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Reflexões que procuram compreender as articulações entre museus e escolas

CONHECIMENTO E SOCIEDADE.

1.2. AVANÇOS NA PESQUISA SOBRE EDUCAÇÃO NOS MUSEUS: CAMINHOS PERCORRIDOS

1.2.3. Reflexões que procuram compreender as articulações entre museus e escolas

Um dos modelos mais conhecidos no campo da educação em museus, em particular na relação museu-escola, foi proposto pelo Grupo de Pesquisa sobre a Educação e os Museus (GREM) da universidade de Quebec no Canadá. A proposta do GREM inspirou-se no modelo sistêmico da relação pedagógica formulado por Renald Lagedre (ALLARD, BOUCHER ; FOREST, 1994; ALLARD et al., 1995), que está constituído por quatro elementos (o sujeito, o objeto, o meio, e o agente) e três relações pedagógicas (a relação didática, a relação de ensino e a relação de aprendizagem). A partir desse modelo, o GREM propôs uma série de ajustes para conceitualizar as situações pedagógicas características do espaço do museu que estariam mediadas pelo encontro com a escola. Assim, foram propostos três elementos e três relações que se desenvolvem no entorno do museu.

O aluno (visitante) seria o catalisador das relações existentes no museu, pois se constitui como o alvo das ações educativas do cenário. O Interventor (educador) corresponde aos membros do pessoal do museu que intervêm em função do público do museu antes, durante e depois da visita. A temática diz respeito aos aparelhos e aos conteúdos presentes no museu. Ora, sobre as relações presentes, a relação de suporte estaria definida pela ligação entre o agente de educação e o aluno (visitante), e, teria como propósito mais do que provocar a aprendizagem desenvolver a experiência do visitante. A relação de apropriação configurar-se-ia entre o aluno (visitante) e a temática, a qual implicaria dinâmicas de apropriação das temáticas de forma intelectual, afetiva, estética, ou social. Finalmente, a relação de transposição define-se como a adaptação que faz o educador para o (aluno) visitante, do conteúdo proposto pela exposição, esse conceito foi tomado de Chevallard (2005) e permitiria melhorar os processos de transformação de saberes no interior do museu. A figura 4 permite uma visualização do modelo.

Figura 4 - Modelo adaptado do GREM, que representa a situação pedagógica no museu(ALLARD et al., 1995).

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Uma das principais contribuições do modelo proposto pelo GREM talvez seja que ele permita um marco para a elaboração de estratégias pedagógicas específicas no ambiente museal. No entanto, sua simplicidade deixa de fora alguns aspectos importantes; este é o caso das relações do museu com outro tipo de agentes externos como entidades governamentais e empresas financiadoras, bem como dinâmicas de negociação mediadas pelos interesses de atores tanto internos como externos, que terminam configurando a dimensão educativa do museu. Tendo por base o modelo do GREM e reconhecendo algumas das debilidades assinaladas, Marandino (2005, 2012) propôs um modelo para o estudo das relações pedagógicas em museus de ciências e tecnologias que tenta caracterizar o processo de transposição didática/museográfica no interior da instituição museu. Esse modelo identifica que o discurso expositivo estaria configurado por uma variedade de saberes dependentes dos agentes que intervêm no design/construção da exposição/aparelhos, por isso, Marandino reconhece que, na elaboração das exposições do museu, os saberes passam por processos de transposição. Na figura 5, representa-se o modelo proposto por Marandino (2005, 2012).

Figura 5 - Modelo para o estudo das relações pedagógicas em museus de ciência.

Tal proposta identifica a presença de uma variedade de saberes e a configuração de um jogo de poder que determina as vozes que serão dominantes no discurso expositivo final. Porém, a noção de conhecimento científico-tecnológico parece associada a um conhecimento estabilizado (caixa preta)(LATOUR, 1987), por isso manteria a denominação do saber sábio proposto pela didática das matemáticas. Também, as decisões sobre as temáticas dependeriam exclusivamente dos atores internos do museu e eventualmente das instituições financiadoras (principalmente do Estado e da empresa privada), razão pela qual a participação dos públicos parece restrita principalmente ao uso do museu.

O panorama anterior evidência que existe um conjunto de perspectivas estruturadas, as quais se encontram em discussão e contínua reestruturação por conta de uma área de pesquisa que, como assinalei, ainda está em construção e fortalecimento. Essas dinâmicas permitem que sejam identificados alguns pontos de interesse para o presente trabalho, que explicito sucintamente a seguir.

Inicialmente há um ponto tem relação com o papel que desempenham os aparelhos no contexto do museu e a superficialidade na qual se pode cair se estes são analisados sob os mesmos parâmetros usados na escola, pois uma coisa é usar “objetos/exposições” no contexto de uma proposta didática maior, que envolve um professor e um ambiente controlado, e outra coisa são as iniciativas que responsabilizam as exposições da totalidade, ou pelo menos da maior

parte de uma proposta pedagógica, como acontece geralmente nos museus. Então, se compreendemos esse cenário como uma relação entre aparelhos e público (binômio que se põe em jogo no museu), seria explícita a função que cumpre a exposição como organizadora do espaço onde acontece esse encontro. Por isso, existe uma articulação entre conteúdo e espaço que obriga o visitante a seguir um percurso para apropriar uma mensagem.

É por isso que uma exposição é produtora de mediações sociais e configura relações de poder. Não obstante, não existe uma única mensagem nos aparelhos interativos: existem várias mensagens pela quantidade de atores envolvidos. Porque, de um lado, há resistências dos públicos que transgridem os roteiros predefinidos (quebram ou usam de maneiras diversas os aparelhos, seguem percursos diferentes, ultrapassam barreiras, etc.). E, de outro lado, as ideias a serem comunicadas pela equipe de designers, educadores e cientistas, que desenvolvem as exposições, estariam submetidas à flexibilidade interpretativa (dentro e fora do cenário). Assim, existiriam várias noções de funcionamento do museu e diferentes entendimentos sobre o que é ciência e tecnologia e o papel desses conhecimentos em um imaginário de sociedade. Por isso, derivam-se um conjunto de relações epistemológicas, políticas, culturais e educativas os quais, de acordo com o que apresento nesta tese, encontram-se inseridas em uma exposição interativa.

Finalmente, há um ponto que se faz explícito em relação aos espaços informais e não formais de educação por conta da crescente necessidade de adaptar seus objetivos educativos e sociais às dinâmicas do meio, situação que implica posicionar as diferenças e as possibilidades de complementaridade com a escola. Neste caminho, seguindo a crítica de Resnick (2004) o uso de palavras tais como “edutainment” (educação-entretenimento) para se referir à dinâmica que acontece nos museus implicaria uma distorção da ideia de educação e de aprendizagem, como se esta fosse um amargo remédio que precisa “[...] adoçar-se com entretenimento para que seja palatável” (p. 1, tradução livre do autor).

Por essa razão, seria necessário discutir as ideias crescentes que argumentam que 95% do conhecimento em ciências são aprendidos fora da escola, fazendo uma apologia ao poder que teriam os cenários informais de educação como os museus (FALK ; DIERKING, 2010). Ainda que esta ideia possa ser válida em outros contextos, deveria se problematizar e se situar antes de assumir-se como ideia “universal”, pois, em nossas realidades, muitos museus existem porque existe a

escola. E ainda que a escola tenha problemas sérios, esta segue sendo uma esperança para atingir-se a equidade em nossas sociedades, as quais não têm conseguido superar as diferenças e iniquidades no acesso ao conhecimento.

1.3. É ISSO, PORÉM NÃO SÓ ISSO: CONSIDERAÇÕES FINAIS DO