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projetos Nesse sentido, esses comitês seriam os embriões dos grandes projetos curriculares nas áreas de ciências que

4.4. ATORES E POPULARIZAÇÕES

A partir da observação do percurso anterior, fica evidente que as relações entre política científica e PCT construíram-se historicamente, pois é possível identificar mudanças e permanências que cobrem um amplo espectro no qual se fala em promover a ciência e a tecnologia nacionais, procurando ganhar apoio público e social para o desenvolvimento desses conhecimentos, circunstância característica do primeiro período da PCT. Em seguida, propõe a democratização dos

conhecimentos científicos e tecnológicos e, consequentemente, associa- se à inclusão social. Enfim, chega à promoção de novas relações entre ciência-tecnologia-sociedade que tentam ressignificar a participação da cidadania, incluindo aqui uma reflexão que abarca desde uma interpretação da cidadania como ator não formado, até concepções que a assumem como um conglomerado de atores diversos, críticos, engajados na sua realidade e no meio local, interlocutores legítimos dos processos de produção de conhecimento.

Então, parece que existe uma superação da ideia clássica que supõe a PCT como uma relação entre especialistas, mediadores e leigos com o objetivo de comunicar, mostrar e informar. Portanto, isso significa levar os conhecimentos científicos e técnicos à sociedade toda (TAGÜEÑA; RÉGULES, 2003). Esta concepção reconhece a necessidade de um grupo de mediadores encarregado de “levar” conhecimentos a uma sociedade “inexperta”, sob o pressuposto de que a vida dos cidadãos é “empobrecida” pela falta dos conhecimentos científicos e tecnológicos. Da mesma maneira, existe uma noção implícita de que a ciência e a tecnologia intrinsecamente são benéficas e estão isentas de interesses políticos, econômicos, entre outros. Seguindo essa linha de envolvimento, uma maior exposição ao pensamento científico conduziria a sua maior aceitação e apoio.

Assim, se fizermos um rastreamento dos três atores que promoveram historicamente as práticas de PCT (comunidade científica, mediadores e Estado), encontramos elementos chave que marcam as dinâmicas da PCT até este momento (PÉREZ-BUSTOS et al., 2012). Dessa maneira, no caso dos especialistas (comunidade científica), este grupo desempenhou um papel importante na institucionalização da PCT, tanto pelo desenvolvimento de programas e a promoção de instituições dedicadas a estes temas68, quanto pela gestão financeira e política para conseguir sua inserção na política científica dos diferentes países da região. A maioria das iniciativas promovidas por este grupo de atores estiveram marcadas, inicialmente, por um modelo deficitário de comunicação (LOZANO, 2005), no qual o público é unicamente receptor do “conhecimento”, como assinalado anteriormente.

Em relação aos mediadores, verifica-se que o mesmo é um grupo relativamente recente, uma vez que seu posicionamento consolida-se graças à diversificação de estratégias e o surgimento exponencial de

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Como exemplo disso, estão, entre outros: Maloka em Bogotá-Colômbia que foi promovida pela ACAC, e no Brasil a EXPOTEC articulada com a reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

museus para a segunda etapa descrita da PCT. Pouco a pouco, identifica a necessidade de profissionalizar seu trabalho69 e, inclusive, criam organizações como aconteceu no México com a Sociedade Mexicana para a Divulgação da Ciência e a Técnica (SOMEDICYT) criada em 1986. Contudo, isto não significou na prática a materialização de um discurso que promovesse a participação, pois várias das atividades desenvolvidas por estes mediadores em museus seguem orientadas por um modelo deficitário de comunicação (PEREZ-BUSTOS, 2009; NAVAS, 2008; DAZA; ARBOLEDA, 2007).

Fechando esse triângulo, estaria o Estado, que atua por meio dos MCT e CONACYT desempenhando um papel normativo por meio das políticas que orientam, regulam e apoiam as iniciativas de PCT. No entanto, somado à participação explícita está sua atuação implícita por meio do desenvolvimento de exposições e inclusive a construção de museus para socializar e comunicar atividades realizadas por entidades governamentais, como é o caso da Exhibición Monetaria Interactiva do Banco da República da Colômbia em Bogotá ou a exibição Viaje a la Antártida no museu Espacio Ciencia no Uruguai patrocinada pelo Instituto Antártico Uruguaio pertencente ao Ministério de Defesa desse país.

Seguindo a descrição anterior, as questões que surgem são: qual seria o papel de outros atores como a sociedade civil nesses processos de PCT? E, consequentemente, seria possível que outros atores tradicionalmente não reconhecidos pelos sistemas nacionais de ciência e tecnologia desenvolvessem práticas de PCT? Essas perguntas permitiriam identificar os matizes que teriam os processos de PCT dependendo do ator que o promovesse, pois este configura diferentes relações de poder entre os sujeitos e os conhecimentos que circulam (científicos, tradicionais, produto da prática, étnicos, etc.). Nesse caminho de reflexão, se reconhecemos a sociedade civil como um grupo que potencialmente poderia mobilizar-se, informar-se e interessar-se pelas dinâmicas que envolvem conhecimentos científicos e técnicos, poderíamos identificar processos de apropriação social da ciência que foram invisibilizados pelas dinâmicas estabilizadas de PCT do triângulo formado por especialistas, mediadores e Estado.

