• Nenhum resultado encontrado

Estudos de gênero na educação física no Brasil

Seguindo tendência de outras áreas como História, Psicologia, Educação, Filosofi a, Sociologia e Literatura, a EF passou a refl etir sobre o Gênero, contestando o argumento que historicamente justifi cou desi- gualdades de ordem cultural entre os sexos, a partir de determinantes bio- lógicos, tanto para a inserção, quanto para a vivência nos diversos campos das práticas corporais: administração, treinamento, jornalismo, gestão e a prática em si.

Alavancados pelos Programas de Pós-Graduação (PPG) stricto sensu, os Estudos de Gênero na EF iniciam na década de 1980, com ênfase em pesquisas no âmbito da Educação Física escolar (EFe), com foco nos papéis e estereótipos de gênero e nos formatos das aulas de EF2. Tais pesquisas se

consolidam a partir da década de 1990, quando dissertações, teses, arti- gos e livros ampliam a discussão sobre o tema para além da EFe, debru- çando-se sobre tópicos como: História das Mulheres, Gestão Esportiva, Representações Sociais, Masculinidades, Mídia Esportiva, Olimpismo, entre outros articulados ao Gênero, promovendo a circulação de estudos no meio acadêmico da EF, até então à deriva de uma literatura própria sobre o tema.

Em levantamento realizado há quase uma década sobre os Estudos de Gênero na EF brasileira, Devide et al. (2011)3 concluíram que tais

produções se organizavam em três correntes: marxista, culturalista (LUZ JÚNIOR, 2003) e pós-estruturalista4; e abordavam temáticas como: coe-

ducação, estereótipos de gênero nas práticas corporais, mulheres na gestão esportiva, mecanismos de inclusão e exclusão na EF, História das Mulheres no esporte, representações sociais sobre gênero na mídia esportiva e identi- dades de gênero na EFe e no esporte. Tais pesquisas na EF se debruçavam predominantemente sobre questões que afetavam as mulheres, apresentando algumas lacunas teóricas (GOELLNER, 2015)5.

2 Naquele contexto, os estudos iniciais se debruçaram sobre a organização dxs alunxs por sexo, nos

formatos de aulas mistas e separadas por sexo. Posteriormente, também incluíram aulas coeducati- vas como possibilidade de superação dos formatos anteriores (LOUZADA DE JESUS; DEVIDE; VOTRE, 2008).

3 O referido levantamento iniciou-se em 2008, sendo publicado na Revista Motriz (DEVIDE et al,

2011).

4 Os Estudos de Gênero com esta abordagem recebem infl uências de teóricos como Foucault

(1987, 2011a, 2011b), Scott (1995, 2005), Butler (2003) e Louro (2001a, 2001b, 2004). Na EF, surgiram a partir do ano 2000, consolidando-se posteriormente.

5 Tais lacunas se referem, sobretudo, à confusão conceitual entre os termos ‘gênero’ e ‘sexo’; ao uso de

‘identidade de gênero’ e ‘identidade sexual’ como termos sinônimos; ao entendimento de que estudar mulheres era o mesmo que estudar gênero; além da redução dos estudos de gênero aos estereótipos

94

Fabiano Pries Devide

Naquele momento identifi cavam-se poucos livros sobre a temática na literatura da EF, a maioria com foco em estudos sobre Mulheres e publicados após o ano 20006; havia poucos Grupos de Pesquisa (GP) consolidados na

EF com linhas de pesquisa em Estudos de Gênero7, intelectuais pioneirxs

com doutoramento na área devido aos PPG Stricto Sensu em EF, com des- taque para as Instituições de Ensino Superior (IES) como UFRGS, USP, UFSC, Unimep e UGF, além de um número relevante de dissertações e teses8.

