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Muito além das estratégias de sobrevivência e subsistência A partir da descrição feita até aqui do MCJ, e em particular do

projetos Nesse sentido, esses comitês seriam os embriões dos grandes projetos curriculares nas áreas de ciências que

5. MUSEO DE LA CIENCIA Y EL JUEGO: EMPREENDER A

5.2. OS SUJEITOS QUE ESTÃO POR TRÁS DO MUSEU: O LUGAR DE ENUNCIAÇÃO

5.4.3. Muito além das estratégias de sobrevivência e subsistência A partir da descrição feita até aqui do MCJ, e em particular do

projeto da sala de aula móvel, identifico três dinâmicas nas quais a resistência-transformação estaria configurando-se e que operam tanto no conjunto do MCJ quanto no caso específico da mala de astronomia. Assim:

a. Visibilizar a mensagem – o museu tem configurado uma série de ferramentas que lhe permitem ser um dos protagonistas do discurso público sobre Apropriação Social da Ciência e da Tecnologia (ASCyT)106 e, especificamente, em relação aos museus de ciências e tecnologias. Mesmo que não tenha os recursos nem as relações políticas que outros cenários têm no contexto colombiano, o MCJ tem editado, desde 1998, a revista Museolúdica na qual periodicamente publica suas reflexões e atividades107. Assim, o MCJ conseguiu circular ideias e marcar posições, no contexto colombiano e latino-americano, sobre o papel da PCT (BETANCOURT, 2004), o entendimento do museu a partir da comunicação (BETANCOURT, 2001), o papel dos museus na

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Na Colômbia, usa-se o termo ASCyT para se referir às atividades de PCT. No capítulo VII, abordo a origem desse termo.

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Pelo menos uma vez por ano, o MCJ lança um número impresso da revista, mas também é possível acessar o mesmo no site do museu ( <http://www.cienciayjuego.com/jhome/>).

inclusão social(BETANCOURT, 2009), entre outras temáticas abordadas nessa revista. Além disso, a revista tem sido uma poderosa ferramenta de sistematização das atividades que o museu desenvolve a cada ano, como, por exemplo, no número 22-23, editado em 2009, no qual é possível encontrar a informação mais relevante sobre a sala de aula móvel de astronomia. Por isso, alguns críticos argumentam que esta é uma revista endógena que está longe de ser uma revista acadêmica, embora seja avaliada por uma universidade (Entrevista Paris, Bogotá, Janeiro de 2012).

Além da revista, e no caso específico do projeto de astronomia, o museu aproveitou seu site para mostrar o percurso da sala de aula, as atividades, os componentes da mala, as notas jornalísticas publicadas sobre o projeto e as apresentações do MCJ em eventos, tais como as reuniões da Rede-POP(BETANCOURT et al., 2009, 2011). Essa estratégia de visibilizar a mensagem diferencia esse pequeno museu de cenários como Maloka em Bogotá e Explora em Medellín, pois, ao contrário destas instituições que usam principalmente o site para publicidade, o MCJ o usa para a circulação de ideias e reflexões, bem como ferramenta de sistematização das suas atividades.

b. Configurar-se como um coletivo – No marco do projeto Re- Creo na década de 1990, o MCJ começou a construção de pequenos museus108, os quais eram compostos por um conjunto de aparelhos interativos que eram réplicas dos desenvolvidos pelo MCJ para serem usados na sua sala de exposições. Os mesmos versavam sobre temas, tais como ótica, mecânica, fluidos. Para a instalação desses museus, foi necessário negociar com governos locais, identificar interlocutores locais e conseguir espaços para o funcionamento desses cenários, além de articularem-se outros aspectos socioculturais (por exemplo, articulação museu-escola) e econômicos (salários para empregados, manutenção, publicidade, etc.), os quais estavam relacionados ao funcionamento de um museu. Como essas articulações eram contingentes, as mesmas quebraram-se devido à mudança do governo, surgimento de outras prioridades, troca de servidores públicos, etc. Em consequência disso, os pequenos museus tiveram que enfrentar novamente processos de negociação para obter recursos econômicos, espaço físico, etc. Tal situação era difícil para os novos museus tanto

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O MCJ recebeu o prêmio da Rede POP-UNESCO em 1997 por este programa de pequenos museus.

pela pouca experiência na gestão política e econômica quanto pela diversidade de interesses que existem na administração pública, razão pela qual, em alguns casos, estes cenários quase desapareceram ou se converteram em espaços temporários sustentados por grandes esforços individuais (PÉREZ-BUSTOS, 2010).

Dadas estas circunstâncias, a estratégia configurada no MCJ para enfrentar essas problemáticas, os quais ele mesmo sofria, consistiu em se organizar como um coletivo e não como um ente individual. Deste modo, nasceu a Rede Liliput de pequenos museus, que procurava estreitar laços de ação, cooperação e solidariedade, entre seus diferentes membros, com o objetivo de fortalecê-los individual e coletivamente, de tal forma que pudessem realizar atividades, projetos e programas em áreas de interesse mútuo. Essa estratégia permitiria que os museus atuassem como coletivo para a gestão de recursos, realização de práticas de PCT, e processos de formação, além de facilitar a inclusão dos membros da rede nos projetos realizados pelo MCJ e vice-versa. Assim, por exemplo, as Malas do Museu e a revista Museolúdica têm entre seus principais destinatários a Rede Liliput de Pequenos Museus.