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Em 2011, celebrou-se na cidade de Campinas-Brasil a XII Reunião de Popularização da Ciência e a Tecnologia da América Latina e do Caribe REDPOP. O tema central da reunião foi: “Profissionalização do trabalho de divulgação científica”.

Este olhar também se aplicaria para o grupo de empresários, o qual cada vez mais se apresenta como protagonista destes processos. De fato, uma recente pesquisa desenvolvida na Colômbia identificou, além dos três atores tradicionais (especialistas, mediadores, e estado), a empresa privada e a sociedade civil como atores promotores de processos de PCT (PÉREZ-BUSTOS et al, 2012). Se olharmos os grupos da empresa privada e da sociedade nessa perspectiva, verificamos que:

• A empresa privada é um ator que timidamente veio abrindo espaço, mas cada vez é mais visível sua presença e necessidade devido aos problemas econômicos que têm alguns espaços dedicados à PCT por causa da impossibilidade de autofinanciamento com as entradas do público e os recursos governamentais (abordo essa situação no capítulo VII). Sua aparição e posicionamento correspondem à etapa final da PCT articulam-se com as promovidas políticas da inovação e a chamada responsabilidade social empresarial. Esse apoio da empresa significa para os espaços de PCT, especialmente museus, a realização de materiais e exposições direcionadas, em muitos casos, aos futuros clientes alvo de tais empresas, como acontece no Papalote Museo de los niños no México, onde a WalMart tem um minimercado para crianças, no Centro Interativo Maloka em Bogotá onde a empresa Gás Natural S.A. E. S. P. tem um espaço sobre energia, ou no museu Espacio Ciencia no Uruguai onde a empresa Nestlé tem uma exposição sobre nutrição (FRANCO- AVELLANEDA; VON LINSINGEN, 2011). Esse ator evidencia os múltiplos sentidos (interesses) que teria a PCT, bem como a sua não neutralidade, embora muitas vezes seja apresentada como boa e inevitavelmente benéfica. Esta situação parece corroborar as críticas de vários autores (BAZIN, 1997; FAYARD, 1999; MICHAEL, 1998) que identificam que muitos desses espaços de PCT estão mais próximos do consumo do que da educação.

• No que diz respeito à sociedade civil, esta foi reconhecida tradicionalmente como beneficiária da PCT, às vezes como “menor de idade”, a qual era preciso educar para que pudesse participar e exercer a cidadania, ao passo que em outros casos era considerada receptora passiva dos benefícios da ciência e da tecnologia. Não obstante, existem iniciativas que, sem contar com

a presença de “especialistas” ou “mediadores”, desenvolvem atividades de PCT na medida em que uma comunidade informa- se, educa e mobiliza-se frente a uma situação que tem implicações técnicas e científicas. Exemplo disso é a Red Juvenil Território Sur na Colômbia, a qual está configurada por um grupo de jovens organizados com o objetivo de transformar e promover políticas que enfrentem as causas da deterioração ambiental na bacia do rio Tunjuelito, um dos principais rios de Bogotá (SÁNCHEZ; VÉLEZ, 2010).

Estas dinâmicas ajudariam no entendimento de uma nova noção de apropriação social da ciência, mais próxima das relações dialógico- transformadoras propostas por Freire (1977, 2005), pois tal apropriação implicaria trocar, combinar e/ou pôr em diálogo diferentes tipos de conhecimentos, dos quais a ciência e a tecnologia constituem uma parte fundamental do feixe de possibilidades, mas não sua totalidade, com o objetivo de incidir sobre um problema do entorno. Essa circunstância reconfigura as dinâmicas de negociação entre sujeitos com conhecimentos e saberes científicos e não científicos. Este novo olhar explicita a articulação entre PCT e educação, na medida em que localiza a dimensão do sujeito como elemento central e reconhece que está em jogo a construção de subjetividades. Nessa direção, compreendo que a prática educativa não está restrita à escola, pelo contrário, ela acontece em interações educativas tanto formais quanto informais e não formais e, desse modo, depende de relações de negociação entre indivíduos e seu meio, as quais se situam e inscrevem em um lugar, uma cultura e uma sociedade específicas.

Então, o educativo estaria articulado à compreensão de uma ciência e uma tecnologia que ultrapassa os conceitos disciplinares, procurando problematizar as relações de ordem social, cultural e política que se configuram em uma sociedade e situação localizadas. Ou seja, o educativo implica tanto um reconhecimento do sujeito e seu ambiente quanto seu potencial de reflexividade. No entanto, identifico que esta é uma perspectiva desejável, mas que não corresponde às ações que desenvolvem algumas propostas de PCT (MICHAEL, 1998; BAZIN, 1997; PERÉZ-BUSTOS, 2010).

4.5. REPENSAR AS RELAÇÕES ENTRE POLÍTICA CIENTÍFICA E