• Nenhum resultado encontrado

ARTICULAÇÕES COM A PESQUISA: A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

CONHECIMENTO E SOCIEDADE.

2. PERSPECTIVAS TEÓRICAS PARA ANALISAR OS MUSEUS DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIAS

2.4. ARTICULAÇÕES COM A PESQUISA: A TÍTULO DE CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

A pergunta que surge após o percurso apresentado anteriormente é: Como podemos usar as reflexões discutidas até aqui para analisar os museus? A resposta pode ser abordada em dois níveis. Um primeiro nível está relacionado às decisões sobre o objeto de pesquisa. Isto é, quais cenários pesquisar? E por quê? Um segundo nível estaria relacionado com decorrências metodológicas sobre a pesquisa, em especial, a necessidade de se evidenciarem componentes invisíveis no funcionamento do museu e se identificarem elementos que caracterizariam os museus como cenários situados, embora vários deles copiassem exposições e modelos institucionais de outros museus em países centrais.

No que diz respeito ao primeiro nível, a escolha do objeto de pesquisa, como assinalei na introdução, existe uma classificação em relação ao tamanho dos museus de ciências e tecnologias que os divide em grandes, medianos e pequenos. Essas características que parecem estar associadas aos orçamentos disponíveis para inversão e manutenção também diferenciariam o tipo de exposições, os edifícios e os aparelhos presentes nas salas dos museus. Dessa maneira, os grandes museus são

40

Haraway (1991) argumenta que a objetividade da ciência ocidental – moderna e sua suposta universalidade constituem um “truque divino”, pois é o ponto a partir do qual o Homem/Branco/Deus coloca-se para apropriar e ordenar as diferenças.

muito mais visíveis tanto para os públicos quanto para as instituições públicas e privadas; dessa forma, por exemplo, na Colômbia, entre 1990 e 2004, o Centro Interativo Maloka recebeu 93% dos recursos destinados por Colciencias a museus de ciências e tecnologias (DAZA et al., 2006). No caso do Brasil, o Museu de Ciência e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), em Porto Alegre, em 1993, ganhou as instalações atuais (17,500m2) com apoio do Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PDCT) do Ministério de Ciência e Tecnologia41 e a Fundação VITAE42. De tal modo, com o surgimento desses grandes cenários, parecesse que os pequenos museus perdem visibilidade e, contraditoriamente, quando começou a existir mais estímulo, quase fecharam (na década de 1990 no Brasil e na década de 2000 na Colômbia)43.

Essas circunstâncias colocariam os pequenos fora do “boom” das últimas três décadas dominado pelos Science Center e os grandes museus de ciências e tecnologias que se disseminaram pelo mundo a partir da década de 1980 (BEETLESTONE et al., 1998; CURY; BARRETTO, 2000), embora esses pequenos cenários fossem pioneiros dessa tendência de museus, pelo menos no caso do Brasil e da Colômbia. Em consequência, os pequenos ficaram deslocados simbolicamente para a periferia (margem); talvez por isso, os atuais pesquisadores da área saibam muito pouco sobre os mesmos. Nesse sentido, seguindo a proposta feminista, interessa-me compreender as dinâmicas de PCT que se configuram a partir da fronteira (limite), pois desde lá o “boom” teria outra leitura e quiçá estejam configurando-se dinâmicas mais situadas e coerentes com nossa realidade. Porém, isso não significa deixar de lado os grandes museus; muito pelo contrário, implica compreender tal complicação como situação-problema

41

Além do museu da PUCRS, entre 1998 e 1999, receberam financiamento do PADCT o Espaço Ciência em Pernambuco, o Museu da Vida da FIOCRUZ e o Museu do Universo da Fundação Planetário, ambos no Rio de Janeiro.

42

De 1990 até 2000, somando-se todos os projetos, foram investidos pela VITAE aproximadamente US$ 6.500.000 em 22 instituições (CURY; BARRETTO, 2000). Desse investimento, o museu da PUCRS recebeu cerca do 50%: “Em 30 de outubro de 1995, VITAE, através do termo de compromisso TC-036/95, assinado pelas autoridades Hélcio Ulhôa Saraiva, seu representante, e Norberto Francisco Rauch, representando a PUCRS, remete ao Museu os valores de R$ 641.301 e US$ 2.247.328” (BERTOLETTI et al., 2006, p.11). 43

Situação que viveram o Espaço Ciência Viva, no Brasil, e o Museo de la ciencia y el Juego, na Colômbia.

constituída de várias partes que precisam ser miradas e ad- miradas44(FREIRE, 2011).