Refl etindo sobre estes dados, somados a estudos posteriores, como o de Sabatel et al (2016), nas bases de dados Lilacs e Scielo, entre 2004-2014; e o de Wenetz, Schwengber e Dornelles (2017), nos anais do CONBRACE e revistas com qualis Capes, entre 2001-2015; pode-se afi rmar que houve avanços relevantes nos Estudos de Gênero na EF no país, dos quais desta- camos: maior coerência conceitual da dimensão relacional do gênero9 e da

contestação da ordem linear sexo-gênero-desejo; consolidação da temática a partir de PPG stricto-sensu, aumento do número de eventos científi cos10

e GP11, conferindo visibilidade no campo da EF; surgimento de periódicos

com números específi cos para as temáticas do ‘Gênero’ e ‘Sexualidade’; surgimento de GTTs12; ampliação de pesquisas que utilizam a corrente

pós-estruturalista13; surgimento de temáticas emergentes, como Gênero

e Sexualidade, Identidades de gênero (com foco nas masculinidades) e Identidade Sexual (com foco na homossexualidade); pesquisas que utilizam a Teoria Queer14; novxs intelectuais com doutoramento na área ou produ-

6 Onze, dentre os quatorze livros identifi cados, apresentavam o foco em Estudos sobre Mulheres,

sendo seis coletâneas.

7 Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Disponível em <http://lattes.cnpq.br/web/dgp>.

Acesso em: 18 out. 2017.

8 Fonte: Nuteses. Disponível em: <http://www.nuteses.ufu.br>. Acesso em: 18 out. 2017.

9 Entre as obras com maior reconhecimento da dimensão relacional do gênero, destacamos:

ROMERO, PEREIRA (2008), KNIJNIK (2010), KNIJNIK e ZUZZI (2010), DORNELLES, WENETZ, SCHWENGBER (2014, 2017) e DEVIDE (2017).

10 Destacamos o Seminário ‘Fazendo Gênero’, realizado na UFSC; e o ‘CONBRACE’, organizado

pelo CBCE.

11 Em levantamento recente no Diretório de GP do CNPq, identifi camos oito GP na EF com termo

‘gênero’ no título ou com linhas de pesquisa em Estudos de Gênero; e seis GP de outras áreas, com linhas de pesquisa de Estudos de Gênero vinculadas à EF(Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. Disponível em <http://lattes.cnpq.br/web/dgp>. Acesso em: 18 out. 2017).

12 Em 2015, o CBCE criou o GTT Gênero na programação do CONBRACE.

13 Exemplo dessa produção é a obra organizada por DORNELLES, WENETZ, SCHWENGBER

(2017).

14 A Teoria Queer surgiu na década de 1990, no contexto norte-americano, com um grupo de inte-

lectuais que, sobre uma perspectiva pós-estruturalista, utiliza uma abordagem desconstrucionista das categorias consideradas estáveis, assim como dos binarismos, sobretudo o da hierarquia entre heterossexualidade/homossexualidade. A Teoria Queer considera o masculino e o feminino como interdependentes, fragmentados e plurais, ou seja, cada um contém o outro, carrega seus vestígios e coexiste. Permite pensar a ambiguidade, fl uidez e multiplicidade das identidades para além da

Capítulo 6 – Estudos de gênero na Educação Física brasileira: entre ameaças e avanços, na direção de uma pedagogia queer

zindo conhecimento sobre a temática e por fi m, expansão da publicação de livros na EF entre 1995 e 201715,dentre os quais destacamos dezenove obras

publicadas após o ano 200016, sendo treze coletâneas, com destaques para

autorxs ou organizadorxs com ao menos dois livros na área da EF17: Romero

(1995, 1997), Romero, Pereira (2008),Votre (1996, 2011), Knijnik (2003, 2010); Knijnik, Zuzzi (2010), Simões, Knijnik (2004), Simões (2003), Devide (2005, 2012, 2017), Souza, Mourão (2013), Mourão, Tavares (2016a, 2016b), Dornelles, Wenetz, Schwengber (2014, 2017).