleza enfatizada. A constituição dessa outra relação que envolvia corporalmente as meninas e os fazeres esportivos ocorria quando docentes lhes solicitavam: vestimentas confortáveis, a utilização de tênis para proteger seus pés quando em contato físico com colegas ou o com a bola, que não escorregassem na quadra, os cabelos presos, para obter respostas rápidas de movimento, a utilização de pouca ou nenhuma maquiagem por causa do suor, a necessidade de unhas mais curtas, uma gestualidade de enfrentamento diante dos desafi os dos jogos etc. Estas demandas tem po- tencial de estabelecer outras relações corporais e sociabilidades às meninas, as quais não se restringem somente ao corpo como algo a ser admirado, por sua beleza ou instrução. Proporcionam a elas experiências corporais por meio de sua potência, força, velocidade, agilidade, inteligência.

Capítulo 2 – A educação esportiva e gênero na escola pública: posicionamento docente positivo diante do fazer esportivo de meninas

Esse aprendizado tem no corpo o desafi o de constituí-lo como há- bil, e tem no agir esportivo uma experiência corporal que se distancia dos sentidos de uma feminilidade fragilizada. Assim as difi culdades de muitas meninas em aprender a gestualidade do drible, ou em agir nas cobranças de faltas e penalidades, de se antecipar e posicionar-se de maneira a receber ou interceptar um passe, é algo que não se aprende em práticas de gênero que posicionam mulheres num lugar de contenção das iniciativas, do gesto e do movimento. Ao ensinar esportes coletivos a elas, docentes podem proporcio- nar outras experiências com o corpo e de gênero na educação física escolar. São muitos os desafi os para ensiná-las, mesmo sendo o esporte um conteúdo bastante corriqueiro nas aulas. De qualquer maneira, a assunção desse outro lugar não hegemônico nas práticas de gênero signifi cou enfren- tamentos que subverteram o intrincado arranjo entre fazeres esportivos e relações de gênero nas aulas. Além do constante encorajamento para que as meninas realizassem os movimentos solicitados, tal postura demandou estímulos para elas investirem em seus aprendizados, oportunizando desven- cilhar-se de sentimentos de insegurança que por ventura se faziam presentes diante de suas possibilidades de bem realizar as gestualidades esportivas.

Cada contexto, cada turma de alunas e alunos expressará suas necessi- dades de ensino, e saber ler estas singularidades corporais, no que se refere às relações de gênero, constitui um trançado para que possamos seguir tecendo essa prática pedagógica de uma educação física humanitária, que preze pela participação e aprendizado de cada discente na escola.

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Simone Cecilia Fernandes - Helena Altmann

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