Em respeito ao segundo nível de implicações metodológicas, seguindo a proposta do EST, o funcionamento do museu seria contingente por conta das permanentes articulações e adaptações que o museu estabelece com o entorno, pois dependeria de redes alinhadas de tecnologia (edifício, fornecimento de energia, etc.), seres humanos (equipe de manutenção, mediadores das salas, equipe de marketing, etc.) e instituições sociais (entidades de fomento, clientes, universidades, escolas, etc.). Isso evidencia a necessidade de se compreenderem e analisarem as condições que permitem o surgimento do museu e seu funcionamento. Ou seja, quais são as histórias, atores, interesses, etc. que permitem a construção desses cenários e depois sua utilização. Situação que, em termos da dimensão educativa, implicaria compreender como se articulam componentes heterogêneos com a intenção de enfrentar uma complicação educativa.

Ora, como foi assinalado pela crítica feminista, nas práticas cotidianas de uso, os exposições/aparelhos podem mudar tanto em si quanto em suas relações, mas se naturalizam esses múltiplos atos situados na esfera do cotidiano, que vão ser necessários para o funcionamento desses dispositivos (SUCHMAN, 2009). Portanto, seriam invisíveis, pois não são reconhecidos como parte do processo de realização ou constitutivo dos resultados obtidos. De tal modo, as circunstâncias assinaladas anteriormente teriam inseridos componentes invisíveis a serem identificados e analisados como parte essencial das condições de possibilidade que permitem o funcionamento dos museus. Além do mais, isso implicaria reconhecer práticas que não são reconhecidas como constitutivas do processo de realização de exposições, tais como o marketing, a manutenção de aparelhos e a mediação.

Ainda nas implicações metodológicas, seguindo a crítica feminista, os EST e a perspectiva educativa freirena, seria possível entender a dimensão educativa dos museus, e poderíamos dizer das exposições, pois esta não seria um acessório colocado quando a exposição/museu está terminada, pelo contrario a dimensão educativa é configurada no mesmo processo de construção da exposição/museu, o

44

Para Freire (2011), o processo de descodificação implica dois momentos: o primeiro consiste em mirar a codificação da realidade (contradição). No segundo momento, ela é admirada, procurando-se descodificá-la, isto é, tomar a realidade como campo de ação e reflexão.

que significa que a mesma está sociocultural, econômica, politicamente situada. Isso significa que os aparatos e o museu deveriam ser compreendidos do ponto de vista a partir do qual foram construídos, situação que nos ajudaria a problematizar pelo menos três pontos de interesse educativo.

Um primeiro ponto estaria relacionado à mediação que configura o objeto interativo/processo como catalisador de uma relação aparentemente neutra entre um “usuário” e uma “informação” (fenômeno), sem reconhecer, em muitos casos, que isso está atravessado por dinâmicas socioculturais, econômicas e políticas, todas elas marcadas pelas dinâmicas de exclusão como a classe (por exemplo: Quem tem acesso ao museu? Qual é a relação das temáticas do museu com a comunidade onde está inserido este cenário?).

Há um segundo componente ideológico a partir do qual se promulgam ideias sobre o que é bom em termos científico-tecnológico, o que deve ser a ciência e a tecnologia, e o que seria possível atingir com esses conhecimentos a partir de um imaginário de sociedade (THERBORN, 1987). Nessa perspectiva, assumem-se temáticas, públicos alvo e estratégias de interação de um público ideal do museu. A partir daqui, surgiriam perguntas do tipo: qual é o papel que cumpre o museu na sociedade? Qual ciência e tecnologia têm espaço no museu?

E, finalmente, um componente geralmente invisível, de conscientização/reflexividade que permitiria dar conta da capacidade que têm os sujeitos de compreender e se posicionar em relação ao aparelho/processo, configurando dinâmicas de conscientização que ocorrem tanto no interior como no exterior do cenário com o objetivo de transformar a realidade (FREIRE, 2005; FRANCO-AVELLANEDA; PÉREZ-BUSTOS, 2010).

Enfim, as implicações abordadas anteriormente nos permitiriam articular, por um lado, as análises estruturais com a ajuda dos EST (as dinâmicas do problema-solução animadas pelos grupos relevantes) e nos permitiram analisar cenários de popularização como os museus. Por outro, as práticas do cotidiano, com a abordagem da crítica feminista da tecnologia e a perspectiva educação freireana, que propõem tanto reconhecer os componentes invisíveis nas condições de possibilidade que permitem o funcionamento do museu, quanto identificar os fluxos alternativos opostos às práticas dominantes que configurariam processos de conscientização articulados com dinâmicas de resistência e transformação. Nesse sentido, aproveitando as discussões até aqui apresentadas, no próximo capítulo proponho uma ensamblagem teórico- metodológica para a análise dos museus.

CAPÍTULO III

3. ENSAMBLAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA PARA A