• Nenhum resultado encontrado

Alguns modelos que buscam compreender aspectos da aprendizagem em museus

CONHECIMENTO E SOCIEDADE.

1.2. AVANÇOS NA PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO NOS MUSEUS: CAMINHOS PERCORRIDOS

1.2.1. Alguns modelos que buscam compreender aspectos da aprendizagem em museus

Talvez a perspectiva da aprendizagem em museus mais reconhecida seja o chamado Contextual Model of Learning (modelo contextual de aprendizagem), desenvolvido por Falk e Dierking (2000). Esse modelo reconhece que a aprendizagem se dá em três tipos de contextos que reúnem um conjunto de fatores que influenciam a aprendizagem nos museus, os quais estariam sobrepostos25. Assim, temos: o contexto pessoal, referente às motivações, expectativas, conhecimentos passados e crenças individuais; o contexto sociocultural, articulado tanto com a influência que recebe um indivíduo do grupo social do qual participa quanto com o papel que desempenha no mesmo; e, o contexto físico, que se refere ao ambiente físico do museu onde acontecem as interações. Além disso, o modelo reconhece que a variável tempo tem uma forte influência nos processos de aprendizagem, pois os contextos mudam com o decorrer do tempo.

Essa proposta emoldura-se na concepção de aprendizagem conhecida como Free Choice Learning (aprendizagem por livre escolha) (FALK; DIERKING, 2000; FALK; HEIMLICH; FOUTZ, 2009), que supõe que a experiência unida à aprendizagem é voluntária, não sequencial e altamente reativa àquilo que oferece o meio. Uma das pesquisas mais importantes que aborda essa perspectiva foi a realizada por Falk e Storksdieck (2005), no California Science Center em Los Angeles, EUA, pondo à prova o Modelo Contextual de Aprendizagem para compreender alguns fenômenos educativos em um museu interativo de ciência.

No entanto, ainda que essa proposta significasse uma importante contribuição para a compreensão dos fenômenos educativos em ambientes informais e não formais de aprendizagem como os museus de ciências e tecnologias, existem alguns pontos problemáticos na perspectiva de Falk e Dierking (2000). Principalmente porque esta assume a sociedade desde uma perspectiva funcionalista, na qual as instituições e membros trabalham conjuntamente para manter e reproduzir suas dinâmicas. Dessa maneira, como o assinala Hooper- Greenhill (2007), a análise esboçada por Falk e Dierking sugere que o propósito da aprendizagem é acomodar-se a uma pré-ordem social

25

No trabalho de Falk e Dierking (2000), são identificados oito fatores, mas em um trabalho posterior de Falk e Storksdieck (2005), são identificados doze fatores. A principal diferença encontra-se no contexto físico.

existente e, consequentemente, os indivíduos são vistos como partes de uma engrenagem que atua dentro de uma máquina social que funciona articuladamente. Isso põe em evidência os problemas que tem esta proposta para analisar processos de aprendizagem mediados pela multiculturalidade e as relações de saber-poder-ser inseridas em nossas sociedades pós-coloniais como o aponta o grupo modernidade- colonialidade latino-americano (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007).

Outro ponto assinalado por Hooper-Greenhill (2007) está relacionado à falta de discussão das especificidades que teria a aprendizagem em relação ao gênero e às diferenças sociais. Desse modo, tal modelo seria pouco útil para enfrentar os problemas apresentados por recentes trabalhos que identificam como o gênero está imbricado nas experiências desenvolvidas no museu(ALCALÁ, 2012; WÖHRER; HARRASSER, 2011). Ao mesmo tempo, ainda que Falk e Dierking (2000) reconhecem que os artefatos possuem um papel importante na transmissão da cultura, razão pela qual ajudam na construção de sentido sobre o mundo, desde seu Modelo Contextual de Aprendizagem, não consideram as tensões presentes nas narrativas inseridas nos artefatos/exposições do museu (HOOPER-GREENHILL, 2007).

Outro modelo é aquele proposto por George Hein (1998), o qual poderíamos denominar como um “Modelo prescritivo” porque, por meio dele, algumas das características da educação em museus poderiam ser percebidas. O modelo propõe articular as teorias da aprendizagem e as teorias do conhecimento para produzir uma experiência significativa no museu. A seguir, desenvolvo as dimensões propostas por Hein.