De fato, as malas serviram, desde seu surgimento, para levar novos materiais à rede de pequenos museus contribuindo significativamente nas dinâmicas desses cenários, mas, ao mesmo tempo, estes se converteram em locais de distribuição nas suas áreas de influência, melhorando amplamente a cobertura e o reconhecimento do programa. Em relação a esta compreensão de coletivo, as malas configuraram uma rede de confiança, pois são emprestadas sob quase nenhuma condição, a não ser os seguintes requisitos: enviar uma solicitação escrita ao MCJ manifestando seu desejo de ter a mala e as possíveis datas de uso, pagar o custo de envio da mala (aproximadamente $50 USD), diligenciar pelo menos cinco avaliações, e enviar pelo correio eletrônico fotos e vídeos da experiência. Na sala de aula móvel, este processo de empréstimo foi amplamente divulgado e, por conseguinte, muitas escolas e organizações sociais tornaram-se usuárias dessa infraestrutura.

Outra ação empreendida pelo MCJ para configurar redes de apoio e reflexão, ainda que não tenha relação direta com o projeto das malas, evidência a busca permanente de interlocução com o coletivo de popularizadores da região. Este é o caso da publicação mensal chamada o Correio dos Chasquis, que nasceu articulada com a coordenação do professor Betancourt entre anos 2011 e 2013 do Nodo Andes da REDE- POP, do qual fazem parte a Bolívia, a Colômbia, o Equador, o Peru, e a

Venezuela. Essa publicação virtual editada pelo MCJ contém notícias, atividades, reflexões, referências e eventos relacionados a temas de interesse para os membros do nodo e toda a América Latina, etc. Nesse sentido, a estratégia orienta-se em direção à construção de redes de interlocução e apoio para as atividades realizadas pelas instituições participantes. Exemplo disso são as atividades realizadas no Equador e na Venezuela com as Malas do Museu.

c. Design e construção em coerência com as apostas do museu – Este aspecto vem se configurando como identidade do museu e representa uma estratégia que se articula coerentemente com as apostas de inclusão e com as restrições de recursos e infraestrutura que o MCJ tem. Desse modo, como já dito anteriormente, o denominado design de Caixa Branca orienta o processo de construção sob as premissas de transparência, fácil exploração visual, intuição de formas de uso e familiaridade com o cotidiano das pessoas. Além dessas características, existe um conjunto de posicionamentos que sustentam o acionar do museu em termos de design e construção, quais sejam:

• Projetar e construir objetos dignos de uso, os quais usam materiais de fácil consecução e processos de fabricação simples para permitir a sua réplica e baixo preço. Isso é evidente na mala de astronomia tanto por seu custo, aproximadamente USD$ 2500, quanto pelas técnicas usadas para a sua fabricação (metal- mecânica e carpintaria).

• Aproveitar ao máximo os recursos e conhecimentos atingidos pelo MCJ. O museu re-contextualiza permanentemente designs anteriores e com isso consegue diminuir tempo tanto no design- construção quanto no teste de protótipos. Na mala de astronomia, por exemplo, menos de 50% dos aparelhos são designs novos. Essa estratégia também significa um processo de acumulação (conhecimento, experiências de uso, estratégias de fabricação etc.), baseado na repetição-reflexão, o qual terminaria qualificando os aparelhos. No entanto, nessa qualificação parecem pouco importantes as articulações entre públicos, temáticas, e contextos.

•Finalmente, há o design coletivo. A equipe de conceitualização e design é composta por todos os profissionais do museu

independentemente das formações e experiências. Essa premissa do museu lhe tem permitido incorporar e formar rapidamente novos integrantes da equipe, situação que tem gerado uma frequente mobilidade da equipe. Além disso, tal proposta de conceitualização tem facilitado ao MCJ a não especialização, pois ainda que existam perfis, tarefas e atividades diversas, estas só se dividem no processo de construção e implementação. Essa não especialização também permite uma maior coerência conceitual entre o planejado e o realizado, e, portanto, assegura-lhe um controle coletivo das práticas.

Em consequência, argumento que essas dinâmicas antes assinaladas constituem-se em substrato para futuras práticas explícitas de resistência-transformação (pelo aumento de consciência), que permitem o surgimento e/ou fortalecimento de práticas alternativas de PCT. Então, essas dinâmicas seriam processos de reflexividade em função de enfrentar situações-problema que, no caso do MCJ, tem relação com recursos, infraestrutura, capital político, entre outros, razão pela qual, existiria um aumento de consciência e, consequentemente, implicaria a configuração de estratégias para superar as situações- problema. Isso significaria atingir entendimentos sobre o contexto, as práticas e os processos além da subsistência (FREIRE, 2005, 2011). Desse modo, as dinâmicas se situariam e obedeceriam a características específicas do cenário e seu contexto, e seriam o resultado de exercícios permanentes de decodificação-reflexão sobre a realidade específica na qual o museu está inserido.