Em respeito à primeira, a teoria do conhecimento seria central para a construção de uma proposta educativa na medida em que se pergunta: o que é conhecer? E, como o conhecimento é produzido? Além de problematizar o status ontológico dos objetos/artefatos e conteúdos do museu. Nesse sentido, existiriam pelo menos duas posturas opostas sobre o papel das exposições tendo presente a orientação epistemológica: as exposições procurariam apresentar a realidade (fenômeno), tal como ela é? Ou pelo contrário, essas exposições proveem ferramentas para que o público a interprete e possa discutir suas opiniões com outros (intersubjetividade)?

Essas perguntas pelo conhecimento tem sido alvo de reflexão permanente na filosofia, bem como a indagação por: se o conhecimento encontra-se fora dos objetos, se está na mente dos sujeitos, ou se é uma mistura inseparável das duas situações anteriores. Posicionar-se de um lado ou do outro implica assumir como esse conhecimento é produzido e

como é compartilhado. Historicamente, no pensamento ocidental, existiram duas posições opostas sobre este questionamento (HEIN, 1998; HESSEN, 1979). De um lado, um grupo de perspectivas que afirmam que o mundo existe independente do sujeito que conhece, ou seja, as propriedades, relações e vínculos das coisas da realidade existem objetivamente, independente da nossa consciência. Do outro lado, o conhecimento estaria na mente dos sujeitos e não corresponde necessariamente a nada que se encontre fora na natureza, assim sendo, não há “leis da natureza” ou generalizações, exceto na mente das pessoas que inventam tais visões; portanto, quando se fala de um objeto real, na realidade fala-se da percepção do objeto. Essas duas perspectivas em relação à educação foram criticadas por noções educacionais que propunham visões híbridas entre estas duas posições epistemológicas. Segundo Paulo Freire (1977):

“Na verdade, não conduz a coisa alguma a educação que esteja fundada numa ou noutra destas formas de negar o homem. É preciso vê-la, portanto, em sua interação com a realidade, que ele sente, percebe e sobre a qual exerce uma prática transformadora.” (p.51).

Esses dois extremos, segundo Hein (1998), configuram uma linha reta em relação às diferentes teorias do conhecimento, cujos limites encontram-se, de um lado com um conhecimento independente do aprendiz, e do outro, um conhecimento construído pelos aprendizes tanto pessoal quanto socialmente. Ou seja, de um lado localizar-se-iam as tendências baseadas na descoberta, e do outro, as propostas construtivistas.

Em relação às teorias da aprendizagem, estas também poderiam organizar-se em um contínuo que vai desde uma noção de aprendizagem baseada na transmissão-absorção até uma aprendizagem que propõe uma participação ativa do aprendiz na reestruturação dos significados construídos na sua mente. No primeiro caso, os indivíduos aprendem por meio da informação que é transmitida para eles. Esse processo acontece devagar, sob uma didática expositiva apoiada por um mediador que tem uma grande quantidade de conhecimento, que teria como tarefa “encher” os visitantes do museu de conteúdo.

No segundo caso, os trabalhos empíricos relativamente recentes de Piaget e seus seguidores, os trabalhos desde uma perspectiva sociocultural de Vygosky e seus continuadores, os escritos de Dewey

nos Estados Unidos, as práticas e reflexões de Freinet na França, entre outros, enfatizam a ativa participação da mente na aprendizagem e reconhecem que a aprendizagem não é uma simples adição de informação. Assinalam, pelo contrário, que esta implica a transformação de esquemas mentais que envolvem uma participação ativa das pessoas que aprendem e que constroem significados sobre a realidade. Similar às teorias do conhecimento, as teorias educacionais poderiam ser representadas, segundo Hein (1998), por uma linha reta que descreveria um contínuo que conecta os dois extremos anteriormente assinalados.

As duas dimensões apresentadas poderiam ser representadas em um sistema ortogonal que configura quatro tipos diferentes de propostas educacionais nos museus, cada uma tomando posição em relação aos dois eixos descritos: epistemológico e aprendizagem. O diagrama é ilustrado na figura 3.

Figura 3 - Modelo das interelações entre concepções sobre conhecimento e aprendizagem (HEIN, 1998).

A proposta de Hein identifica que o construtivismo seria a orientação ideal para se desenvolverem as atividades educacionais no museu, nesse sentido, introduz o conceito de Museu Construtivista. Nessa linha de reflexão, ficariam algumas perguntas abertas, pois no modelo não está explicita a perspectiva educativa freireana. Assim, o

que implicaria assumir uma perspectiva progressista em um museu de ciência? E que envolvimentos haveria para a experiência dos públicos no museu?